Nos últimos anos a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) começou a interessar-se por sua história e a dos seus personagens mais ilustres. Este processo culminou com a criação do Museu da Psiquiatria Brasileira (http://www.museudapsiquiatria.org.br/).

Há alguns anos estamos empenhados nesse projeto de resgate da história de nossa entidade e, no passado, nossa fonte de informação era o saudoso funcionário Vanor Ferreira. Conseguimos a Ata de Fundação (http://www.abpbrasil.org.br/medicos/historia/assembleia/) e os primeiros Estatutos graças ao seu zelo pessoal em conservar tais documentos.  

No dia 17 de janeiro de 2010 faleceu Manoel Antonio Albuquerque (http://www.museudapsiquiatria.org.br/grandes_nomes/exibir/?id=7) grande nome da história da psiquiatria brasileira, grande articulador das forças que redundaram na criação da ABP e, sobretudo, pessoa meticulosa e articulada. Graças a sua esposa Iracema Albuquerque e sua filha Diane Albuquerque, temos tido a oportunidade de acessar documentos que ele guardava com tanto carinho. Entre tantos, que iremos mostrar na medida do possível, encontramos a Ata da Primeira Assembléia Extraordinária dos Delegados da ABP. Sua reprodução é fiel.

Complemento dos Estatutos

ABP – Associação Brasileira de Psiquiatria

Primeira Assembléia Extraordinária dos Delegados da A.B.P.

Primeira Reunião

      Às 15:30 horas do dia 21 de março de 1967, tiveram início, no anfiteatro do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, os trabalhos da 1ª assembléia Extraordinária dos Delegados da ABP. Inicialmente o Professor Dr. Fernando de Oliveira Bastos, regente da Cadeira de Clínica Psiquiátrica da Faculdade de Medicina de São Paulo, como anfitrião, agradeceu a presença dos Delegados e a escolha do local, pedindo a seguir ao Professor Dr. José Leme Lopes, Presidente da Associação, que ocupasse a Presidência da Mesa. O Professor, J. Leme Lopes – declarou aberta a primeira Assembléia Extraordinária dos Delegados da A.B.P., dizendo que a Associação começaria nossa sessão a sua fase ativa. Deu em seguida a palavra ao Dr. Ulysses Vianna Filho, Secretário Geral, que passou a ler os itens da pauta (Ver os itens que constam da Circular). Declarou ser o primeiro item em pauta a aprovação definitiva dos Estatutos, sem o que a Associação não conseguiria o seu registro oficial. Para esclarecimento dos Delegados, procedeu a leitura da Ata da Sessão de Fundação, na qual se consignara que vários dos artigos dos Estatutos ainda não haviam sido aprovados. O Prof. Clóvis Martins sugeriu a conveniência de se considerar apenas a essência de tais artigos. O prof. Leme Lopes discordou dizendo que, em matéria de Estatutos, era necessário examinar detidamente artigo por artigo. Antes de ser iniciado o exame em questão, o Secretário Geral leu as credenciais de vários Delegados presentes e algumas cartas e telegramas de Sociedades que, por motivo de força maior, não puderam se fazer representar. Além dos já citados, achavam-se presentes os Profs. J. Alves Garcia (Rio), Darcy de Mendonça Uchoa (SP), Álvaro Rubim de Pinho (BA), Ernani Simas Alves (PA) e muitos outros, perfazendo cerca de 30 Delegados. A seguir o Presidente pediu que fossem lidos um por um os artigos ainda não aprovados nos Estatutos. Lido o artigo 4º. E submetido à aprovação, foi decidida sua conservação, com os necessários aprimoramentos de redação, inclusive a substituição da expressão “associações filiadas” por “associações federadas” sugerida pelo Dr. Oswald Moraes de Andrade (GB). Lido o art. 7º. E submetido à aprovação, foi decidida a sua pura e simples supressão. O prof. Clóvis Martins sugeriu também, a supressão dos artigos 8º. e 9º., por lhe parecer que o assunto cabia melhor no ?Regimento. Posto o caso em votação, o plenário parecia optar pelo caput do artigo 8º. Com a conservação de parágrafo único. O Dr. Ernani Simas Alves (PR) declarou, porém, que o parágrafo em questão era muito confuso, com o que concordou a Presidência. Foi finalmente, decidida a supressão do artigo 8º.. Quanto ao artigo 9º. Foi julgada necessária sua conservação. Lido o artigo 10º. Foi decidida a eliminação do item (a). Lido o artigo 11º. teceram-se reverentes comentários em torno da histórica Sociedade Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal, da qual a A.B.P. se ufanaria de ser a continuadora, mas esse propósito foi abandonado esclarecendo-se que a referida Sociedade, embora figurando como Primeira Federada da A.B.P., deseja subsistir com vida própria. Por proposta do Prof. Rubim de Pinho, a letra (a) desse artigo ficará assim redigida: Os sócios da antiga Sociedade Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal e das demais associações federadas. Na letra (b) do mesmo artigo, a expressão “Comissão de Admissão” foi substituída por “Comissão de Credenciamento”. Com as referidas modificações, foi o artigo aprovado. Os artigos 12, 13, 14, foram aprovados sem modificação. O Secretário Geral pediu a palavra a fim de informar que o artigo 21, embora aprovado, é presentemente inexeqüíveis dadas às dificuldades encontradas para conseguir publicação na Imprensa Oficial. O Plenário acolheu as ponderações da Secretaria, ficando o art. 21º. Assim aprovado: “A convocação da Assembléia Ordinária dos Delegados é feita com a antecedência de trinta(30) dias, por carta registrada e telegrama aos presidentes das entidades federadas”. O artigo 37º. Foi aprovado com as seguintes alterações no item (g0 “admitir os sócios efetivos, de acordo com o parecer da Comissão de Credenciamento”, O art. 37º. Foi aprovado, com as seguintes alterações: o Conselho Deliberativo passou a 18 membros; a Comissão Cultural e de ensino foi denominada “Comissão de Educação” e foi criada uma nova comissão – A Comissão Científica. As considerações passaram, portanto, a ser em número de seis. O art. 38º. Foi aprovado, com a eliminação do item (a).

Referindo-se ao art. 42º. o Prof. Clóvis Martins, cuja indicação para a direção da Revista foi ratificada pela Assembléia, sugeriu que se escolhesse o nome da futura revista da A.B.P. Posto o assunto em discussão, foi aprovado o título de “Revista Brasileira de Psiquiatria”. Passou-se então a discutir o cargo de Diretor da revista, ficando aprovada a seguinte resolução: (e) o Diretor da Revista Brasileira de Psiquiatria é escolhido pela Diretoria; (b) o mandato do Diretor da Revista Brasileira de Psiquiatria é de oito anos. O art. 45º. Foi aprovado com o acréscimo da palavra “presentes” depois do vocábulo “Delegados”. No art. 47º. a expressão “Conselho Consultivo” foi substituída  por “Conselho Executivo”. Terminado o exame dos estatutos, o Prof. Leme Lopes recomendou que a Secretaria Geral providenciasse as necessárias emendas e o “asseamento” da redação dos Estatutos, enviando em seguida cópias mimeografadas aos presidentes de todas as entidades federadas, a fim de que os mesmo se manifestassem a respeito dentro de um prazo determinado. Eram 18:30 horas, aproximadamente e o Prof. Leme Lopes declarou suspensos os trabalhos, convidando os presentes para se reunirem no mesmo local, à mesma hora, no dia seguinte, a fim de serem, examinados os demais item em pauta.

 

2ª. Reunião

 

Às 15h30min horas do dia 22 de março de 1967, teve início, no anfiteatro do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de são Paulo, a segunda reunião da 1ª. Assembléia Extraordinária dos Delegados da Associação Brasileira de Psiquiatria. Na Presidência o Prof. José Leme Lopes propôs a seguinte ordem do dia: (1) Nomeação da Comissão de Redação dos Estatutos; (2) Preenchimento dos cargos previstos nos Estatutos aprovados no dia anterior; (3) Discussão de medidas financeiras para a manutenção da ABP; (4) Regimento; (5) Programa de atividades para 1967.

A Comissão de Redação dos Estatutos ficou assim constituída: Prof. J. Alves Garcia, Prof. Raul Bittencourt, Dr. José Caruso Madalena e Dr. Ulysses Vianna Filho.

O Prof. José Leme Lopes sugeriu que se mandasse mimeografar os Estatutos, enviando-se aos Delegados, que deveriam pronunciar-se dentro de 30 dias, esgotados os quais, o não pronunciamento seria considerado resposta positiva. Propôs a seguir o preenchimento dos demais cargos pelo critério regional e de comparecimento.

O Conselho Deliberativo ficou assim constituído:

 

a) Comissão de Educação: Geraldo Brasil (Goiás)            4 anos.

                                           Norival Sampaio (Bahia)        4 anos.

                                           Fernando Bastos (São Paulo).  8 anos.

 

b) Comissão de Saúde Mental: Eugenio Mariz de Oliveira Neto (SP) 4 anos.

                                                 Galdino Loreto (PE).                            4 anos.

                                                 Jorge Paprocki (MG)                           8 anos.

 

c) Comissão de Defesa Profissional: Paulo Fraletti (SP)                     8 anos

                                                           Roberto Pinto Ribeiro (RS)       4 anos

                                                           Simas Alves (PR)                      4 anos.

 

d) Comissão de Finanças: Jurandir Picanço   (CE)       8 anos.

                                          Antonio Santaella (SC)       4 anos.

                                          Garcia Moreno     (AL)       4 anos.

 

e) Comissão de Credenciamento: Décio Pinto de Mora (SP)            8 anos.

                                                      Jarbas Moacir Portela (MG)         4 anos.

                                                      Raul Jobim Bittencourt (GB)       4 anos.

 

f) Comissão Científica: Clóvis Martins (SP)                                     4 anos.

                                      Paulo Vianna Guedes (RS)                          4 anos

                                      José Alves Garcia (GB)                               8 anos.

 

Foram também escolhidos para:

1º. Tesoureiro: Jarbas de Mota Abreu.

1º. Secretário; Gladstone d´Alva Parente (GB)  8 anos

2º. Secretário: Luiz Cerqueira (GB)                   8 anos.

 

Os três últimos cargos ficaram todos na Guanabara, por se tratarem de cargos vinculados entre si, com que todos concordaram.

A seguir foram discutidas medidas financeiras para manutenção da ABP. Ficou decidido que a Diretoria, examinando suas necessidades e compromissos com as principais organizações internacionais, estabeleceria o montante das anuidades a serem

Pagas pelas entidades federadas e pelos sócios individuais. Uma vez feito esse estudo, o resultado seria comunicado aos interessados em carta circular, aguardando pronunciamento dos mesmos, dentro do prazo determinado, antes de entrar em vigor. Ficou assentado que haveria uma anuidade com direito a Revista e outra sem direito a Revista. A diferença seria destinada a auxiliar o financiamento daquela publicação. Isso ficou decidido depois que o Prof. Clóvis Martins explicou serem diminutas as possibilidades de se conseguir para a Revista da ABP, auxilio financeiro dos laboratórios, que preferiam patrocinar as publicações de grande tiragem ao invés de auxiliar revistas especializadas. Propôs mesmo o Prof. Clóvis Martins que os primeiros números da revista da ABP sejam apenas mimeografados, a fim de não se protelar a sua impressão por falta de financiamento. Ficou, todavia, estabelecido que, em 1967, o teto para as anuidades dos sócios da ABP não ultrapassaria a 50 cruzeiros novos. A seguir, passou-se a considerar o Regimento, 4º. Item em pauta. O Prof. Leme Lopes propôs que uma comissão se incumbisse da revisão do Regimento, com o que todos concordaram. Esta ficou constituída pelo Dr. Ulysses Vianna Filho (RJ), Dr. Jorge Paprocki (MG) e Prof. Clóvis Martins (SP). Foi abordada a seguir a questão da regulamentação da profissão de psiquiatra e dos requisitos mínimos para a concessão do título de especialista. Ficou assentado que tais requisitos seriam objeto de estudo na próxima reunião da ABP. Ventilou-se, também a questão do exercício da psicoterapia de grupo e psicoterapia individual, que, no parecer do plenário, deveria permanecer dentro de exclusiva alçada médica. Um dos presentes referiu-se aos psiquiatras improvisados que estão surgindo nas cidades do interior do país e todos concordaram em haver necessidade de se tomar posição em defesa da dignidade e seriedade profissional. Recomendou-se a Comissão de Defesa profissional que examine com prioridade esse assunto, a ser tratado em próxima reunião. Quanto às próximas reuniões programadas para o ano de 1967, o Professor Leme Lopes informou que a S.N.P.H.M. do Nordeste realizará esse ano o seu Congresso em Porto Alegre. O Presidente, Dr. Paulo Luiz Vianna Guedes, deu autorização para que um dos temas seja confiado à Associação Brasileira de Psiquiatria. Por essa razão, propôs à Comissão Científica que escolhesse o tema e indicasse o relator oficial. No mesmo sentido, o Prof. Clóvis Martins, na qualidade de membro do Conselho Executivo da APAL, informou estar incumbido de indicar um tema e relator brasileiro para o V Congresso Latino-americano de Psiquiatria, a realizar-se em Bogotá, Colômbia, em outubro/novembro de 1968, incumbência que naquele momento aproveitaria para transferir a direção da ABP. - O Senhor Presidente designou a Comissão científica para desincumbir-se da tarefa. Ficou marcada uma nova Assembléia Extraordinária de Delegados da ABP, a realizar-se em Porto Alegre, em fins de outubro ou começo de novembro próximo. O Professor José Leme Lopes propôs, também, a realização de um simpósio no Rio de Janeiro, em fins de julho próximo. O Presidente da ABP terminou agradecendo a presença de tantas personalidades de projeção no cenário psiquiátrico nacional e, também, de modo particular, a acolhida recebida em são Paulo e o almoço que lhes foi oferecido o que ficará como recordação como símbolo da cortesia dos paulistas. O professor Fernando de Oliveira Bastos encerrou os trabalhos agradecendo as palavras do Professor leme Lopes, bem como a escolha da sede da Clínica Psiquiátrica da FMUSP para a realização da 1ª Assembléia Extraordinária dos Delegados da Associação Brasileira de Psiquiatria.

(A presente Ata foi lavrada sobre notas taquigráficas colhidas por Edith M. Natividade e revistas pelo Prof. Clóvis Martins).

Registros para a História.

Nessa primeira Ata dá para perceber alguns aspectos da vida inicial da ABP. Em primeiro lugar, foi uma Associação que começou sem recursos e dependendo do suporte de alguns psiquiatras. No Rio de Janeiro a ABP dependia da generosidade de Ulysses Vianna Filho (que era um dos donos do Sanatório Botafogo e lá emprestou uma sala para a ABP), de Oswald Moraes de Andrade que pagava do próprio bolso as despesas de correspondência e forneceu seu funcionário Vanor Ferreira para auxiliar na administração. Isso explica, também, porque a sede da ABP está no Rio de Janeiro. (A ABP chegou a ter uma sala em Brasília, mas nunca se transferiu para lá, ficou valendo a tradição, a regra não escrita).

Em São Paulo, Clóvis Martins arcou com as despesas para editar a Revista Brasileira de Psiquiatria e como não foi pago irritou-se e registrou a mesma em seu nome. Felizmente, os anos passaram, os ânimos se acalmaram e o nome da revista voltou para a ABP.

Desde o início criaram-se algumas regras não escritas que, tal como a Constituição Inglesa tem perdurado através dos anos. A primeira delas é do voto indireto, via Federadas. O objetivo dessa regra, como eu disse, não escrita, era de preservar a representatividade dos Estados com menor número de psiquiatras na eleição para presidente. A segunda regra foi a da alternância da presidência entre os Estados do Sul e Sudeste com os Estados do Centro Oeste, Norte e Nordeste. Isso tem razões históricas ligadas à integração da Sociedade de Neurologia, Psiquiatria e Higiene Mental do Nordeste nas articulações para fundar a ABP.

Outra regra não escrita e que vigora desde a fundação é que a Revista Brasileira de Psiquiatria teria sede em São Paulo.

A Ata está à disposição de todos e comentários serão bem vindos.