DO BEBÊ À ADOLESCÊCIA: O IMPACTO DO TRAUMATISMO

QUESTÃO SOCIAL? RESPOSTA PSI

INTERCÂMBIO DE MENSAGENS COM AFFONSO BARROS DE ALMEIDA

 

1. DO BEBÊ À ADOLESCÊCIA: O IMPACTO DO TRAUMATISMO

Referência: ENFANCES & PSY, N° 74, 2017, 160 páginas
Atentados terroristas, agressões sexuais, guerras, assédio… Este número da revista ENFANCES & PSY aborda a questão atual do traumatismo e de suas consequências sobre o desenvolvimento psíquico da criança. Como compor com tais acontecimentos que deixam consequências duradouras?
Uma dezena de artigos evocam o acompanhamento dos menores estrangeiros isolados chegando na França ; a questão do contágio do traumatismo, por exemplo duma mãe traumatizada pelo seu bebê ou duma criança afetada pelo câncer de seus pais ; o acompanhamento do traumatismo. Os autores insistem sobre a necessidade de organizar consultas não somente em casos de urgência( as células de urgência médico-psicológicas), mas também para acompanhar a vivência depois do trauma. Um artigo evoca mais particularmente as questões das violências sexuais sofridas na infância e suas repetições. A adolescência, período de transformações intensas, poderia reativar traumatismos antigos, mesmos os de outra geração.

 

1. QUESTÃO SOCIAL, RESPOSTA PSI ?

Referência : Claude Coquelle , presidente de Psypol
A vida social engendra muitos sofrimentos, especialmente psíquicos. Desta forma, porque os psis não poderiam propor respostas políticas em tais circunstâncias? Foi o que fez a associação Psypol ao organizar uma jornada de estudos em Nantes, em 28 de novembro último. O objetivo foi bem definido: “Favorecer intercâmbios e enriquecimentos mútuos entre dois universos geralmente separados: o mundo psi (psicologia, psiquiatria, psicanálise, psicoterapia) e os mundos político, sindical e associativo, sem esquecer a filosofia, as ciências sociais e a cultura quando elas levam em conta questões relacionadas com o viver juntos e o engajamento do cidadão”. Citemos algumas questões:
*Nas empresas, pessoas ficam estressadas, deprimem-se, sentem-se oprimidas, temem não aguentar as cargas de trabalho, inquietam-se com o futuro.
*Famílias passam por dificuldades econômicas e financeiras num clima social marcado pela insegurança e o desprezo.
*Adolescentes procuram um lugar numa sociedade cada vez mais violenta, competitiva, exclusiva.
*A vida do casal é marcada por tensões podendo se terminar em violências conjugais.
*Estrangeiros chegam de muitos países à procura de uma vida melhor, mas encontram numerosas dificuldades e raros apoios.
Ora, examinando bem, todas essas situações são ao mesmo tempo sociais, por atingirem grupos que vivem problemas bem precisos, mas elas são também ressentidas, subjetivamente, por pessoas que sofrem sem poder superar suas dificuldades. Na realidade, os «psis» devem deixar de negligenciar e mesmo de negar a dimensão social do sofrimento em muitas pessoas.
OS OBJETIVOS DE PSYPOL
Este constato feito, os organizadores da jornada reconhecem que, graças ao apoio dos poderes públicos, respostas “psis” (escuta, acompanhamento, apoio, psicoterapia, desenvolvimento pessoal, etc.), estão se desenvolvendo em todo o país. Mas estas respostas precisam ser afinadas, explicitadas, adequadas às situações que devem ser tratadas.
Para Françoise Champion, pesquisadora nos domínios da sociologia das religiões e da laicidade, as divergências existentes sobre as origens dos dist¬úrbios psíquicos e seu acompanhamento, continuam suscitando debates, notadamente diante das mudanças constatadas nas políticas de saúde pública. Assim, a pesquisadora desenvolveu a ideia de que “as representações sociais do sofrimento, do mal-estar e da felicidade’’ devem ser levadas em conta quando abordamos a questão psicoterapêutica.
RESPOSTA PSI OU POLÍTICA?
Muitas pessoas criticam e se inquietam com o que elas chamam ‘’a psicologisação da sociedade’’. De fato, dar respostas ‘’psis’’ a todas as questões que tocam o sofrimento humano pode conduzir ao risco de desviar nossa atenção dos verdadeiros problemas que engendram o isolamento das pessoas. Neste caso, é possível que, em certas situações ou para certas pessoas, a mobilização coletiva seja uma ‘’terapia’ ‘preferível às terapias propriamente ditas. Mas podemos também supor que a resposta individual psi seja a primeira condição para que uma pessoa possa avançar, se engajar em combates políticos, coletivos e mudar suas condições sociais.
Deixando de lado a questão polêmica binária “a favor ou contra a psi”, não poderíamos perguntar qual seria a política de saúde pública apta a atenuar a exclusão, o isolamento, a precariedade das pessoas?
CONCLUSÃO
‘’Quais são as práticas ou os quadros de referências capazes de oferecer às pessoas ao mesmo tempo uma resposta adaptada aos seus sofrimentos subjetivos e a oportunidade de continuar sua construção individual? Sem perder de vista a dimensão coletiva e política da existência pessoal e das situações sociais’’?

 

1. INTERCÂMBIO DE MENSAGENS COM AFFONSO BARROS DE ALMEIDA

3. INTERCÂMBIO DE MENSAGENS COM AFFONSO BARROS DE ALMEIDA
Eu comecei o meu estágio no Serviço de Daumézon em 1965.
Lembro que fomos discípulos do Mestre Lucena, em cujo Serviço de Psiquiatria do Hospital Pedro II, nos anos 60, nos iniciamos no “métier”, na condição de estagiários.
Você precisa, como autor do artigo, se identificar profissionalmente.
Bom, eis algumas parcas observações após a primeira leitura do seu importante e excelente artigo.
Fraternal abraço.
Affonso.
29/06/07

Caríssimo amigo,
A tese de Lucena preparada, em parte, no Serviço de Daumézon, versou sobre ” o campo da consciência após o choque insulínico”. Não sei se o título foi exatamente esse, mas o tema abordado foi.
O José Otávio não fez nenhum “séjour” na França, mas ele participou de Congressos internacionais na Europa, inclusive em Paris. Conta-se que ele falava bem francês e que conhecia muito bem os trabalhos de Ey e de Daumézon além dos trabalhos dos psiquiatras franceses que antecederam e influenciaram os dois.

Eu tive o privilégio de “preparar a sua cama” no Serviço de Daumézon, que soube, por meu intermédio, da simpatia do Mestre Lucena por você e com quem cheguei a conversar algumas vezes sobre ele, quando o Mestre Daumézon me transmitiu possuir admiração e deferência por Lucena.

Assim, na verdade, quem lhe abriu as portas do Henri Rousselle foi Zé Lucena, eu fui, apenas, intermediário. Esse fato foi mais um, dentre outros, que desagradou a Zé Lins, o qual, não sabendo nada de psiquiatria, dizia-se discípulo do Mestre Lucena. Na verdade, ele antes de se interessar pela psicanálise foi gastroenterologista, tendo “migrado” do Serviço de Arnaldo Marques para a Clínica Psiquiátrica do Pedro II ,apoiado por Galdino Loreto, onde atuou como “psicoterapeuta” do grupo coordenado por Galdino e que tinha como clientes estudantes de medicina e de outros cursos, dentre eles, eu, Nicéas, Zuleika Portela, Paulo Gustavo Viana Lira, Lygia Câmara, Fernando Rocha, Cristina Jucá, Ana Belo, etc.
Vc está me tornando nostálgico. Lembras que eu fui o único brasileiro da “confraria” a te receber em Orly? Lembras quem estava comigo e para onde tu foste levado?
Fraternal abraço,
Affonso.
29/09/07
Oi Eliezer,

Hoje no Recife existem, pelo menos, três “Grupos de Instituições e de Psicanalistas”: Os Freudianos, os Lacanianos e os Carusianos”.

O casal Lins de Almeida, quando chegou no Recife (1969/1970), apresentou-se como “detentor” do saber psicanalítico. Na verdade, o interesse, sobretudo do José Lins, era “mercadológico” e não doutrinário. Ele, o José Lins, apresentou-se na época, com o apoio dos cariocas, como “analista didata!
Você já se perguntou por que o “Comité Catholique Contre La Faim et pour le Développement” deu apoio a esse projeto?
Eu já. Mas ainda não tenho resposta!

Como você sabe, cheguei no Recife após o Zé Lins e não foi fácil me fazer reconhecer. Mesmo assim “briguei” pela criação do nosso ” núcleo de Psicanálise”.
Ivanise Ribeiro, hoje Presidente da “Sociedade”, nunca foi aceita pelo “grupo” do Zé Lins, embora tenha sido uma das suas pioneiras.
Muitos dos membros dos três “Grupos” se “iniciaram” comigo, o que me deixa muito a vontade… … …!
Aguardando a sua réplica, fraternal abraço do amigo
Affonso.

Oi Affonso,
Você tem razão ao falar de História oficial para designar os revisionistas que reescrevem os fatos passados, mesmo quando eles são baseados não somente em palavras proferidas por testemunhas auditivas e oculares, mas que recusam até os arquivos conservados, como os filmes que mostram a realidade dos acontecimentos. Assim, aqui na França, como em outros lugares, ‘’historiadores’’políticos de extrema-direita, saudosistas hitlerianos, chegam a negar até mesmo a existência dos Campos de concentração nazistas, por conseguinte o próprio genocídio dos judeus.
No que diz respeitro à história da Sociedade de Psicanálise de Recife, guardadas todas as proporções, percebemos, por razões diversas que deveriam ser esclarecidas, a mesma tendência negacionista : recusar, deformar, esquecer digamos ‘’pequenos detalhes’’ como a sua participação na criação do ‘’Núcleo de Psicanálise’’ ou quando não me informaram sobre o acordo passado com o Comité.
Em recente trabalho que li na internete sobre a ‘’História da Psicanálise Brasileira’’, os autores não somente privilegiam a corrente lacaniana, deixando apenas migalhas aos freudianos, mas dizem bobagens em certas ocasiões, mostrando-se tendenciosos em todas as circunstâncias. Por exemplo, escreveram que as primeiras traduções das Obras Completas de Freud em português(editora Delta), foram muito boas e causa de admiração para os analistas brasileiros. Ora, Dona Elza Ribeiro Hawelka(psicanalista brasileira trabalhando em Paris ) deu-me de presente dois volumes dessa edição, traduzidos por pessoas cuja língua materna não era o português.Ela escreveu com um lápis muitas observações e mostrou os frequentes erros gramaticais que aparecem em vários artigos dos dois volumes. Ela quis mostrar ainda que se trata de uma tradução do espanhol e não do original alemão. E citou exemplos para provar isso: ela consultou a edição espanhola e comparou com a portuguesa. Resultado, encontrou os mesmos erros, as mesmas lacunas nas duas tarduções, exatamente nos mesmo lugares e passagens, provando assim que se tratava de uma tradução da tradução espanhola !!

Ainda sobre a criação do Núcleo de Recife : eu não sabia que Daniel Lagache tinha desempenhado o papel que você lembrou. Sei que Daniel Widlöcher e Serge Lebovici( respectivamente secretário e presidente da IPA na época) estiveram em Recife e acho que foram eles que reconheceram oficialmente a sociedade recifense de psicanálise. Questão :Lucia Lins não fez uma supervisão com Lagache ?
Outra coisa : fiquei decepcionado com Ivanise, a qual, em sua casa, disse estar interessada em fazer um trabalho sobre a história da psicanálise pernambucana e fingiu mostrar-se interessada quando eu lhe disse haver escrito um artigo à pedido de Georges Dumézon :‘’A penetração dos conceitos psicanalíticos na semiologia psiquiátrica no Brasil’’. Trocamos nossos e mails e escrevi duas vezes a Ivanise, que nunca me respondeu !!!

Eu também não entendo porque você nunca me respondeu sobre a possibilidade de conversarmos pelo MSN, o que faço com amigos e familiares pelo Brasil afora. É facílimo, prático e gratuito !!
Abraços e lembranças a Rosana.
Seu amigo
Eliezer
21/09/07
Oi Eliezer,
A História Oficial da Psicanálise no Recife não faz sequer alusão a Paris dos anos 60 nem a Dona Elza. Como você sabe, foi naquela época que um pequeno grupo de recifenses partiu para Paris, com o apoio do Comité Catholique. Dona Elza foi analista de muitos deles. Um “Documento de Compromisso” com o “Comité” foi assinado por todos, exceto por você, para que na volta para o Brasil todos ficassem no Recife… …!?! É preciso lembrar que Dona Elza conseguiu o apoio de Daniel LAGACHE para o nosso projeto… …

Nos anos 70, na minha casa da Martins Pereira, fizemos varias reuniões com a presença do casal Lins de Almeida, Edilnete, Eldione e Paulo Sette, que embora não psicanalista como o Mestre Daumézon, apoiava o nosso projeto de criação de um “Núcleo de Psicanálise” no Recife. Zé Lins,matreiramente, mantinha “por fora” contactos com a Sociedade do Rio de Janeiro. Os cariocas demonstraram grande interesse pelo nosso projeto e logo enviaram para Recife uma “equipe” para nos conhecer e entrevistar possíveis novos candidatos médicos.Nos anos de 1960, no Brasil, só poderiam ser candidatos psicanalistas profissionais médicos… …!?! O que provocou um grande descontentamento dos profissionais psicólogos. E o meu também! O que provocou um grade “conflito”.

Nas minhas conversas com os profissionais do Rio, logo me apercebi pelo interesse deles pelo “mercado”. Um deles, imagine, chegou a me perguntar o preço de uma sessão aqui no Recife! Eu respondi que, na minha opinião, nas entrevistas preliminares, o preço era o ¬último item a ser considerado e que eu não era vendedor de “Coca Cola”… … Ele replicou, ‘’no Rio eu estipulo um preço da sessão e quem não pode pagar’’… … Eu falei da pobreza da Região e ele replicou: ‘’e onde estão os uzineiros daquí?’’. Eu não respondi e não aceitei fazer parte desse “grupelho”.
A atual Presidente da Sociedade de Psicanálise do Recife é Ivanise Ribeiro, que jantou aqui na nossa casa com você e Maria do Carmo. Abraços
Affonso e Rosana.
Affonso escreveu:
Carissimo amigo,
Penso que documentar, através de um artigo por exemplo, as origens da psicanálise em Pernambuco, seria uma boa contribuição para a história do “movimento” em nosso Estado.
Não é fácil responder a pergunta “por que escolhemos Paris?”
Quais as motivações de cada um e a circunstância do ano de 1964 para a escolha de Paris? Qual o papel de José Lins e de sua esposa Lucia Lins?

O que levou o ‘’Comité Catholique contre la faim et pour le Développement’’ a apoiar financeiramente a formação psicanalítica desse Grupo? Talvez por causa das relações que tinhamos com a psiquiatria francesa,que marcou toda a história da psiquiatria brasileira, inclusive até a classificação das doenças mentais, inteiramente adotada até 1949. Eu mesmo comprei na época de meu estágio no serviço de José Lucena, o Manuel de Psychiatrie de H. Ey. Othon Bastos havia feito um pequeno estágio com ele, isto também nos influenciou. Para mim, houve também a necessidade de deixar o Brasil: o amigo deve saber que fui enquadrado na lei de Segurança Nacional, coisa que só aconteceu a 33 pessoas!

A psicanálise francesa também era para nós bem conhecida. E havia aquele padre -esqueci o nome dele-que trabalhava no serviço de Lucena, e tinha contacto cm o Comité Catholique Contre La Faim et pour le Développement. Foi ele quem obteve a minha bolsa. A necessidade de fazer uma análise me veio por razões neuróticas e a ilusão de que 6 meses de análise seriam suficientes para curar meus sintomas!!!

Aliás, não de todo o Grupo pois vc, por exemplo, contra a minha vontade, foi impedido de entrar na “confraria”. Sei da existência de um documento entregue ao Comité, em Paris,o qual eu subscrevi juntamente com Ze Lins, Lucia Lins, Ivone Lins, Carlos Augusto Nicéas de Almeida, Zeferino Rocha, dentre outros, que apresentava uma proposta de formação psicanalítica desse grupo que, no momento adequado, deveria retornar ao Recife. Infelizmente,não fiquei com uma cópia desse documento( o Zé Lins com certeza ficou!) mas ele deve ser encontrado na sede do Comité em Paris.
Questão :porque me impediram o acesso à confraria?Eu ignorava isso: teria sido porque eu era protestante? Ou teria havido motivos mesquinhos? Ou porque, sendo casado com uma francesa, deduziram que eu não voltaria para o Brasil(mas na época eu pensava o contrario)?
AFFONSO :sobre o papel de Dona Elza, em cujo divan deitamos, nós dois e também Lúcia Lins e Carlos Augusto Nicéas de Almeida, dentre outros : porquê Daniel Lagache apoiou tanto esse Grupo? Eu estive, pessoalmente com ele, sobretudo no ano de minha volta para Recife, quando ele me estimulou muito na minha tarefa de “pioneiro”. Lagache apoiou o grupo não somente por causa das qualidades das pessoas citadas, mas também porque Dona Elza era assistente dele e colaborou com o Vocabulaire de Psychanalyse. Ela era amiga de Marianne Lagache, esposa de Daniel.
Naquela época, como vc sabe, já existia a “diáspora” Lagache/Lacan e alguns do nosso Grupo migraram para a “Escola” Lacaniana: Zeferino Rocha e José Lins, por exemplo. Eu não sabia que Zeferino e Zé Lins tivessem migrado para a escola lacaniana.
Eu pensei que Zeferino tinha virado “carusiano”. Mas os dois migrantes mais significativos foram Carlos Nicéas e Paulo Siqueira.
Imagine Nicéas: análise com Hawelka e Lagache,adversários ferrenhos de Lacan!! Paulo fez também controle com Pontalis e Smirnoff, da APF! Ele também pertenceu, quando estudante, ao PC!! De modo que transferiu as crenças e convicções do Partidão ao lacanismo milleriano!!!
Nicéas teria feito isso por moda?Como você vê, sem entrar em considerações pessoais, financeiras, etc., a questão de pertencer a uma sociedade de psicanálise, de mudar de referências teóricas é interessante e merece reflexão. Abraços Eliezer

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