Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Setembro de 2016 - Vol.21 - Nº 09 História da Psiquiatria O EMBATE POLÍTICO QUE ANTECEDEU A FUNDAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA Walmor João Piccinini Nesta segunda década do século XXI as
comunicações são rápidas, quase instantâneas. As articulações políticas são
feitas por alguns aplicativos muito populares.
Nos anos de 1965 e 1966 as comunicações eram feitas por carta e, muitas
vezes, elas demoravam semanas para chegar ao destinatário. Um meio mais rápido
era o telegrama, mas deveria ser sucinto. Um terceiro recurso era o telefonema.
Aí era um tormento esperar linha. Um dos personagens importantes nas
articulações foi o Professor Manoel Antonio Albuquerque. Com seu falecimento,
sua esposa, também psiquiatra Iracema Campos Albuquerque, colocou à minha
disposição os arquivos pessoais do professor. Já escrevi na Psiquiatria Online Brasil
inúmeros artigos sobre a Fundação da ABP e sobre os personagens que construíram
sua história. Desta vez vou trazer os bastidores e a disputa entre os seus
vários personagens. Tudo está baseado em documentos que estão em meu poder e
que espero entregar para guarda na própria ABP. Começamos pelo Rio de Janeiro onde ocorreu
uma disputa pelo poder entre um grupo liderado pelo professor J. Alves Garcia e
o outro liderado pelo Professor José Leme Lopes. Já existia o Protocolo para a
fundação de uma entidade nacional, mas a disputa pelo poder criou uma situação
tensa. O grupo do Professor Garcia tentava ser o dono da nova entidade e marcou
uma Jornada em abril de 1966 onde seria fundada a nova entidade. A propósito
deste fato o Professor José leme Lopes escreveu a seguinte carta para o
Professor Manoel Albuquerque com cópia para o Dr. Fernandes Bastos e o
Professor Clóvis Martins. Rio de Janeiro, 3 de abril de 1966 Manoel
O Simpósio teminou e lhe mandei esta manhã um
telegrama Western: “Impedida fundação APB. Segue carta. Abraços. Leme. Esta é a
promessa cumprida. Você de certo pensou que eu saíra do
ar e entrara em órbita. Quando sua carta chegou já estava a tentar comunicação
telefônica com Porto Alegre, sem resultado. Ensaiava de manhã e de noite, sem
conseguir completar a ligação. No dia que foi possível, para não perder a
oportunidade falei mesmo com sua mulher. Não sei se você conhece o poema de
Murilo Mendes sobre Itararé. Vou plagiá-lo: Simpósio! Simpósio! A fundação da associação Psiquiátrica
Brasileira ....não houve.... A batalha não foi fácil. Só pessoalmente
lhe contarei o que houve de tramas, de trabalho subterrâneo e de maquinação. O
Alves Garcia conseguiu, ou melhor, procurou arrastar o Manfredini, Peres e
outros próceres do Rio para a tal fundação. Contou até certo ponto de um grupo
de Minas, que veio liderado pelo Paprocki. O Manfredini mercê da posição oficial
e patrão de mais de 400 psiquiatras da área da Guanabara era realmente peça
decisiva e o Garcia pensava que eu não teria possibilidade de me entender com
ele ou qualquer outra influência para mudar o esquema arranjado. Não me creia paranóide ou desvio
excessivo de uma equação pessoal: tudo o que foi feito só visa um objetivo,
marginalizar-me na iniciativa, mas isto depois eu lhe direi tim tim o que se passou. Foi por isso que tive de
enfrentar a batalha, em local e em momento que me eram inteiramente adversos.
Avalie que tomei posse solene de Diretor da Faculdade de Medicina no dia 1, às
21 horas. Tive dias preliminares absolutamente repletos para ajudar o Carlos
Chagas na passagem da direção e em seguida de preparar um discurso, com
implicações em toda a futura política da Faculdade. Enquanto isso os homens da
Diretoria da APRJ manobravam. Encontrei bons amigos e o trabalho foi entravado
em tempo. Vamos agora ao que foi fixado. O
Simpósio decidiu criar uma Comissão para preparar a fundação da Associação
Psiquiátrica Brasileira. Essa Associação tem que ser Brasileira mesma sem
qualquer divisionismo. Deverá ser pois uma Federação
de Associações Psiquiátricas e não uma sociedade com filiais locais, federadas
à Brasileira. Foi o argumento que lancei no último
instante ao Manfredini para que aceitasse a mudança do primeiro item da sua
proposta que marcava a fundação naquela data (2 de abril) e lhe disse:”Você fica responsável pela cisão, talvez duradoura da
psiquiatria brasileira” –Veja que o que se funda agora não corresponde à
realidade, Você é o dono desta assembleia, pode dirigir a votação com sua
palavra, mas saiba que forças importantes da psiquiatria
brasileira não aceitarão esta decisão” – Ele apoiou a minha modificação de
criar uma comissão nacional para encaminhar o problema, preparar os estatutos e
marcar data de sua aprovação e eleição da primeira Diretoria, dentro de 90
(noventa) dias. Peço-lhe que nos ajude, pois a situação tumultuada criou uma
opinião na Guanabara, que só será acalmada com um trabalho comum. Você deverá
ser uma das pessoas a executar essa ação preliminar. É preciso se estabelecer
um COMITÉ NNACIONAL credenciado por todas as Associações locais eventualmente
existentes e seus presidentes serão delegados à reunião da fundação. Caso haja
dificuldade em vencer outras maquinações de Garcia et turma, tudo se resolverá
na assembleia de Fundação. O projeto de Estatutos deverá ser comunicado a todos
e poderá receber emendas. Instala-se a assembleia, nomeia-se de início, da
primeira hora, um relator oficial, que coordenará as emendas trazidas pelos
delegados credenciados devidamente, um ou dois dias depois a assembleia
fundadora discutirá e aprovará os estatutos que terão sido corrigidos, se
preciso, e expressarão os desejos da psiquiatria nacional. O problema de instalar uma assembleia
devidamente credenciada é fundamental. Podemos torpedear o Simpósio porque não
havia representantes credenciados de todas as áreas. Apenas o Garcia e Paprocki poderiam ex-ofíco
representar. Fizeram dias antes o Manfredini
presidente da velha Sociedade de Neurologia Psiquiatria e Medicina Legal. Com
isso haveria três, isso era insuficiente. Os paulistas vieram com Fernando
Bastos e Clóvis Martins. Foram excelentes. O Clóvis Martins pediu primeiro que
se votasse – e seria altamente perigoso porque perderia qualquer votação não
comandada pelo Manfredini – a preliminar de que se ou não o simpósio tinha requisitos
legais para a fundação. Depois disse claramente que em Madrid, caso fosse
fundada hoje ali uma APB, a APSP da qual ele era ali representante autorizado
protestaria e impugnaria. Fixemos, pois que é indispensável haver pessoas
credenciadas e que se estabeleça desde já que os eleitores não são individuais,
mas as sociedades com um voto cada. Nos Estados onde não há sociedades seria
preciso pregar uma fórmula representativa. No meu entender esses Estados, no
momento, não poderiam ser eleitores, figurariam representantes e cátedras ou
serviços oficiais como delegados fundadores, mas somente os
representantes das atuais sociedades deveria, discutir os Estatutos,
para não ampliar e delongar o trabalho. Para a votação da Diretoria se
discutirá posteriormente se serão aceitas procurações ou não. Fora a votação da
Diretoria se discutirá, posteriormente, se serão aceitas procurações ou não. Os
votos a todos os presentes favorece o local onde se fará a assembleia.
Com isso você já previu que estou a lhe propor o cancelamento da Jornada
de 21 de abril. Seria uma réplica melhoradíssima do
simpósio, mas não o que desejamos e podemos obter uma Reunião Máxima Fundadora
da APB. Os 90 dias do documento aqui votado vai até 3
de julho. É preciso trocar ideias e escolher a melhor época e o melhor lugar. Aqui na APRJ temos uma pessoa de
confiança na Diretoria, o Madalena, que se comportou da maneira mais correta e
se recusou a ler uns estatutos anônimos, verdadeiro golpe fascista do Garcia.
Ele poderá ajudar na coordenação e aguardo sua aprovação desse esquema muito
geral, para continuar o trabalho. Se decidirem que será aqui no RIO contem comigo e ofereço o salão nobre da Faculdade para a
Sessão de Instalação da APB. Também se poderia considerar a possibilidade de
fazer em São Paulo. O Garcia reagiria, mas teria um certo
efeito de protesto, contra o que chamei para estigmatizar o golpe do simpósio. Eu lhe mandarei uma cópia do
documento, com as explicações necessárias. Você terá de compreender que foi
preciso negociar e não firmar uma cisão. A psiquiatria brasileira vale esses
sacrifícios, até o de engolir alguns sapos. Vou mandar esta carta aos psiquiatras
de São Paulo, que aqui estiveram, Voc|ê
se entenda com Fraletti e Mariz. A harmonia do Departamento de Psiquiatria da Paulista
e do Centro de Estudos Franco da Rocha com a clínica Psiquiátrica é necessária.
Sem um alto nível não poderemos sair do atoleiro onde tive de sujar os pés. Em
certo momento quase meti o pé no prato e de moderador passava a agitador, mas
manobrei e consegui formalmente impedir a fundação. Agora vamos nos preparar
para não uma batalha, Omo terminada, mas uma coordenação em alto gabarito da
nossa psiquiatria. Um grande abraço. Assinado Leme
Lopes. C.C. Drs. Fernando Bastos e Clóvis
Martins. Recebida
esta carta, o Professor Manoel Albuquerque que funcionou como um diplomata fez
contato com a maioria dos personagens envolvidos. Teve que apagar alguns focos
de incêndio. Por exemplo. Em São Paulo o clima entre o C.E.Franco da Rocha, Departamento de Psiquiatria da
EPM e o grupo do Professor Pacheco e Silva tinham suas diferenças. A liderança
do último não era bem aceita pelos primeiros. Em carta do Professor Darcy de
Mendonça Uchôa e de José Lucena, deixa-se de falar em
APB e começa a surgir o nome ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria). Cai por terra a ideia de que a fundação da
Associação Brasileira de Psiquiatria tivesse sido feita à sombra da ditadura
militar. Repito o que tenho dito em outros momentos, a psiquiatria brasileira
saiu dos asilos e foi para a Universidade. Os principais articuladores eram
professores de psiquiatria e todos os catedráticos deram seu apoio. Outros
artigos meus publicados sobre este tema: A fundação
da Associação Brasileira de Psiquiatria: a Ata da Fundação http://www.polbr.med.br/ano02/wal1002.php NOTAS SOBRE A FUNDAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA http://www.polbr.med.br/ano15/wal1015.php Professor José Leme Lopes (http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462001000100009) – Centenário
de Leme lopes: http://www.abpbrasil.org.br/historia/galeria/Leme_Lopes.pdf Professor Manoel Antônio Pitta Pinheiro Albuquerque (http://www.polbr.med.br/ano09/wal1009.htm) Professor Clóvis Martins (http://www.polbr.med.br/ano15/wal0815.php). Professor José Lucena (http://www.polbr.med.br/ano09/fran0309.php) Os cem anos do nascimento do Professor José Lucena por
Eliezer de Hollanda Cordeiro). Professor Antonio Carlos Pacheco e Silva (http://www.polbr.med.br/ano04/wal0704.php). Professor Ulysses Vianna Filho (http://www.polbr.med.br/ano08/wal0808.php). http://www.polbr.med.br/ano10/wal0310.htm Notas para a História da ABP Manoel
Antonio Albuquerque http://www.polbr.med.br/ano09/wal1009.htm
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