Julho de 2021 – Vol. 26 – Nº 07

Walmor J. Piccinini

Uma nova fronteira parece estar se abrindo na pesquisa de drogas em psiquiatria. O roteiro se repete. Drogas proibidas pela legislação passam a ser utilizadas no alívio das dores de doenças terminais. O caso da maconha é bem recente. De droga proibida e sob forte repressão policial passou a ser utilizada para alívio das náuseas pós-quimioterapia, depois como alívio para dores, um seu derivado o canabidiol passou a ser utilizado em determinadas epilepsias e o campo foi se ampliando, passou a ser utilizada em autismo e por fim de medicinal passou a recreativa e a legislação repressora foi sendo derrubada em vários estados americanos e em alguns países. Para desespero de muitos psiquiatras que apontam seu potencial de gerar psicoses seu uso parece determinado a se ampliar mundialmente. Lá pelos anos 90 do século passado, um grande teórico da direita americana, propunha que se liberassem as drogas. Na época líderes comunitários e de esquerda em geral, afirmavam que a droga era uma forma de dominação capitalista cujo objetivo era arrefecer o ímpeto revolucionário da juventude e do anticapitalismo. Passados 30 anos o discurso é o oposto, a droga passa a ser um símbolo de liberação das massas oprimidas.

Com as drogas psicodélicas, LSD, Ayahuasca, Êxtase, MMDA e outras o fenômeno parece estar se repetindo. Proibidas por causar estragos na juventude começaram a ser utilizadas para alívio de doença terminal, auxiliar na experiência de morte e aliviar o sofrimento de quem estivesse enfrentando este momento.  Pesquisadores alegam que o alívio da dor pela morfina, não produz alívio psicológico. A morfina tem efeito depressor e causa mal-estar. Com as diferentes drogas psicodélicas, o paciente terminal tem uma experiência transcendental que provoca grande alívio no sofrimento e no terror da morte.

Vamos relembrar alguns aspectos destas drogas:

São substâncias naturais ou sintéticas que agem seletivamente sobre as células nervosas. Atuam no sistema nervosa central. São os chamados psicotrópicos e podem ser classificados como:

  1. a) Psicolépticas – São substâncias que diminuem a atividade mental, reduzido o tônus psíquico, seja pela diminuição da vigília, estreitando a faixa do poder intelectual, seja deprimindo as tensões emocionais, em geral produzindo relaxamento. Fazem parte desse grupo os hipnóticos como os derivados barbitúricos (por exemplo: gardenal), os neurolépticos (por exemplo: clorpromazina) e os tranquilizantes como os derivados benzodiazepínicos (por exemplo: Rivotril ou clonazepam).
  2. b) Psicoanalépticos – São substâncias que possuem ação elevadora do tônus psíquico, ou seja, estimulam o sistema nervoso central e a vigilância, diminuem a fadiga momentânea, estimulam o humor como os derivados do iminoestilbeno (como o insidon), estimulantes da vigilância como os derivados anfetamínicos (como o pervintin e a meta anfetamina).
  3. c) Psicodislépticos – São substâncias desestruturantes da atividade mental, produzindo quadros semelhantes a psicoses, como delírios, alucinações etc. Fazem parte desse grupo os embriagantes como inalantes químicos (por exemplo: clorofórmio), os alucinógenos ou despersonalizantes (por exemplo: maconha), entre outros.

Como tudo começou?

Em 1947, a Sandoz ofereceu frascos de LSD gratuitamente, sob o nome comercial Delysid, a profissionais de saúde mental nos Estados Unidos com a condição de que eles relatassem suas descobertas. Estima-se que 40.000 pacientes que sofriam de ansiedade, depressão, estresse pós-traumático e dependência de álcool receberam a droga nos vinte anos seguintes.  O tratamento era muito procurado e bem pago. Alguns pacientes com neuroses melhoraram visivelmente quando o LSD foi combinado com psicoterapia, mas Sandoz não tinha a ideia de posologia e dose ideal. Ao mesmo tempo, psiquiatras e cientistas estavam investigando o uso do LSD como um simulador de loucura e referindo-se à molécula como um psicótico mimético em vez de um alucinógeno. Passou a ser vista como droga que permitia uma psicose química.

Aldous Huxley sabia que se o “elixir” continuasse associado à esquizofrenia, adquiriria um nome ruim. “As pessoas vão pensar que estão enlouquecendo”, disse ele, “quando na verdade elas estão começando a ficar sãos quando a tomam.” A necessidade de remarcar a droga era óbvia. Em uma carta a Huxley, Humphrey Osmond, o psiquiatra que havia dado pela primeira vez a Huxley mescalina em Los Angeles em 1953 e a tinha usado para tratar alcoólatras em Saskatchewan, veio com a ideia vencedora: drogas psicodélicas.

“Em meados da década de 1960, um pânico moral eclodiu nos EUA sobre o uso recreativo do LSD. Em 1966, a Life publicou um artigo condenatório intitulado “LSD: A Ameaça Explosiva da Droga Mental que saiu do controle”. Timothy Leary afirmava em 1967 que “as crianças que tomam LSD não vão lutar suas guerras” ou “juntar-se às suas corporações”, o que criou grande reação no americano patriota. O que facilitou a ideia de Richard Nixon de afirmar alguns anos depois como “o homem mais perigoso da América”. Aqueles que se reuniram em defesa da droga não eram pacientes com doença mental grave ou psiquiatras, mas celebridades de Hollywood como Cary Grant e liberais como o senador Robert Kennedy, cuja esposa Ethel foi tratada com LSD para neurose”.

O LSD foi banido, primeiro nos EUA e depois em muitos outros países, e em 1970 foi classificado pela Agência antidrogas como uma droga do Programa I — sem propriedades medicinais e com alto potencial de abuso. Mas mesmo antes do uso clínico de psicodélicos ter sido descarrilado pela contracultura dos anos 1960, muitos psiquiatras desistiram de usá-los por causa de seus efeitos inconsistentes. Relatos de pessoas pulando de telhados ou correndo para o mar e se afogando, embora raros, foram um impedimento adicional. Em 1975, a pesquisa sobre LSD e outras drogas que alteram a mente tinha diminuído a quase nada.

Ao contrário de drogas psicotrópicas como clorpromazina, lítio, tricíclicos, MAOIs e SSRIs, cuja função primária é alterar o humor ou função do cérebro, a principal ação dos psicodélicos é mudar a percepção real ou cognição, trazendo o cérebro para algum lugar além da consciência comum.

Em 2006, ele publicou seu estudo marcante da droga, diretamente intitulado “Psilocibina Pode Ocasionar Experiências Místicas com Significado Pessoal Substancial e Sustentado e Significado Espiritual”.

A ideia e o experimento não eram novos, é claro. O romancista Aldous Huxley tentou pela primeira vez psicodélicos no início da década de 1950 e famosamente continuou ingerindo-os até o fim. Em 1963, expirando de câncer laríngeo e incapaz de falar, ele fez um pedido por escrito de sua esposa para injetá-lo com LSD em seu leito de morte para que ele pudesse deixar este mundo em um redemoinho psicodélico de estrelas. O que Huxley queria, e o que o trabalho de Griffiths poderia perceber, é que a morte seja menos um processo fisiológico e mais espiritual.

“As mudanças observadas em pacientes com câncer após a terapia psicodélica foram extremamente variadas, complexas e multidimensionais”, sustentou Grof. Houve uma “atenuação ou mesmo eliminação do medo da morte e mudanças radicais na filosofia e estratégia de vida básica, na orientação espiritual e na hierarquia de valores”.

Houve exceções, e por um curto período pesquisadores como Grof ainda foram capazes de obter financiamento para estudos psicodélicos, mas foi com tanta dificuldade crescente que em meados da década de 1970 toda a pesquisa tinha parado, e o corpo fecundo de conhecimento obtido a partir do trabalho psicodélico feito por Grof, Pahnke, Leary, Kast e outros foram enterrados e eventualmente todos, mas perdidos para a memória.

Colhi na imprensa americana uma apreciação pelo atual estado da legislação sobre drogas e as perspectivas para quem combate o uso recreativo das drogas psicodélicas e a maconha, é a pior possível.

“Com as cédulas para a eleição presidencial dos Estados Unidos de 2020 ainda sendo contadas em vários estados, é possível que não saibamos esse resultado por um bom tempo. Mas um claro vencedor emergiu em outra luta: o movimento pela legalização das drogas. Em várias cidades e estados, tanto comandados por democratas quanto por republicanos, as pessoas votaram para legalizar ou descriminalizar a maconha, os cogumelos que contêm psilocibina e, no Oregon, todas as drogas ilícitas por completo”. (Ed Cara, novembro de 2020)

Nova Jersey, Arizona, Dakota do Sul e Montana aprovaram medidas eleitorais para legalizar a cannabis para uso recreativo; Dakota do Sul aprovou uma medida separada para a legalização da cannabis medicinal também.

Várias cidades em Ohio aprovaram uma iniciativa para descriminalizar o porte de cannabis, enquanto os eleitores do Mississippi aprovaram uma iniciativa apoiada por ativistas para legalizar a cannabis medicinal em vez de um programa mais restritivo desenvolvido por legisladores estaduais.

Em Washington D.C., os eleitores apoiaram uma medida para descriminalizar os cogumelos com psilocibina, uma droga psicodélica que começou a receber atenção como um tratamento promissor para depressão e outros problemas de saúde mental.

Enquanto isso, o Oregon se tornou o primeiro estado a aprovar uma lei que descriminalizará o porte de todas as drogas ilícitas em pequenas quantidades — uma lei que também redirecionará o dinheiro de impostos gerado pela legalização da cannabis para expandir os serviços de tratamento para transtornos por uso de substâncias.

O Oregon também se tornou o primeiro no país a estabelecer a legalização da terapia assistida por psilocibina, uma proposta que o Gizmodo mostrou anteriormente. A medida abrirá caminho para que os pacientes recebam psilocibina juntamente com outros cuidados de saúde mental em centros licenciados.

Na terça-feira (3), um novo pequeno estudo publicado na JAMA Psychiatry se somou ao corpo de evidências que sugerem que a psilocibina, em combinação com a terapia, pode reduzir significativamente os sintomas em pessoas que lutam contra a depressão crônica e não responderam a outros tratamentos.

Voltando as pesquisas, o pesquisador Stanislav Grof que chegou aos 90 anos e segue pesquisando na área psicodélica publicou um alentado texto sobre o assunto; “The Way of the Psychonaut: Encyclopedia for Inner Journeys” volume I em 2019. “”A expressão… psiconauta é bem escolhido, porque o espaço interno é igualmente infinito e misterioso como o espaço sideral; e assim como os astronautas não são capazes de permanecer no espaço sideral, da mesma forma no mundo interior, as pessoas devem retornar à realidade cotidiana. Além disso, ambas as viagens requerem uma boa preparação para serem realizadas com o mínimo de perigo e se tornarem verdadeiramente benéficas.” (Albert Hofmann, Memories of a Psychonaut (2003).

O livro é extenso e tem os seguintes capítulos

  1. The History of Psychonautics:
    Ancient, Aboriginal, and Modern Technologies of the Sacred
  2. The Revision and Re-Enchantment of Psychology:
    Legacy from a Half Century of Consciousness Research
  3. Maps of the Psyche in Depth Psychology:
    Toward An Integration of Approaches
  4. Architecture of Emotional and Psychosomatic Disorders
  5. Spiritual Emergency:
    Understanding and Treatment of Crises of Transformation
  6. Holotropic Breathwork:
    A New Approach to Psychotherapy and Self-Exploration

 

No início da Psychiatry online Brazil, começamos com Brazil e depois mudamos para Brasil, existiu um debate dos participantes do seu corpo editorial e um dos membros, Dr. Rubem Mazzini Rodrigues,( Rubens Mário Mazzini Rodrigues (yatros.com.br)) criou um site onde participavam os membros da lista que ele chamava a Nau da lista, e os membros de psiconautas.  Pode ser mera coincidência, mas tentaremos clarear este assunto mais adiante. (continua)

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