(Tradução e adaptação: Fernando Portela Câmara)
Nem o fogo nem o ácido fervente
em um ninho de bruxas vulcânicas, nem o gélido vento
nem a tartaruga pútrida que ladrando e chorando
com voz de mulher morta te escava o ventre
buscando um anel nupcial ou um brinquedo de criança degolada,
serão para ti apenas uma porta escura,
arrasada.
Aqui estás. Estrume de sinistras galinhas de sepulcro
que esvai de tua triste pálpebra, pesado escarro,
emblema da traição que o sangue não apaga. Quem, quem és,
oh miserável espuma de sal, oh cão da lama,
oh sombra de um mal nascido amor.
Não mereces dormir.
Ainda que pregos sejam cravados nos teus olhos,
deves estar desperto caudilho, desperto eternamente
imerso na podridão dos recém paridos
rebentos dilacerados no outono. Todas, todas as tristes crianças
esquartejadas,
rígidas, penduradas, esperando em teu inferno
esse dia frio de sombria festa: tua chegada.
Crianças incineradas pelas explosões,
pedaços vermelhos de miolos, corredores de delicadas vísceras te esperam
todos, todas, na mesma atitude
de atravessar a rua, de chutar a bola,
de comer uma fruta, de sorrir ao nascer.
Como o agudo espanto ou a dor que devora
meu horror e minha angústia te aguardam. Só e maldito,
só e desperto sejas entre todos os mortos,
e que o sangue caia sobre ti como chuva
e que um agonizante rio de olhos arrancados
deslize e corra, fitando-te sem fim.