[Social psychopathy I: Psychopathic personality and antisocial personality disorders, implications with psychopathy in the context of work]
Belarmino Alves de Azevedo(*1)
Talvane Marins de Moraes(*2)
Resumo
No diagnóstico de personalidade psicopática, considera-se os dois primeiros dos quatro fatores do constructo de psicopatia de HARE. O objetivo de nossa investigação foi identificar o instrumento diagnóstico melhor implicado com a psicopatia no contexto do trabalho, entre: a personalidade psicopática, segundo HARE, o DSM-5 e a CID-10. Para o diagnóstico de psicopatia no contexto do trabalho, um homem de 56 anos, com características anancásticas, foi o sujeito deste estudo de caso, descritivo e exploratório, por um período de cerca de 10 meses. As unidades de observação foram obtidas por um observador participante e submetidas à análise psicopatológica. A personalidade psicopática positivou em todos os itens e estava mais relacionada à condição da psicopatia no contexto do trabalho, enquanto os diagnósticos de transtornos de personalidade antissociais do DSM-5 e da CID-10 positivaram apenas parcialmente. Sugerimos que o diagnóstico de personalidade psicopática pode ser elaborado com a presença mínima de quatro características diagnósticas, entre as oito totais. Palavras chaves: psicopatia no trabalho, personalidade psicopática, critérios diagnósticos, psicopatologia.
Abstract:
In the diagnosis of psychopathic personality, we consider the first two of the four factors of the HARE psychopathy construct. The objective of our investigation was to identify the diagnostic instrument best implicated with psychopathy in the context of the work, including: psychopathic personality, according to HARE, DSM-5 and ICD-10. For the diagnosis of psychopathy in the context of the work, a 56-year-old man, with anankastic characteristics, was the subject of this case study, descriptive and exploratory, for a period of about 10 months. The observation units were obtained by a participant observer and submitted to psychopathological analysis. The psychopathic personality was positive in all items and was more related to the condition of psychopathy in the context of the work, while the diagnoses of DSM-5 and ICD-10 antisocial personality disorders were only partially positive.
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(*1) Prof. das Disciplinas de Psiquiatria e Psicologia Médica da Universidade Iguaçu (UNIG) e Ex-Coordenador do Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica do Instituto Nacional de Infectologia da Fundação Oswaldo Cruz (INI/FIOCRUZ), e-mail: [email protected];
(*2) Prof. da Escola de Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Ex-Diretor do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho.
We suggest that the diagnosis of psychopathic personality can be elaborated with the minimum presence of four diagnostic characteristics, among the eight totals. Key words: psychopathy at work, psychopathic personality, diagnostic criteria and psychopathology
Introdução
O constructo de psicopatia de Robert Hare, conhecido por Psychopathy Checklist Revised or PCL-R (HARE, 1991) é sustentado por estudos psicométricos no contexto de populações forenses (WILLIAMS & PAULHUS, 2004, e LEÓN-MAYER et al., 2015). Baseia-se, entre outros indicadores, na análise de variáveis latentes (WILLIAMS & PAULHUS, 2004) e é definido pelo modelo de quatro estilos ou fatores em um total de 18 itens: fator 1, estilo interpessoal (4 itens); fator 2, estilo afetivo-emocional (4 itens); fator 3, estilo comportamental-impulsivo (5 itens); e fator 4, estilo antissocial-delitivo (5 itens). Os fatores 1 e 2 revelam os traços da “personalidade psicopática” (HARE, 2003).
Os fatores 3 e 4 estabelecem, respectivamente, maior ligação com as inadequações comportamentais-impulsivas e antissociais-delitivas, mais pertinentes às populações forenses. O fator 3 é constituído por: 1. necessidade de estimulação (necessidade de fortes emoções, comportamentos de alto risco, uso de drogas etc); 2. estilo de vida parasitário; 3. falta de realismo, ao longo do tempo; 4. impulsividade; 5. irresponsabilidade aos compromissos assumidos. O fator 4 é representado por: 1. controle comportamental fraco (reações agressivas, quando frustrado ou irritado); 2. problemas comportamentais precoces (transtornos de conduta na infância); 3. delinquência juvenil; 4. revogação de liberdade provisória; 5. versatilidade criminal.
Algumas diferenciações entre psicopatia e transtorno de personalidade antissocial têm sido elaboradas (MORANA & MENDES FILHO, in MORAES, 2001, MORANA et al., 2006 e HENRIQUES, 2009). O psicopata clássico, segundo este constructo, tem sido tradicionalmente sujeito da avaliação da Psiquiatria Forense (MORAES, 2001, MORANA, 2003, MORANA
et al, 2005, MORANA et al, supp 2, 2006, e MORANA et al. , 2006). Encontra-se frequentemente implicado com os crimes, capitulados no código civil e penal, desenvolvendo uma história de vida marcada por sucessivos delitos. Frequentemente, são mais expostos e mais fáceis de serem diagnosticados: consumam um rol de ações claramente delituosas, em estatísticas com índices que variam entre 1% (mulheres) a 3% (homens) da população geral (CID-10, 1993 e SADOCK, 2017). A escala para diagnóstico de gravidades em psicopatia (leve, moderada e severa) foi elaborada por HARE (1991) e foi posteriormente validada para a população forense no Brasil por MORANA (2003).
O objetivo da investigação foi identificar o instrumento diagnóstico melhor implicado com a psicopatia no contexto do trabalho, entre: a personalidade psicopática, segundo Hare (HARE, 2003), a DSM-5 (2013) e o CID-10 (1993).
O sujeito e a metodologia empregada
Antônio, 56 anos de idade, afrodescendente, brasileiro nascido no Estado do Rio de Janeiro, trabalhador da construção civil (“pedreiro”), casado, evangélico praticante, livre de vícios.
Para a identificação de alguns traços de personalidade inerentes à personalidade psicopática, segundo HARE (2003), utilizou-se a pesquisa qualitativa, exploratória e descritiva (RUDIO, 2009 e MARCONI & LAKATOS, 2017), que, após a observação assistemática inicial, incorporou alguns elementos da observação sistemática (campo das observações, unidades de observação e identificação das variáveis), assim caracterizada: in loco, observação individual, participativa e estruturada.
O período de observação foi de aproximadamente 10 meses, com frequência média de observação em uma ou duas vezes por semana. O observador participante colheu diretamente as características das observações estruturadas na realidade empírica. As observações assistemáticas iniciais e sistemáticas foram informais e simples, sem utilização de meios técnicos especiais.
O sujeito escolhido neste trabalho possuía inadequações antiéticas e delitivas, que chamavam a atenção e a curiosidade especiais do observador, comportamentos insólitos acentuadamente diferenciados de outros profissionais, em seus ambientes de trabalho. Para este estudo, como critério de exclusão foram os sujeitos que não aparentavam tais inadequações no contexto do trabalho.
Todos os encontros entre o observador e o observado foram definidos unicamente pelos encontros normatizados pelo cotidiano de trabalho; inexistiram qualquer vínculo de assistência clínico-terapêutica ou exame clínico-psicopatológico, típicos dos praticados no contexto da relação médico-paciente; a conversação com o observado sobre os traços de personalidade e questões voltadas à psicopatia foi rigorosamente evitada, mesmo em suas mínimas insinuações.
Observações dos comportamentos e relações interpessoais do observado ocorreram sem a produção de querelas, desconfianças ou suspeitas. Na coleta de dados, esteve no foco de observações: os aspectos cognitivos, competências, habilidades e adequações aos objetivos e metas do trabalho; os aspectos afetivo-emocionais e éticos, centrados nas relações do observado com seus pares, subalternos e superiores hierárquicos; comportamentos, atitudes e juízos de valores em seus aspectos interrelacionais; seus modos de existir nos diversos contextos do trabalho, favoráveis ou desfavoráveis.
O registro das informações foi realizado com a mais elevada fidelidade possível, mantendo-se o cuidado constante de não haver interferência dos vieses acentuados dos desejos, ideologias, preconceitos e parcialidades do observador. As informações, obtidas somente no contexto do desenvolvimento do trabalho, foram analisadas e categorizadas.
Qualquer comentário, sobre as observações ou observado, nunca foi matéria de divulgação, prestando-se exclusivamente aos fins científicos. O observador guardou sigilo absoluto da identidade do sujeito e do local da observação, mantendo-os em anonimato e substituindo-os por nomes fictícios.
As unidades de observação (RUDIO, 2009), os traços de personalidade (CID-10, 1993) e as categorias diagnósticas (DSM-5, 2013) aqui tiveram o mesmo significado e acompanharam os critérios diagnósticos para:
– Personalidade psicopática, Fator 1 e Fator 2 de Hare (HARE, 2003):
Fator 1 (Estilo interpessoal, comunicacional): 1.Superestima; 2. Sedução (loquacidade e charme superficial); 3. Farsa (Mentira patológica); 4. Manipulação (vigarice); e Fator 2 (Estilo afetivo-emocional): 1. Afetos superficiais; 2. Falta de empatia; 3. Ausência de remorso ou culpa; 4. Incapacidade de aceitar responsabilidade pelos próprios atos inadequados.
– Transtorno de personalidade antissocial (DSM-5, 2013);
– Transtorno de personalidade antissocial (CID-10, 1993).
Para o conceito de psicopatia, foram considerados os referenciais teóricos de HARE (1991 e 2003), HARE (2005), MORANA (2003), BABIAK e HARE (2006).
O estudo obteve aprovação do Conselho de Ética em Pesquisa, do Instituto Nacional de Infectologia (INI) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), RJ, não há conflito de interesse e nem houve fontes de financiamento.
Resultado: caso de psicopatia no contexto do trabalho
A vida social de Antônio era simples, aparentemente muito correta, limitada entre o seu trabalho, a família e a igreja. Residia em casa alugada, mas, em outro terreno, estava concluindo uma casa própria, pequena, e com previsão para a construção de uma outra casa, neste mesmo terreno, para seu filho e família.
Com as pessoas conhecidas, em geral, era tido como: homem digno, cortês, obsequioso, educado, fácil para o relacionamento e respeitador. Conversava pouco, sempre tão somente o necessário. Falava de forma pausada e reticente.
Seu filho dizia: “meu pai é muito tímido; às vezes, mostra-se extremamente envergonhado,”trancado”. Fugia do contato social, muito recatado e humilde. Suas ferramentas eram limpas e conservadas diariamente mediante um rígido ritual de limpeza.
Sr. Lucas, proprietário de um sítio e comerciante do setor de calçados, viu uma obra no centro do município Norte Fluminense, onde o Sr. Antônio era um dos pedreiros. Vendo-se atraído por conhecer algumas das características e especificidades construtivas de tal obra, foi de imediato ciceroneado pelo Sr. Antônio, que espontaneamente, e com muita cortesia, completa solicitude, elevada boa vontade e “discursos encantadores” (2), antecipou-se em explicar todos os detalhes questionados ou não pelo Sr. Lucas. Ao final da visita, Sr. Lucas informou sobre a sua futura obra a ser iniciada e que gostaria de conversar com ele sobre este assunto no próprio sítio. Sr. Antônio comparece no dia e horário combinados e numerosas informações técnicas, durante um longo tempo de conversa, foram discutidas; logo foi acertado o preço dos serviços de mão de obra, referente à primeira etapa da construção.
O início deu-se de imediato. Nesta primeira etapa, participaram o Sr. Antônio, seu filho, seu genro e um outro ajudante, “todos ficavam sob a implacável e soberba vontade do Sr. Antônio” (1): mas tudo, até então, transcorreu maravilhosamente para todos, dentro do que se havia acordado. Sr. Antônio não poupava esforços e até mesmo sacrificava sua vida pessoal em prol do desenvolvimento da obra. Trabalhava muito, inclusive aos sábados, domingos e nos inícios das noites; sempre demonstrando timidez e recato, Sr. Antônio fazia de tudo pelo Sr. Lucas: nunca deixava de atendê-lo em suas mínimas solicitações e vontades, mas “não se importava com a perda dos estudos do filho” (5), o “moleque”, como assim o chamava, que o ajudava.
Tal solicitude absoluta do pedreiro determinou que “o proprietário e sua família ficassem cada vez mais satisfeitos e confiantes” (4) com as aparentes responsabilidades e respeitabilidade deste profissional: trataram logo de satisfazê-lo com a compra de uma lista de ferramentas, de custo total relevante, elaborada pelo próprio pedreiro, que com muito pudor havia solicitado ao Sr. Lucas; o proprietário tinha um grande orgulho por praticar tal generosidade; sentia-se mesmo honrado com a oportunidade de dar um presente a um trabalhador tão esforçado, aparentemente digno e honesto, que se mantinha sempre assíduo, pontual e prestativo, nunca demonstrando nenhum mal estar em relação ao serviço e aos patrões. Ao contrário, não economizava sugestões de ideias necessárias ou oportunas, que poderiam trazer, mais além da imaginação do proprietário, elevadas satisfações e realizações surpreendentes nesta construção.
Foram programadas as cinco etapas da obra, com os custos totais dos serviços pagos antecipadamente, até o início da quarta etapa. A partir da segunda etapa, o pedreiro dispensou o seu genro e o ajudante, continuando a obra com a ajuda tão somente do seu filho. No início da quarta etapa, com todo o valor da mão de obra já recebido, o Sr. Lucas percebe que os trabalhos realizados foram tão somente parciais: 60% da segunda etapa, 40% da terceira etapa e 20% da quarta etapa.
Verificou-se estranhamente também a estrema morosidade do desempenho do Sr. Antônio e não tardou a observar-se que ele desperdiçava excessivamente o material da obra e fazia coisas grosseiramente erradas: tudo era teatralizado no sentido de querer ser despedido. Paralelamente o” Sr. Antônio divulgava ao filho e outras pessoas informações inverídicas” (3), especialmente as do tipo: “o patrão está me devendo, ele não me paga… eu trabalho, mas não recebo” (3, 9). Tal situação também chegava aos ouvidos do proprietário, que, após 10 meses do início da obra, terminou por tão somente romper o contrato trabalhista com o profissional, que “confirma, em presença de testemunhas, o recebimento de todo o dinheiro, sem ter prestado os serviços acordados” (10).
Mesmo com confirmação por escrito do recebimento de todo o valor contratado, o Sr. Antônio continuou divulgando ao filho, e demais pessoas de seu relacionamento, que “saiu no prejuízo, porque o dono da obra ficou lhe devendo dinheiro” (3, 9). “Nunca insinuou qualquer expressão de arrependimento” (7), “sem assumir a responsabilidade por seus erros” (8) e “com intensa indiferença afetiva-emocional em relação aos prejuízos do proprietário” (6), Sr. Antônio deixou a obra: “Sr. Lucas sofreu grave perda financeira” e não viu sua obra ser concluída (10).
Caso social: categorias diagnósticas identificadas (*), segundo os diagnósticos de personalidade psicopática (HARE, 2003) e os de transtornos de personalidade antissocial da DSM-5 (2013) e do CID-10 (1993).
Personalidade
Categorias diagnósticas Psicopática DSM-5 CID-10
__________________________________ ___________ _______ _______
1- Superestima + – –
2- Sedução (loquacidade). + – –
3- Farsa (mentira patológica). + + –
4- Manipulação ou Vigarice. + – –
5- Afetos superficiais. + – –
6- Falta de empatia. + – +
7- Ausência de remorso ou culpa + + +
8- Incapacidade de aceitar responsabili-
dade pelos seus atos inadequados + – –
9-Propensão marcante para culpar os outros ou
para oferecer racionalizações plausíveis para
o comportamento que levou o paciente ao
conflito com a sociedade – – +
10- Inadequações delitivas – + –
______________________________________________________________________
(*) Os termos entre parênteses estão incluídos nos que os precedem, de maior abrangência.
“A vida social de Antônio era simples, aparentemente correta, limitada entre o seu trabalho, a família e a igreja. … Com as pessoas conhecidas, em geral, era tido como: homem digno, cortês, obsequioso, educado, fácil para o relacionamento e respeitador. Conversava pouco, sempre tão somente o necessário. Falava de forma pausada e reticente. Seu filho dizia: “meu pai é muito tímido; às vezes, mostra-se extremamente envergonhado, ”trancado””. Fugia do contato social, muito recatado e humilde. Suas ferramentas eram limpas e conservadas diariamente mediante um rígido ritual de limpeza.” Tais descrições revelam o perfil psicopatológico da personalidade anancástica, uma comorbidade que: expandia “uma nuvem de fumaça, obscurecendo suas inadequações”; exercia um papel sedutor; ocultava, por vezes, a estereotipia da superestima, entre outras categorias diagnósticas da personalidade psicopática. Condição pertinente à expressão “psicopata com elevada insuspeita diagnóstica”.
Discussão
Nesta observação, a personalidade psicopática de R. Hare (HARE, 2003), como instrumento diagnóstico constituído pelos estilos interrelacional e afetivo-emocional, demonstrou ser superior, com resultados positivos para todos os 8 (oito) itens, estabelecendo-se desta forma uma relação estreita com a psicopatia no contexto do trabalho. Enquanto, os itens identificados pelos transtornos de personalidade antissociais da DSM-5 (2013) e do CID-10 (1993), positivados parcialmente, ainda que satisfatórios para este diagnóstico, não incluem, de forma significativa, tais estilos e contemplam comumente o contexto forense, mas não o do trabalho.
Sugere-se que o diagnóstico de personalidade psicopática possa ser satisfeito com a presença obrigatória de 4 (quatro), ou mais, dos 8 (oito) itens que o compõem.
No DSM-5 (2013) foram encontrados três das sete categorias diagnósticas necessárias: a farsa (mentira patológica), ausência de remorso ou culpa e a inadequação delitiva. A farsa e a inadequação delitiva constituem, respectivamente, uma das características central e essencial dos transtornos de personalidade antissociais (SADOCK et al., 2017). Pela CID-10 (1993) estiveram presentes três dos seis traços de personalidade necessários para este diagnóstico: a falta de empatia, ausência de remorso ou culpa e propensão marcante para culpar os outros ou oferecer racionalizações plausíveis.
A superestima (item 1, das categorias diagnósticas identificadas), o primeiro item do estilo interrelacional, inclui outros significados, tais como: pessoa de autoestima elevada, soberba, egocêntrica, que se julga superior, mais inteligente, mais competente, ou é vista como prepotente. Reflete com plenitude as características centrais do narcísico e assim o psicopata no contexto do trabalho se distingue das demais pessoas nas relações interpessoais, mediante um expressivo orgulho. Este “ego inflado”, associado à sua elevada racionalidade, facilita em muito vários outros atributos, que constituem as suas características diagnósticas, dentre eles a sedução e a loquacidade.
A princípio, a superestima constituiu um traço de personalidade no Sr. Antônio de expressividade parcial: suas aparentes características de timidez lhe eram acentuadas e muito dominantes; seu talento normoplástico também muito contribuiu para obscurecê-la. Normoplastia psicopática é a elevada habilidade em exibir os aspectos comportamentais, afetivo-emocionais e cognitivos com elevada adequação ao contexto social em que se encontra; equivale à máscara de sanidade de CLECKLEY, 1988.
Mas a superestima também sustentava suas posições de liderança, mostrava-se presente nos momentos de implacável e mesmo tirânica liderança, e era exposta com um indisfarçável orgulho. Sr. Antônio conseguia tirar proveito de sua timidez: uma timidez sedutora, conveniente e estratégica, instrumento utilizado com maestria para receber admiração, apoio e vantagens: uma “cortina de fumaça” que encobria outras ocultas intenções e planejamentos inadequados; contribuía para um caso de elevada insuspeita psicopática.
A sedução pode ou não incluir a loquacidade e frequentemente é precursora da manipulação ou vigarice. Por loquacidade entende-se, segundo HARE (1991), “a comunicação com fluência verbal, revestida por um encanto superficial, tida comumente como improvável, mas, por vezes, convincente. Costuma ser uma conversa boa, simpática e, não raro, divertida. Coloca o apresentador em uma posição de evidência e consegue impressionar a maioria das pessoas, ainda que pareça ser excessivamente afável e escorregadia, a ponto de não ser suficientemente confiável”.
A exibição de um conjunto de ações e aparentes sentimentos que acompanha a sedução, não raro, vê-se implicada com a farsa. O psicopata costuma deter uma elevada competência sedutora, superior à sedução histriônica: muito melhor estruturada, mais sutil, pertinente, plástica, precisa e mais eficaz. É fruto de um planejamento, articulada com elevadas sutilezas e pertinentes ao contexto no qual se encontra.
Diferentemente da pessoa histriônica, os discursos do psicopata não acentuam indiscriminadamente as referências anárquicas de satisfação, insatisfação ou sentimentos. Aderem-se com melhor ou elevada adaptabilidade emocional às condições da realidade e ideal corporativos, mostrando-se com um nível mais conveniente de aparente maturidade.
Conclusões
As categorias diagnósticas da personalidade psicopática de Hare (HARE, 2003) parecem ser mais adequadas à elaboração do diagnóstico de psicopatia no contexto do trabalho, que os instrumentos DSM-5 (2013) e CID-10 (1993). Sugerimos que o diagnóstico de personalidade psicopática possa ser razoavelmente satisfeito com no mínimo quatro dos oito itens que o compõem.
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