Julho de 2023 – Vol. 28 – Nº 7
SÉRGIO TELLES
1) Artigo muito oportuno da psicanalista mineira Maíra Moreira, que repele as críticas
correntes contra a psicanálise, vista como um produto “colonialista euro cêntrico”,
supostamente em defesa de uma psicanálise “brasileira”. Como se fosse defendido
um nacionalismo estreito que ignora a dimensão universalista da psicanalise, diz Maíra
Moreira. Haveria psicanálises “portuguesa”, “holandesa”, “polonesa”, “inglesa” ou
autores importantes que surgiram em diferentes localidades, cuja contribuição logo é
assimilada ao valioso acervo teórico já conquistado?
https://diplomatique.org.br/deitar-na-chaise-ou-na-esteira/
2) Nos Estados Unidos, após período de grande ascensão, a psicanálise passou, nas
décadas recentes, por um certo ostracismo devido à crítica cientificista, à retomada
das terapias cognitivo-comportamentais e a medicalização excessiva induzida pela
indústria farmacêutica. Mas, no momento, a esquerda americana resgata a psicanálise
e lhe devolve o antigo prestígio. A revista “Parapraxis” e o podcast “Ordinary
Unhappiness” são índices dessa mudança. Esse resgate tem um preço, pois é cobrado
um envolvimento político por muito tempo evitado pela psicanálise. As atuais
discussões se centram não apenas na dimensão terapêutica individual mas no uso da
psicanalise para a compreensão da sociedade, como Freud abordou em “O mal-estar
na civilização”. Estão em pauta temas como identidade de gênero e de raça, questões
de classe social, colonialismo e suas variações. Curiosamente, também a direita se
apropria da psicanálise, especialmente através da obra de Phillip Rief, que desconstrói
a imagem de Freud mantida pelos puritanos da America do Norte, que o viam como
um libertino que ameaça a moral e os bons costumes. Rief, igualmente baseando-se
em “O mal estar da cultura”, mostra que a posição de Freud é exatamente o contrário
daquilo, na medida em que preconiza a repressão e sublimação das pulsões sexuais e
agressivas para que a sociedade possa sobreviver. Rief redireciona a crítica para a
ideologia da psicoterapia, que, com sua ênfase no bem-estar, atacaria os princípios da
ordem e da moralidade que devem viger na sociedade.
https://www.newstatesman.com/the-weekend-report/2023/05/freud-save-america
3) Resenha do livro “The Sullivanians – Sex, Psychotherapy, and the Wild Life of an
American Commune”, de Alexander Stille, que relata a história do “Sullivan Institute”,
baseado supostamente nos ensinos de Harry Stack Sullivan. Entidade privada fundada
em 1957 por Jane Pearce (psicanalista formada por Sullivan) e Saul Newton, o Sullivan
Institute se estabeleceu numa boa região de Nova York, logo se transformou numa
comuna e, em seguida, num culto que chegou a ter mais de 500 praticantes.
Concebiam a família através de pressupostos marxistas e uma equivocada
compreensão de Freud, os seguidores eram doutrinados na convicção da natureza
tóxica da família e aconselhados à ruptura completa das relações com os familiares.
Eram impedidos de estabelecer vínculos afetivos privados e constituírem suas próprias
famílias, eram obrigados a ter uma vida sexual promíscua com os membros do grupo e
a paternidade das crianças que ali nasciam era desconhecida. O livro relata tocantes
histórias das pessoas que foram exploradas e abusadas pelos dirigentes do culto, que
só se esgotou com a morte de Newton no final dos anos 1980.
https://www.washingtonpost.com/books/2023/06/23/sullivanians-sex-
psychotherapy-new-york-city-alexander-stille-review/
4) Uma extensa reportagem do jornal londrino “The Guardian” que mostra a
radicalização política que acontece atualmente no movimento psicanalítico norte-
americano. O estopim da briga se deu com as posições da psicanalista Lara Sheehi,
professora na George Washington University e atuante em várias instituições
psicanalíticas. Sheehi é libanesa, de esquerda, e foi acusada por alunos judeus de fazer
campanha antissemita pró-palestina em suas aulas. Sheehi refutou, alegando que o
antissionismo (ser contra a política invasora e autoritária de direita de Israel) não é a
mesma coisa que antissemitismo. As acusações mútuas recrudesceram, com
acusações de antissemitismo e pró-terrorismo por parte dos judeus e do outro lado,
queixas de que as associações psicanalíticas norte-americanas são sionistas e anti-
arábe, preconceituosas contra o Islã. As disputas se estenderam até a APsA (American
Psychoanalytic Association), cujo presidente Kerry Sulkowicz teve de renunciar em
abril último. As cisões permanecem e se ampliam, correm rumores que haver uma
possível cisão entre essas instituições, desde que as posições são irreconciliáveis. Nas
discussões, muitos advocam ser impossível o analista manter-se como um interlocutor
neutro em meio a um mundo em chamas, o que levanta problemas técnicos sobre a
abstinência do analista frente aos pacientes. Um outro importante problema é a
questão ideológica propriamente e sua relação com o inconsciente. As ideologias
devem ser seguidas ou analisadas? O momento atual da situação brasileira oferece
situações semelhantes, que se exacerbaram, por exemplo, durante as eleições entre
Bolsonaro e Lula, instalando-se uma situação complicada para os analistas.
https://www.theguardian.com/education/2023/jun/16/george-washington-university-
professor-antisemitism-palestine-dc
5) Detalhada descrições das melhorias realizadas no Museu Freud de Vienna, entre elas
uma dedicada à memória dos vizinhos de Freud levados para e abatidos nos campos
de concentração nazistas.
https://www.timesofisrael.com/in-vienna-updated-freud-museum-slips-in-an-
exhibition-space-and-holocaust-memorial/
6) Artigo comenta o amor de Freud por sua coleção de antiguidades amealhada no correr
de sua vida.
https://www.newyorker.com/culture/culture-desk/freud-the-antique-collector
7) Peter Pomerantsev discorre sobre as manobras de Putin na guerra da Ucrania,
especialmente a destruição de importante barragem, que provocou inundação de
grande área, desabrigados que tudo perderam, prejuízos ao agronegócio e riscos
ecológicos da maior gravidade. Nada pode justificar tais desmandos a não ser a pulsão
de morte, descrita por Freud, diz ele.
https://www.theguardian.com/commentisfree/2023/jun/11/ecocide-russia-ukraine-
war-kakhovka-dam-destroyed
8) Uma lista com 10 filmes cujo enredo trabalha de forma muito explicita com
pressupostos e conceitos psicanalíticos.
https://movieweb.com/freudian-films-obvious/#the-science-of-sleep