Fevereiro de 2022 – Vol. 27 – Nº 2
Walmor J. Piccinini
O uso do lítio começou tímido, em terras brasilis. O primeiro registro do seu uso foi publicado num Manual de atualização terapêutica da Fontoura Wyeth e o autor principal era Luís Meira Lessa e colaboradores. Eram da Bahia. Esta publicação foi em 1971. (Sai de Lítio um novo enfoque terapêutico). Em 1973, Lessa publicou “Lítio em Psiquiatria. Perspectivas de tratamento profilático da psicose maníaco-depressiva”. (A Folha Médica,66;6;657-667). Em 1983, Lessa e seu grupo Dunningham, William, Lessa, Luís Meira, Silva, Rosa M.C., Leite, E.B. e Pereira, E.B.G. publicam “Oito anos de lítio na Bahia – Avaliação crítica do seu uso e da sua eficácia”. Este trabalho foi publicado em duas revistas, o Jornal Brasileiro de Psiquiatria e a Revista ABP.
Nesta mesma época começam publicações no Rio de Janeiro com João Romildo Bueno, Jorge Alberto Costa e silva e outros. Idem em São Paulo com Sérgio Horstein, Isaac Karniol,Maria Aparecida Cabral e os jovens Táki Cordás e José Alberto Del Porto, Sérgio Blay e os professores Marcos Ferraz e Helena Calil.
Não se sabe com que negociações a ABP trouxe ao Rio de Janeiro o Professor Mogens Schou que proferiu várias palestras sobre o Lítio. Isto aconteceu em pleno Copacabana Palace. Estas palestras foram depois publicadas no Jornal Brasileiro de Psiquiatria com a intermediação de Márcio Versiani e João Romildo Bueno com auxilio dos alunos em formação psiquiátrica. A palestra introdutória está reproduzindo neste número da Psychiatry Online e se deve a um feliz achado. Doei minhas revistas ao Museu de História da Medicina, mas sobraram algumas perdidas entre livros e, exatamente agora que decidi fazer um número dedicado ao Lítio me aparece uns JBP de 1975 e encontro os artigos de Schou. Tomei a liberdade de digitá-los para vocês. Outra coincidência foi que o Professor Romildo publicou um capítulo sobre este congresso que foi em homenagem ao professor Leme Lopes e sua jubilação. Também coloco a consideração de vocês.
Um pequeno aparte; Cade publicou seu trabalho com Lítio em 1949, foi o primeiro tratamento efetivo surgido em Psiquiatria.
Em 1952 foi descoberta a efetividade da Clorpromazina e esta levou a fama de primeiro neuroléptico. Nem o lítio, nem a Clorpromazina tiveram aceitação rápida nos Estados Unidos. Outras drogas, como a metformina, levaram anos para serem aceitas. A verdade parece levar mais tempo de aparecer quando envolve a indústria farmacêutica americana. No caso do lítio, dois ingleses refutaram os trabalhos de Mogens Schou e ele levou mais alguns anos para provar o mérito do mesmo. Talvez isto tenha facilitado sua vinda ao Brasil onde foi recebido de braços abertos, mas sem maiores destaques, pois vieram outros personagens mais famosos. Neste congresso participou um peruano que fazia residência na Inglaterra, mais tarde seu nome se tornou mundial, German Berrios.
Em Porto Alegre, lembro que o Dr. Bernardo Brunstein coordenava um grupo de psiquiatras que atendia egressos de hospitais e eles estudaram e apresentaram um Manual do Uso do Lítio, mas já era 1985.
Os anos 80 e 90 foram pródigos em publicações sobre Lítio. Everton Sougey em Pernambuco, Valentin Gentil Filho em São Paulo e muitos outros. A lista completa foi publicada no número anterior da Psychiatry On-line Brasil Janeiro, 2022.
A morte de Mogens Schou foi lembrada por Fernando Gazalle e Flávio Kapczinski em Carta ao Editor da Revista Brasileira de Psiquiatria em 2006. 28; 1;82-83
Senhor Editor,
Muitos artigos na literatura científica fornecem dados históricos sobre a descoberta do lítio e seu desenvolvimento na psiquiatria, desde sua descoberta na Austrália, seu desenvolvimento primeiramente na Europa e então nos Estados Unidos. 1 O grande marco na história do lítio ocorreu em 1954, quando o pesquisador dinamarquês Mogens Schou e colegas publicaram seu primeiro estudo duplo-cego do lítio na mania, iniciando um trabalho de toda a vida de Schou na pesquisa do lítio e ensino.2 O uso do lítio no transtorno bipolar (TB) causou uma revolução na psicofarmacologia, pois forçou os psiquiatras a pensarem em termos de diagnóstico, pois a utilidade do lítio nos quadros de mania clássica foi consagrada por diversos estudos científicos2-4 e pela prática clínica.
Durante muitos anos, o lítio foi o único estabilizador do humor. Mais recentemente, outras medicações começaram a ser utilizadas para esse fim, principalmente os anticonvulsivantes e antipsicóticos atípicos. Estas medicações, com características farmacológicas, posológicas e clínicas diferentes, colocaram em cheque o “reinado” do lítio e o seu papel atual no arsenal terapêutico do TB. O que se observa na prática clínica é um declínio do uso desta medicação. Diversos motivos podem ser alegados para isso: dificuldades posológicas, efeitos adversos graves (raros) e o investimento da indústria farmacêutica no desenvolvimento de novas medicações.
Contudo, o carbonato de lítio, após 50 anos, continua sendo um tratamento de primeira linha para a maioria dos pacientes bipolares. Os estudos e a prática clínica ainda consagram o lítio como o estabilizador de humor por excelência. Diretrizes elaboradas através de uma abordagem baseada em evidências consagram o lítio como primeira escolha terapêutica em praticamente todas as fases e apresentações do TB.5 Conclui-se que os psiquiatras (principalmente aqueles em formação) devem ser estimulados a conhecer de forma precisa as indicações do lítio e aprenderem a utilizar esta medicação, que tem auxiliado tantos pacientes.
O legado do brilhante professor e pesquisador Mogens Schou, falecido recentemente, permanece mais atual do que nu