Abril de 2023 – Vol. 28 – Nº 3

Walmor J. Piccinini


Em 10.12.2015 O Ministro da Saúde Marcelo Castro nomeia o novo
coordenador de saúde mental, álcool e outras drogas do MS Valencius
Wurch Duarte Filho no lugar de Roberto Tykanori Kinoshita. O
primeiro era acusado de liderar a velha psiquiatria contra a Reforma
Psiquiátrica Brasileira. Valencius permaneceu nomeado para o cargo
durante 36 dias e jamais conseguiu exercê-lo, pois se viu no meio de
uma guerra. Seu gabinete sofreu ocupação pelos “reformistas” e ele
era acuado em qualquer sala do Ministério da Saúde que ocupasse.
Um registro das condições que teve que enfrentar pode ser visto em
artigo publicado no Anuário Antropológico de Brasília, UnB,
2018.v.43,n.2:261;284 pela pesquisadora Lilian Leite Chaves da
UFRN. Dos eventos documentados aos documentos manejados: A
política de saúde mental brasileira em disputa.


No artigo são arroladas as forças em disputa. Vamos chegar lá.
O Ministério da Saúde, desde o Governo Fernando Henrique Cardoso,
na gestão do Ministro José Serra, se tornou um feudo do Partido
Comunista do Brasil via Fio Cruz. Marcelo Castro como ministro, foi
uma ruptura temporária deste domínio. A Coordenação de Saúde
Mental era local que psiquiatra não tinha vez. Os que por lá passaram
adotavam uma evidente atitude antipsiquiatria e antipsiquiátricas.
Para efeito didático, vamos listar algumas das entidades envolvidas
na questão a partir de seus posicionamentos no episódio
“Coordenação”.


Entidades que se posicionaram contra a mudança na
Coordenadoria de Saúde Mental:

  1. ABRASCO/Associação Brasileira de Saúde Coletiva.
  2. ABRASME/Associação Brasileira de Saúde Mental,
  3. CFP/Conselho Federal de Psicologia
  4. CEBES/Centro Brasileiro de Estudos e Saúde
  5. IMS-UERJ/Instituto de Medicina Social da Universidade
    Estadual do Rio de Janeiro
  6. MNLA/Movimento Nacional da Luta Antimanicomial
  7. RENILA/Rede Nacional Internúcleos da Luta
    Antimanicomial 
    Estas entidades publicaram uma Nota Pública contra a
    nomeação:

“Nota Pública contra a nomeação de Valencius Wurch foi estruturada
em seis tópicos nos quais se esclareciam os motivos que levavam à
rejeição ao profissional. Os motivos podem ser sintetizados em:


1) a ocupação do cargo de Diretor técnico da Casa de Saúde Doutor
Eiras em Paracambi e a sua posição contrária ao Projeto de Lei 3.657, de
1989, base para a lei 10.216 de 2001 que dá as diretrizes para a
Política Nacional de Saúde Mental;


2) a contextualização da Casa Doutor Eiras como o maior hospital
psiquiátrico privado da América Latina no qual foram constatadas
violências típicas dos grandes manicômios, como a aplicação da
Eletroconvulsoterapia, a falta de alimentos e a internação
prolongada;


3) a crítica ao perfil do profissional, considerando a sua atuação em
hospital psiquiátrico e ressaltando que, de acordo com a lei 10.216 de
2001 e a portaria 3.088 de 2011, o hospital psiquiátrico não encontra mais
lugar na rede de atenção psicossocial;


4) a contestação da autoridade científica de Valencius em razão da
sua baixa produção de artigos nos campos da psiquiatria e da saúde
mental;


5) A ameaça à continuidade da Política Nacional de Saúde Mental,
ancorada na garantia dos direitos humanos e no cuidado territorial e
comunitário; e


6) o pedido à Casa Civil para sobrestar a nomeação, preservando a
continuidade da política de saúde mental sustentada no diálogo do
governo com trabalhadores, usuários, familiares, gestores e acadêmicos
(ABRASCO et al., 2015).Os jornais da grande imprensa ressaltaram a
perplexidade contida na Nota relativa à nomeação de um profissional
com a trajetória de diretor de hospital psiquiátrico para conduzir
a Política Nacional de Saúde Mental. Cambricoli (2015), para o jornal
O Estado de São Paulo, o Estadão, e Chaib (2015), para o
Correio Braziliense, pontuaram que a história de Valencius não era
condizente com a Reforma Psiquiátrica calcada na eliminação dos
manicômios e na reinserção social do paciente. Filho (2015a),
em sua matéria para O Globo, traçou um quadro da situação
desumana encontrada na Casa Doutor Eiras – “pacientes
esquálidos, medicações inadequadas e internações indevidas”  –,
situando melhor a rejeição a Valencius e ilustrando a preocupação
com o progresso da política de saúde mental. Formenti (2015),
para o jornal Estadão, ressaltou que os críticos “temem pela volta de
uma assistência centrada nas internações”.


O grupo que se opõe a estas colocações estava assim constituído:

  1. A Associação Brasileira de Psiquiatria/ABP 
  2. Conselho Federal de Medicina/CFM,
  3. Federação Nacional dos Médicos/FENAM,
  4. Associação dos Amigos, Familiares e Doentes Mentais
    Do Brasil/AFDM 
  5. Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores
     Transtornos Afetivos/ABRATA.

A Ocupação Fora Valencius surgiu no dia 15 de Dezembro quando
integrantes de movimentos da luta antimanicomial, trabalhadores,
familiares e usuários da RAPS ocuparam a sala da Coordenação
Geral de Saúde Mental, Álcool e outras drogas na cidade de
Brasília. Filho (2015b) contextualizou que “com cartazes e
palavras de ordem, eles protestaram contra a nomeação
do psiquiatra Valencius Wurch”. A reivindicação principal da ocupação
era o pedido de exoneração de Valencius por considerá-lo um
defensor dos manicômios. Os ocupantes fizeram da sala um
acampamento no qual realizaram rodas de conversa, aulas,
atividades culturais, intervenções e proposições de melhores
diretrizes para atenção em saúde mental, estas denominadas de
“portarias”. As ações foram documentadas com fotos, vídeos e
boletins diários da ocupação e tais materiais foram compartilhados na
página “Ocupação Valente” no Facebook,  criada para a ocupação.
Nessa página, foram divulgados, ainda, textos, depoimentos de
personalidades, cartas de apoio de entidades, moções de repudio a
Valencius, vídeos de audiências, filmes, notícias, memes e charges.
Desse modo, as atividades ocorriam in loco na sala ocupada e
também nas redes, numa estratégia de estendê-la a todos que
acompanhavam, curtiam e compartilhavam as postagens e também
se solidarizavam fazendo doações no local ou na conta bancária
disponibilizada. Os ocupantes, denominados de “valentes”,
permaneceram na sala da coordenação até o dia 15 de Abril quando
foram retirados pela Polícia Federal. No período de Dezembro a
Abril, a ocupação recebeu caravanas de vários lugares do Brasil
e conclamou manifestações pelo país. 


Diante da avalanche de ataques ao novo Coordenador de Saúde
Mental começaram a surgir notas de apoio a medida do
Governo Temer de alterar os rumos da assistência ao doente
mental no país.


A Associação Brasileira de Psiquiatria/ABP publicou a “Nota
de Esclarecimento” juntamente com o Conselho Federal de
Medicina/CFM, a Federação Nacional dos Médicos/FENAM, a
Associação dos Amigos, Familiares e Doentes Mentais do
Brasil /AFDM e a Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores
de Transtornos Afetivos/ABRATA. A ABP se colocou como
representante de toda a categoria psiquiátrica brasileira e negou
“qualquer envolvimento com o manifesto e as manifestações contra
a nomeação do novo Coordenador Geral de Saúde Mental,
Dr. Valencius Wurch” (ABP et al: 2015). Brunet (2015b) informou aos seus
leitores do Globo, a partir da manchete “A Associação Brasileira de
Psiquiatria apóia ex-diretor de manicômio como coordenador de
Saúde Mental”, que a ABP teceu críticas ao atual sistema e se colocou
disposta a unir forças com o novo gestor. Ca nota da ABP e
demais entidades critica o movimento da luta
antimanicomial e as coordenações anteriores alinhadas ao

movimento, defende um modelo misto de atenção à saúde
mental, coaduna com a visão de uma política de saúde mental
ancorada em bases científicas e apóia o novo coordenador. 


As ações do Movimento da Luta Antimanicomial, denominado na nota
de LAMA, foram consideradas intempestivas e inadequadas por
questionarem um ato soberano do ministro e por impedirem
profissionais de trabalharem e pacientes de serem atendidos. Para os
proponentes da nota, há quase 30 anos que a Coordenação de
Saúde Mental adota uma política de viés ideológico que não
privilegia a reinserção social e o tratamento médico adequado, uma
vez que desativou leitos dos hospitais psiquiátricos e o sistema
ambulatorial sem expandir a rede de serviços extra-hospitalares.
As entidades enxergam como componentes do cenário atual: a atenção não
qualificada, o aumento de suicídios, mortes e violências. Em contraposição a
este cenário, defendem um modelo misto de atenção à saúde mental não
centrado exclusivamente em hospitais psiquiátricos (hospitalocêntrico)
e nem nos Centro de Atenção Psicossocial/CAPS (Capscêntrico). O
modelo misto, visto como afinado com os princípios da lei 10.216, se
configura como “a implantação de um sistema assistencial hospitalar e
extra-hospitalar centrado na atenção básica e no atendimento
ambulatorial com equipe multi e interdisciplinar e fortes vínculos com
os recursos da comunidade, visando a real reinserção social e a
reabilitação funcional dos pacientes com transtornos mentais” (ABP et al.,
2015). A nota advoga por uma assistência eficiente, sustentada no rigor da
ciência, guiada pela promoção da saúde e a prevenção da doença, e
organizada em rede com atenção primária, secundária e terciária.
Este episódio da nossa história recente muito bem registrado pela
Professora Lilian Leite Chaves nos remete a questão, existe
possibilidade de acordo entre as opiniões tão divergentes? Achamos
que não, pois o grupo da “Reforma”, mesmo tendo psiquiatras ou ex-
psiquiatras em seu meio adota uma posição bem clara contra tudo
que se refira à psiquiatria. Refiro-me ao atendimento público pelo
Estado, pois o atendimento privado segue em expansão e cada vez
mais médicos buscam a especialidade. O Brasil tem outro grande
problema a ser enfrentado, existe a Lei 10.216 de 2001, mas toda
política de saúde mental obedece ao Projeto de Lei 3.657, de 1989
também conhecido como projeto de lei Paulo Delgado, A lei foi
aprovada em 1999 e promulgada em 2001, mas desde 1992
começando pelo Rio Grande do Sul, foram aprovadas leis estaduais
no espírito ou obedientes ao projeto de lei. Já se passaram 20 anos
desta articulação que ninguém parece ter coragem de modificar. 


Bibliografia
Anuário Antropológico de Brasília, UnB, 2018.v.43,n.2:261;284 pela
pesquisadora Lilian Leite Chaves da UFRN. Dos eventos
documentados aos documentos manejados: A política de saúde
mental brasileira em disputa

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