Julho de 2025 – Vol. 31 – Nº 7

Walmor J. Piccinini

A História da renovação da psiquiatria brasileira começou com a fundação da Clínica Pinel de Porto Alegre em 1960. Mais precisamente em 28 de março daquele ano. Eu comecei a trabalhar como Atendente psiquiátrico em junho do mesmo ano e estava com 19 anos de idade e aluno do primeiro ano da Faculdade de Medicina de Porto Alegre. Já tratei deste assunto em outros momentos, mas neste artigo vou examinar a questão da religiosidade e preconceito. O Professor Marcelo Blaya contava que ao retornar dos Estados Unidos onde fizera formação na Clínica Menninger de Topeka, Kansas começou a atender seus pacientes que necessitavam de hospitalização no Hospital Espírita de Porto Alegre, na época dirigido pelo Dr. Anisem Messina, psiquiatra forense, ex-diretor do Instituto Maurício Cardoso dedicado a doentes mentais infratores. Ao descobrir que seus pacientes recebiam passes mediúnicos, reclamou ao Diretor do hospital que lhe respondeu candidamente que aquele era um hospital espírita e que fazia parte do seu trabalho a atuação através de espiritismo. Segundo Blaya, a partir dessa conversa concluiu que deveria ter seu próprio hospital e daí nasceu a Clínica Pinel de Porto Alegre. Esta história pode ter me influenciado e fiquei com certa dificuldade de aceitar as práticas espíritas do hospital. Isto não impediu que depois eu fosse plantonista do mesmo hospital e onde sempre fui bem tratado e reconhecido ao ponto de receber convite formal para integra seu corpo médico. Nunca o fato de ter médicos e administradores espíritas influenciou meu trabalho. Na Pinel um dos residentes era espírita e acabou sendo desligado da formação em psiquiatria. Com o conhecimento adquirido fundou seu próprio hospital na cidade de Canoas, a Clínica Santa Tecla. Hoje em dia continuam a existir vários hospitais espíritas em diferentes partes do país prestando serviços inestimáveis a população. Na história da psiquiatria brasileira tivemos muitos médicos combatendo o espiritismo e os médicos que eram espíritas tinham que esconder sua formação. O termo passa e hoje em dia temos médicos que se orgulham de sua religião espírita.

Em 1951, Stalin condenou a psicanálise e a psiquiatria ocidental, adotando a Reflexologia como prática psiquiátrica na União Soviética. Esta decisão fez parte de um movimento maior para alinhar as ciências comportamentais com a ideologia do Estado. Stalin promoveu a teoria do reflexo condicionado de Pavlov, que se tornou a base de um novo conceito soviético de comportamento humano. A ideia era transformar a psicologia em uma ferramenta prática para a política do Estado e do Partido.

A Reflexologia, baseada nos estudos de Pavlov, focava na ideia de que o comportamento humano poderia ser condicionado e controlado por estímulos externos, semelhante ao famoso experimento de Pavlov com cães. Esta abordagem foi vista como uma maneira de moldar e controlar a população, eliminando qualquer influência interna ou espontânea no comportamento humano.

Muitos psiquiatras que eram psicanalistas enfrentaram um conflito pessoal e alguns abandonaram a psicanálise para seguir a orientação do Partido Comunista. Um dos mais famosos foi Gregório Berman, na Argentina. Outros procuraram conciliar sua crença no comunismo com sua crença na psicanálise, como José Bleger. No Brasil, alguns psiquiatras e psicanalistas comunistas não seguiram as ordens de Stalin. Eles seguiam o marxismo sem adotar a Reflexologia. Os psiquiatras que adotaram a Reflexologia eram uma minoria que não chegou a criar uma escola, apesar de alguns, como Ivan Veloso, terem realizado vários cursos de Reflexologia sem muito sucesso.

Assim como a Reflexologia, outras influências como o espiritismo, a psicanálise e o cristianismo também tentaram moldar a ciência psiquiátrica. Cada uma dessas abordagens buscava entender e influenciar o comportamento humano através de suas próprias lentes e práticas, contribuindo para o desenvolvimento e a diversidade da psiquiatria ao longo do tempo.

Efeitos sobre a saúde mental

A relação entre psiquiatria e religião é complexa, histórica e, nos últimos anos, cada vez mais reconhecida como relevante para a saúde mental. Durante muito tempo, a psiquiatria — influenciada por figuras como Freud — via a religião com desconfiança, associando-a a neuroses ou ilusões. Mas essa visão tem mudado bastante.

Hoje, muitos estudos mostram que a espiritualidade e a religiosidade podem ter efeitos positivos na saúde mental, ajudando no enfrentamento de estresse, depressão, ansiedade e até na prevenção do suicídio. A Organização Mundial da Saúde e a Associação Mundial de Psiquiatria recomendam que psiquiatras considerem esses aspectos na prática clínica, respeitando as crenças dos pacientes e, quando apropriado, integrando-as ao tratamento1.

Por outro lado, também é importante reconhecer que a religião pode ter efeitos negativos, como sentimento de culpa excessiva, medo de punição divina ou recusa de tratamentos médicos em nome da fé. Por isso, o papel do profissional de saúde mental é avaliar cuidadosamente como a religiosidade impacta cada indivíduo — se como recurso de enfrentamento ou como fator de sofrimento.

Momento atual no Brasil

No Brasil, onde a maioria da população se declara religiosa, essa interface é especialmente relevante. Pesquisas mostram que muitos pacientes desejam que suas crenças sejam levadas em conta durante o tratamento.

Nas últimas décadas, tem havido uma crescente conscientização da academia e da população geral sobre a relevância da religião e da espiritualidade nas questões de saúde. Revisões sistemáticas da literatura científica identificaram mais de 3.000 estudos empíricos investigando as relações entre religião / espiritualidade e saúde. A Associação Mundial de Psiquiatria (WPA) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) trabalham arduamente para garantir que a promoção e os cuidados em saúde mental sejam baseados cientificamente e, ao mesmo tempo, compassivos e com sensibilidade cultural.

No campo dos transtornos mentais, demonstrou-se que religião / espiritualidade  têm implicações significativas para prevalência (especialmente em transtornos depressivos e por uso de substâncias), diagnóstico (ex.: diferenciação entre experiências espirituais e transtornos mentais), tratamento (ex.: comportamento de busca de tratamento, aderência, Mindfulness, terapias complementares), desfechos clínicos (ex.: melhora clínica, e suicídio ) e prevenção, bem como para a qualidade de vida e bem-estar.

Como diferentes religiões influenciam a psiquiatria?

A influência das religiões na psiquiatria varia bastante conforme a tradição religiosa, o contexto cultural e a forma como os profissionais de saúde mental integram (ou não) esses elementos na prática clínica. Aqui vão alguns destaques:

1. Cristianismo

Em muitas vertentes cristãs, especialmente no Brasil, a fé é vista como um recurso de enfrentamento. A oração, o apoio comunitário e a crença em um propósito maior são frequentemente associadas a maior resiliência emocional. No entanto, algumas interpretações mais rígidas podem gerar culpa excessiva ou recusa de tratamentos médicos, o que exige atenção dos profissionais.

2. Espiritismo

Muito presente no Brasil, o espiritismo influencia diretamente a forma como muitos pacientes interpretam sintomas como vozes ou visões — que podem ser vistos como manifestações espirituais, e não necessariamente patológicas. Isso exige sensibilidade do psiquiatra para diferenciar experiências culturais de sintomas clínicos.

3. Religiões de matriz africana (como o Candomblé e a Umbanda)

Essas tradições valorizam o corpo, a ancestralidade e os rituais como formas de cura. Em contextos psiquiátricos, podem oferecer suporte emocional e comunitário, mas também enfrentam preconceito institucional, o que pode dificultar o diálogo com profissionais de saúde.

4. Budismo

Com sua ênfase na meditação e na atenção plena (mindfulness), o budismo tem influenciado práticas terapêuticas modernas, como a Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulness (MBCT). A visão budista sobre sofrimento e impermanência pode ser integrada de forma construtiva em tratamentos psiquiátricos.

5. Islamismo e Judaísmo

Ambas as tradições oferecem estruturas éticas e comunitárias fortes, que podem ser fontes de apoio. No entanto, também podem trazer desafios, como tabus em torno de doenças mentais ou resistência a certos tipos de intervenção, dependendo da comunidade.

Estudos brasileiros recentes mostram que a religiosidade e espiritualidade são amplamente utilizadas como estratégias de enfrentamento por pacientes com transtornos mentais. A psiquiatria contemporânea tem buscado integrar esses aspectos de forma respeitosa e culturalmente sensível, reconhecendo que, para muitos, a fé é parte essencial da identidade e da saúde mental.

No próximo mês iremos examinar os principais nomes deste fenômeno de psiquiatria, religião e espiritualidade. Vamos examinar alguns personagens como Álvaro Rubim de Pinho, Joel Sales Giglio, Francisco Lotufo Neto, Paulo Dalgalarrondo e Alexander Moreira de Almeida entre outros.

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