Hoje me vi tentado a conversar sobre medo. Não é sobre fobias, medos irracionais ou ansiedade persistente. Apenas o medo comum. Medo que hoje faz parte do dia a dia do brasileiro. Não é o medo de morrer que nos afeta à medida que envelhecemos, me refiro ao medo comum que toma conta das nossas vidas. Uma experiência de medo que me ficou na memória, foi de ter ido a um grande hospital psiquiátrico a procura de um professor. Fui conduzido por um labirinto, abrem-se portas, corredores, e o consultório era logo ali, só que eu não sabia mais por onde andava. Minha acompanhante abriu uma última porta e me disse, o senhor vai reto até aquela porta e bate que irão atende-lo. Segui pelo salão sem me ligar onde estava, levanto os olhos e vejo uma multidão num canto do salão. De repente, dei-me conta que estava numa unidade fechada, com inúmeros pacientes a perambular por ela. Comecei a sentir medo, não de ser agredido, não era medo físico, era medo de que não soubessem quem eu era e que a porta que deveria ser aberta para mim, permanecesse fechada.  Não portava documentos, ninguém saberia quem eu era. Naquele momento de tensão fiquei matutando, tô ferrado, como é que vou sair daqui, se gritar vão achar que estou louco, se não aparecer ninguém, fico preso. Isso me lembrou outra ocasião em fui até o Dops prestar depoimento, o delegado que tratava do meu caso, foi chamado para outro setor, aí pediu para um outro policial ficar comigo até que voltasse. Esse chamou um terceiro e disse toma conta do rapaz. Fui levado à outra ala, fichado e fotografado. Quando fui reclamar um rapaz no fundo da sala me fez um sinal para que eu ficasse de boca fechada. (Horas depois, já na rua, me contou que reclamou e foi “desaparecido”, isto é era colocado em diferentes delegacias e sua família não o encontrava, seu drama durou um mês). Nesse meio tempo o tal delegado lembrou-se de mim e foi me procurar pelo edifício e, finalmente me encontrou. Pediu desculpas etc.,, mas até hoje não sei se tudo aquilo fazia parte de um esquema para aterrorizar um pobre estudante. Voltando  ao hospital, felizmente, do meio daqueles pacientes ouvi uma voz. “Dr. O senhor por aqui? Que bom lhe ver”. Era um soldado da PM, que eu havia encaminhado para internamento. Fiquei muito aliviado e feliz, pois ele tinha me devolvido a identidade médica e isso quebrou aquele início de medo que começara a me invadir. Como dizia certo filósofo, eu sou eu mesmo e minhas circunstâncias. Tempos depois, estava de plantão noutro hospital quando fui chamado na portaria. Uma guarnição militar, armada, vinha me buscar, supostamente para ser interrogado. Eram anos de repressão, eu achava que não havia motivo, tentei argumentar,que não podia deixar o hospital sem médico, não adiantou, fui levado diretamente para uma prisão. O medo, novamente se apossou de mim, mas agora era por motivo mais prosaico, tinha recebido meu salário e estava com ele no bolso. Minha preocupação, era de ser roubado, confiscado ou qualquer ado desses, perder meu dinheiro e aí, como pagar o aluguel? Ao entrar na prisão uma pessoa corre em minha direção, me abraça e segreda no meu ouvido. “Não fala com ninguém tem agente do DOPS infiltrado”. Engraçado como certas imagens quase que se repetem, anos antes, em “New York”, entrei numa boate em “Greenwich Village”, não cheguei a descobrir que boate era aquela, uma mulher largou o par no meio do salão, correu em minha direção, me abraçou e me disse no ouvido; “Dá o fora, aqui estás correndo risco de morte”. Resolvi não testar minha sorte, agradeci, dei meia volta e sai rapidamente, na rua, junto com um amigo que me acompanhava, saímos correndo. Nunca descobri o que aconteceu. Isso me lembra a história de uma amiga que trabalhava no 35 andar do World Trade Center e lá estava no 11 de setembro. Conta ela que viu fumaça, largou tudo que estava fazendo, pegou sua bolsa e se mandou escada abaixo, no caminho passou pelos bombeiros que iam subindo e que depois morreram todos no desabamento do prédio. Ela já estava a dois quarteirões do local quando as Torres vieram abaixo. Será que eu teria essa presença de espírito? Quem sabe eu ficaria mais tempo para desligar o computador, salvar o que estava fazendo? As possibilidades são muitas, todas levando ao desastre. Voltando ao medo, notei o quanto estava “intoxicado” pelo veneno do medo quando morei numa cidade universitária americana. Fui me acostumando aos poucos, que uma pessoa correndo na rua não era trombadinha assaltando, era apenas uma jovem correndo para manter a forma. Minha casa tinha janelas enormes, todas envidraçadas e sem grades. Levei algum tempo até poder dormir sem imaginar que poderia ser vítima de assalto. O Correio então, era algo difícil de imaginar. Deixava os envelopes com os pagamentos diversos, num escaninho, o funcionário vinha, pegava meus envelopes e processava. Deixava a minha correspondência num armário de ferramentas e lá ninguém bisbilhotava. Coisas do outro mundo. Fui fazendo essa associação livre, diante da realidade em que vivemos. Grades de ferro em todas as janelas e portas, cerca eletrificada, medidas evasivas de segurança, não entrar na garagem se tiver pessoas por perto e assim por diante. Um paranóico tem que se esmerar para suplantar essa realidade. Concluindo, já enfrentei muitos medos reais, mas nunca a vida do brasileiro esteve tão difícil como nos dias atuais.

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