Abril de 2021 – Vol. 26 – Nº 04

Lucas Dias Brito Infante – Acadêmico de medicina da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia,
Jequié-BA, Brasil – [email protected]
Anderson Fábio Moura Weiber– Professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Jequié-
BA, mestre em enfermagem e saúde, e médico especialista em psiquiatria, Jequié-BA, Brasil –
[email protected]

2.1. Resumo
A cocaína é uma droga proveniente da folha de coca, essa sendo uma planta historicamente utilizada
por povos americanos nativos da região do Peru pré-colombianos há mais de 2500 anos. Foi uma
droga sintetizada no século XIX, que teve rápida difusão, principalmente por sua comercialização
legal na fórmula de diversas mercadorias, mais notavelmente na Coca-Cola. Logo após sua
popularização, ficou claro os riscos que causava ao organismo, principalmente a dependência
associada ao uso. O presente estudo tem o objetivo de revisar o que é evidenciadonas produções
científicas quanto a produção e eficácia de uma vacina para cocaína. É uma revisão integrativa de
literatura, utilizadas as bases de dados do Medline, Scielo e Lilacs no período de dezembro de 2019 e
janeiro de 2020. As palavras chaves utilizadas foram “vaccine”, “cocaine”, “ethics”, “history” e
“epidemiology”, de acordo com o Medical SubjectHeadings, e “vacina”, “cocaína”, “ética”, “história”
e “epidemiologia” seguindo os Descritores em Ciências da Saúde. Foram analisados 20 artigos
disponíveis integralmente em português e inglês, seguindo os critérios de inclusão e exclusão
propostos. Foi possível analisar até onde as pesquisas já chegaram, os principais obstáculos
encontrados para o desenvolvimento das vacinas, bem como a ética pode acabar sendo um fator
determinante para a sua execução. Também foi capaz de perceber se os estudos informam sobre uma
proteção promovida pela vacina para os diversos sistemas do corpo.
Palavras chave: Coca; Cocaína; Vacina; Vacina para Cocaína; Erythroxylon coca.
2.2. Introdução
A cocaína é uma droga estimulante extraída da folha da Erythroxylon coca, conhecida
somente como coca (BRASIL, 201-). Tem diversas formas de apresentação, podendo ser em pó, base
(crack) e merla; existe também a forma de pasta, que é feita, no início da extração, o tratamento com
ácido sulfúrico, querosene ou outras substâncias denominadas de álcali, sendo altamente tóxica
(BRASIL, 201-). Por ser uma droga estimulante, sua atuação é na liberação e no prolongamento do
efeito de neurotransmissores, sendo eles dopamina, serotonina e noradrenalina (BRASIL, 201-).
As folhas de coca já são utilizadas por povos nativos do Peru há mais de 2500 anos, porém,
extração do alcaloide só veio ocorrer em meados do século XIX, sendo livremente comercializada nos
Estados Unidos, inclusive fazendo parte da fórmula da Coca-Cola entre 1886 e 1900 (BAHLS &
BAHLS, 2002).
Em pesquisa realizada no Brasil, foram obtidos os dados que 3,8% dos adultos e 2,3% dos
adolescentes já utilizaram a cocaína pelo menos uma vez; em 68% dos casos, ocorreu o primeiro
contato antes dos 18 anos de idade (BRASIL, 2019). Essa pesquisa foi de caráter domiciliar, não
realizada com indivíduos em situação de rua, que são um dos grupos de maior fator de risco para o
consumo da droga (BRASIL, 2019).
Em pesquisa realizada com estudantes universitários de Ribeirão Preto, entre junho e agosto
de 2014, que ocorreu com 275 estudantes, 7 alegaram já ter utilizado cocaína na vida, sendo que 4
deles alegaram que foi nos últimos três meses; a média de idade dos que alegaram já terem feito uso
era de 21,7 anos; notou-se que, os homens faziam uso da droga em idades mais precoces que as
mulheres e que o uso da cocaína era maior nesse grupo (ZANETTI et al., 2019).
Dentre os efeitos do uso da cocaína, destaca-se os que ocorrem no sistema cardiovascular; a
droga atua no sistema nervoso simpático, causando taquicardia e hipertensão, sendo que, o uso
prolongado, pode causar um estado de hipertensão crônica; ainda afeta o sistema vascular periférico,
causando vasoconstricção, tendo ainda um importante efeito pró trombótico; o uso de altas doses pode

causar arritmias e uma falha cardíaca, manifestada por bradicardia, que pode vir a ser fatal (DUFLOU,
2019).
Hoje, os tratamentos são baseados em psicofámacos, sendo os principais das classes de
anticonvulsivantes, antidepressivos tricíclicos, inibidores de recaptação de serotonina, antidepressivos
de dupla ação, agonistas dopaminérgicos e antipsicóticos; da classe dos anticonvulsivantes, o que
apresenta ser uma promessa de tratamento é o topiramato, porém ainda necessita de mais estudos na
área (LARANJEIRA&, REIS 200-). Dos que são mais utilizados, a carbamazepina, aparentemente,
não é eficaz para o tratamento da dependência. Os antidepressivos tricíclicos apresentam certa
melhora, muito porque existem fatores de depressão associados a dependência da cocaína, porem
também não são efetivos para o tratamento; estudos com antipsicóticos também não demonstraram
boa resolubilidade do problema (LARANJEIRA&, REIS 200-).
Assim, percebe-se que os estudos na área apresentam grandes carências, sendo os tratamentos
pouco específicos para um problema que está atingindo, principalmente, os jovens; além do problema
da especificidade, também apresenta efeitos colaterais, impotência e perda de libido, que acabam
sendo determinantes para a desistência do tratamento (LARANJEIRA&, REIS 200-). Dessa forma, o
tipo de trabalho aqui apresentado visa trazer para conhecimento geral um novo desenvolvimento de
psicofármaco que poderá ser utilizado para esse tratamento, facilitando a reabilitação futura do
indivíduo, bem como a proteção dos grupos que são considerados de risco.
Com base no que foi relatado, o presente estudo tem como objetivo revisar o que é
evidenciadonas produções científicas quanto a produção e eficácia de uma vacina para cocaína.
2.3. Metodologia
Trata-se de um estudo de Revisão de literatura Integrativa (RI), no qual foram selecionados
textos científicos sobre o tema em questão, buscando relacionar os achados entre eles, sintetizando o
que está descrito e buscando uma conclusão sobre o tema estudado.
Os dados foram coletados no intervalo de tempo entre dezembro de 2019 e janeiro de
2020,com buscas nas bases de dados abertas, contendo artigos científicos publicados entre 1997 e
2019. Foram considerados artigos disponíveis no Sistema Online de Busca e Análise de Literatura
Médica (Medline), acessado por meio do motor de buscas PubMed. Também na base de dados
ScientificElectronic Library Online (Scielo) e Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da
Saúde (Lilacs).
Os descritores utilizados foram “vaccine”, “cocaine”, “ethics”, “History” e “epidemiology”,
para realização de consulta no Medline, acordado com o MeSH (Medical SubjectHeadings). Também
foram utilizados os descritores “vacina”, “cocaína”, “ética”, “história” e “epidemiologia” para
pesquisa no Lilacs e Scielo, seguindo os descritores contidos no Descritores em Ciências da Saúde
(DeCS). Foram utilizados os operadores booleanos “and” e “or” para pesquisa no Medline e “e” e
“ou” para pesquisa nas bases do Lilacs e Scielo.
Os critérios que foram utilizados para inclusão do trabalho é conter no título ou resumo dois
ou mais descritores, sendo dos idiomas inglês e português. Os artigos contêm a temática de vacina
para cocaína no seu resumo ou no título. Foram aceitos todos os tipos de trabalho científico (ensaios
clínicos randomizados, estudos de caso, revisões de literatura, entre outros). Os ensaios clínicos
poderão estar em qualquer fase de teste. Foram aceitos trabalhos de qualquer período de tempo.
Somente foram utilizados artigos que apresentaram resultados. Foram agregados documentos legais,
bem como do governo, para maior enriquecimento, principalmente quanto a epidemiologia.
2.4. Resultados
2.4.1. Produção de vacinas para dependência da cocaína
As mais novas pesquisas buscam usar moléculas de cocaína capazes de gerar anticorpos
combinados com adjuvantes que potencializariam o processo de produção desses anticorpos no
indivíduo; o que diferencia os estudos são as moléculas “cocaine-like” utilizadas(moléculas sintéticas
com propriedades parecidas as da cocaína e que tem forte capacidade de produção de uma resposta
humoral) e as substâncias utilizadas como adjuvantes (FOX, 1997;KIMISHIMA et al., 2016, 2017,

2018; KOSTEN et al, 2013;). Os laboratórios criam diferentes substâncias “cocaine-like”, com
diferentes nomes como GNE (KIMISHIMA et al., 2016, 2017, 2018), GND (KIMISHIMA et al.,
2018). Outra alternativa, que foi utilizada em pesquisas mais antigas, é o uso da molécula de cocaína
associada a proteínas carreadoras, uma vez que a cocaína não conjugada é incapaz de produzir uma
resposta imune para combate dos seus efeitos (FOX, 1997).
2.4.1.1. TA-CD
A TA-CD foi a vacina para dependência de cocaína que chegou mais longe nos ensaios
clínicos. Foi feita com base na toxina b da cólera. Na fase I dos ensaios realizados, induziu a formação
de anticorpos voltados a cocaína, diminuindo a euforia e os efeitos psicotrópicos da cocaína quando
fumada. As durações da eficácia variaram entre 2 a 4 meses de bloqueio imunológico para a droga. Os
efeitos adversos encontrados foram taquicardia, elevação da temperatura ou hipertensão sem efeitos
adversos sérios (KOSTEN et al, 2013).
Na fase II, com 115 pacientes usuários da droga, foram injetadas 360µg por 5 injeções, tendo
um terço dos pacientes apresentado valores de anticorpos satisfatórios acima de 43µg/mL, que é o
suficiente para bloquear a maioria das doses esperadas de cocaína. Esses participantes mantiveram os
anticorpos por três meses, antes da vacina perder sua eficácia. As urinas desses indivíduos se
encontraram mais livres de cocaína que os que receberam uma dose placebo ou que não atingiram a
quantidade esperada de anticorpos, demonstrando que uma maior quantidade deles conseguiu se
manter em abstinência após a inoculação da vacina. Se faz necessário o reforço com uma nova
vacinação a cada três meses, uma vez que o contato com a cocaína não provoca um aumento dos
anticorpos (KOSTEN et al, 2013).
A realização da fase IIb durou 4 meses e foi realizada em pessoas dependentes que buscaram
tratamento, apresentando também resultados positivos, com 48% das urinas livres de metabólitos da
cocaína, indicando que conseguiram se abster do uso da droga durante o período de ação da vacina
(KOSTEN et al, 2013).
Quando realizada a fase III dos testes, o sucesso não se repetiu. O Estudo foi realizado com
300 pessoas dependentes da cocaína, durando 24 semanas. Os resultados trouxeram que 67% dos 130
participantes que receberam as cinco doses da vacina atingiram níveis elevados de IgG (42µg/mL).
Porém, ao ser realizado os exames de urina, não se percebeu diferença entre os grupos de placebo, os
de elevado IgG e de baixo IgG. Após a oitava semana 24% dos vacinados conseguiram manter a
abstinência por pelo menos duas semanas, contra 18% do grupo placebo. Notou-se que as diferenças
entre o os grupos placebo e o de alto IgG não foram significativos (KOSTEN et al, 2014).
Os pesquisadores se mostraram preocupados com o aumento do consumo de cocaína nos
grupos que receberam a vacina, uma vez que a garantia dos efeitos dela só é para as dosagens médias e
o consumo maior pode fazer com que o paciente supere as defesas imunológicas criadas. Os estudos
não apresentaram resultados relativos ao uso de crack, uma vez que ele tem capacidade de cruzar
rapidamente a barreira hematoencefálica, diminuindo a eficácia dos anticorpos (KOSTEN et al, 2014).
Ao fim da fase III, a vacina se mostrou segura, porém de eficácia reduzida, não atingindo os
efeitos que foram esperados após o sucesso das fases anteriores, sendo somente parcialmente
replicados, não justificando a continuidade do estudo (KOSTEN et al, 2014).
2.4.1.2. Desenvolvimento atual
No que tange o desenvolvimento atual, o foco está na produção de moléculas sintéticas já
capazes de produzir forte efeito humoral, associada a proteínas que potencializariam esse resultado.
Existem três medidas essenciais para entender a eficácia da vacina, sendo elas a quantidade de
anticorpos produzidos, a quantidade de moléculas de cocaína no plasma sanguíneo dos pacientes que
foram inoculados e a quantidade que conseguiu cruzar a barreira hematoencefálica. Ao se ligar ao
anticorpo, a cocaína não é mais capaz de chegar ao cérebro, sendo eliminada pela urina (KIMISHIMA
et al., 2016).
Os adjuvantes utilizados variam dos mais diversos, podendo ser moléculas naturais como a
albumina bovina, que foi testada mais no início do desenvolvimento (FOX, 1997), ou, mais
recentemente os agonistas de receptor 9 do tipo pedágio (TLR9) e o TLR5, sendo as substâncias

cytosine-guanineoligodeoxynucleotide1826 (CpG 1826) e a Flagelina (FliC). Outra alternativa é o uso
de um carreador não adjuvante, como o TetanusToxoid (TT). A característica indispensável para que a
substância seja uma opção é sua capacidade de conjugar a molécula de cocaína ou “cocaine-like” e
produzir uma forte resposta humoral (KIMISHIMA et al., 2016).
Embora mais de 20 anos de estudos, os resultados não apresentaram avanços concretos
(HEEKIN; SHORTER; KOSTEN, 2017). Utilizando-se as titulações de cocaína presente no plasma
sanguíneo nas pesquisas de Fox (1997), em que utilizava a molécula de cocaína associada a albumina
bovina, encontrava-se até 1600ng/ml de cocaína livre valores próximos do encontrado em pesquisa
com GNE-TT, que se encontrou 1500ng/ml (KIMISHIMA et al., 2018).
Os anticorpos produzidos acabam por não durarem longos períodos de tempo, precisando de
novas inoculações (HALL; CARTER, 2015).
Todas as vacinas que apresentaram o uso da CpG 1826 se mostraram mais eficazes que as
formulações que não continham; comparando-se os grupos sem CpG 1826, a formulação GNE – FliC
acabou se mostrando com maior capacidade de causar uma reação imunológica, porém, após a adição
da substância, a vacina composta por GNE – TT + CpG foi capaz de produzir mais que o dobro do
número de anticorpos que as outros, ainda sem uma explicação definida do porquê (KIMISHIMA,
2016).
Outras formas de estudo apresentadas foram com a vacina tri-componente contendo GNE,
ovoalbumina (OVA) e CpG 1826, além de outras contendo essas mesmas substâncias, porém
individualizadas; revelou maior concentração de anticorpos específicos para cocaína após 21 e 35 dias
e maior regulação do aumento das atividades locomotoras induzidas por cocaína (KIMISHIMA,
2017). Quando individualizadas, houve uma menor capacidade de produção de um efeito humoral
(KIMISHIMA, 2017).
Em 2018 foi desenvolvida uma nova molécula “cocaine-like”, a GND (KIMISHIMA, 2018).
A vacina com GND foi capaz de aumentar a meia vida da cocaína no sangue para 34.5 minutos e a
GNE para 35.6 minutos, demonstrando boa capacidade no sequestro de cocaína livre fora do sistema
nervoso central; numericamente, após serem ministradas doses iguais de cocaína, os ratos vacinados
com GNE apresentaram 6 vezes mais cocaína no sangue do que o grupo não vacinado, no dia 101 da
pesquisa, enquanto que os que receberam GND apresentaram 4 vezes mais (KIMISHIMA, 2018). Isso
demonstra uma melhor captação pelos anticorpos no sangue dos ratos que receberam o GNE, uma vez
que, impossibilitava sua passagem para o encéfalo, mantendo grandes concentrações da droga na rede
sanguínea. (KIMISHIMA, 2018).
Os testes apresentaram resultados satisfatórios para ambos os componentes, possibilitando
pesquisas futuras mais avançadas com roedores ou cobaias primatas não-humanas, para uma possível
nova confecção de uma vacina para cocaína, usando qualquer uma dessas moléculas (KIMISHIMA,
2018).
2.5. Discussão
Com esses estudos foi possível perceber que os resultados apresentados acabaram sendo muito
contraditórios. Se por um lado, ao se estudar em laboratório foram encontradas boas taxas de
abstinência à droga e menor concentração dela no cérebro, os estudos que foram ampliados para larga
escala não encontraram resultados parecidos como quando em escala reduzida, o que causou a
interrupção deles, a exemplo da vacina TA-CD. Entretanto, os estudos mais recentes ainda não
alcançaram a fase de pesquisas em larga escala e, com base nos resultados obtidos até então, a
possibilidade de sucesso das novas vacinas em desenvolvimento é promissora. Além disso ainda
existem outras questões que devem ser levadas em consideração ao se analisar a viabilidade da
produção dessas vacinas, como a capacidade de proteger outros órgãos, além do cérebro e as questões
éticas envolvidas.
2.5.1. Efeitos da vacina em outros sistemas do corpo
A cocaína exerce efeito em diversos sistemas do corpo, não atingindo somente o cérebro; entre
os efeitos cardíacos existem palpitações, arritmias, taquicardias ou bradicardias, podendo levar ao
infarto agudo do miocárdio, principalmente quando consumido com o álcool, por liberar cocaetileno,

de alta toxicidade cardíaca (SILVA et al., 2013). Ainda existem efeitos em aparelho respiratório, que
podem levar a edema agudo de pulmão e agravamento de asma brônquica. Também tem efeito
hepatotóxico, por ser metabolizada por colinesterases hepáticas e plasmáticas (SILVA et al., 2013).
Embora a droga apresente diversas ações em diferentes órgãos, os estudos foram limitados
quanto a isso. Nenhum dos estudos se propôs a estudar como a vacina poderia interferir nos efeitos
extra encefálicos da substância. A única referência a quaisquer manifestações não relacionadas ao
efeito da droga no cérebro foi feita por Kosten (2013), ao relatar taquicardia, aumento de temperatura
e hipertensão como efeitos colaterais do uso da vacina.
2.5.2. Aspectos Éticos
A vacinação contra a cocaína traria diversos aspectos éticos, a começar pelo consentimento do
paciente, que deve existir a todo momento do tratamento; ele deve ter conhecimento detalhado de
todos os riscos e efeitos que a vacina poderia causar no seu corpo (CARTER& HALL, 2004). Por ter
efeito reduzido, o paciente poderia desistir do tratamento a qualquer momento e acabar por não ter os
efeitos duradouros que se desejaria (CARTER& HALL, 2004).
Outro fator ético é quanto a privacidade dos pacientes; a partir do momento em que o
tratamento é realizado, será possível encontrar anticorpos específicos para a cocaína no sangue do
indivíduo inoculado (CARTER& HALL, 2004). Levando em consideração os preconceitos existentes
na sociedade, isso pode levar a problemas de estigmatização e causar prejuízos principalmente em sua
área laboral, podendo levar essas pessoas à demissão; já se levanta a preocupação com os exames de
urina para testes de metabólitos em empregados (CARTER& HALL, 2004).
A preocupação quanto à privacidade já trouxe o levantamento de novas ideias, como à
imunização passiva, em que os anticorpos já prontos seriam administrados, tendo a vantagem de que
os anticorpos durariam poucas semanas e logo desapareceriam; em contrapartida, traria um período
menor de proteção para o indivíduo, diminuindo a efetividade do tratamento (CARTER& HALL,
2004).
Mas um problema ético quanto a vacinação para cocaína seria o acesso dos pacientes às
vacinas; a questão seria quanto ao custo e quem iria pagar; se o tratamento for caro, vai restringir o
acesso de pobres e indigentes; logo, o impacto esperado para uma vacina como essa não seria
alcançado, visto que muitos dos dependentes não seriam capazes de pagar pela vacina (CARTER&
HALL, 2004). Uma alternativa seria o subsidio do governo ou cobertura dos planos de saúde
(CARTER& HALL, 2004).
As vacinas para cocaína poderiam ser utilizadas para a prevenção da dependência nos grupos
de risco, mas que ainda não teriam feito o consumo da droga; considerando que o primeiro contato
com a cocaína se dá na adolescência na maioria dos casos, teriam que ser aplicadas várias vezes,
durante todo esse período; o sistema judiciário já acredita que, como os pais já tomam decisões com
relações à saúde dos filhos, a decisão quanto a vacinação para dependência da cocaína também poderia
ser feita por eles (CARTER& HALL, 2004). Em relação aos grupos de risco, existe o problema do
custo da vacina; considerando que as vacinas teriam que ser repetidas a cada dois ou três meses,
necessitaria de um financiamento público; caso não ocorresse, é mais provável que as crianças mais
vacinadas seriam aquelas que estariam em menos risco (CARTER& HALL, 2004).
É importante reconhecer que deve existir a autonomia do paciente a todo momento, devendo
ele poder escolher continuar ou desistir do tratamento sempre que desejar (CARFORA et al, 2018).
Porém, durante o período de desintoxicação, a capacidade de julgamento do usuário estaria
prejudicada, o que acaba por causar um problema ético quanto à autonomia do paciente (CARFORA
et al, 2018).
Para Carfora (2018), os pacientes que estejam nesses estados devem ser tratados como
vulneráveis sob o Helsinkcodeofethics (WMA DeclarationofHelsink 2013 – EthicalPrinciples for
Medical ResearchInvolvingHumanSubjects).
De qualquer forma, o direito individual de agir por sua própria vontade deve ser respeitado;
dessa forma, cabe ao paciente escolher se pretende continuar o tratamento ou abandoná-lo
(CARFORA et al, 2018).
2.6. Considerações Finais

O uso da coca é algo que se faz presente nas mais diversas gerações, tendo sua difusão pelo
globo após a conquista das terras Incas. Enquanto antes seu uso era restrito a culturas locais, que se
relacionavam muito a fitoterapia e a adoração dos deuses da região, a extração do princípio ativo
propiciou o início da comercialização com finalidade medicinal e recreativa.
Logo ficou claro os malefícios que causava, principalmente a dependência que a droga
acabava acarretando, tornando o comércio, que no início se deu de forma indiscriminada, restrito. Em
meio às proibições, o tráfico aumentou, atingindo populações das mais variadas classes sociais,
principalmente devido as diferentes formas em que a cocaína pode ser consumida.
Com a defasagem dos tratamentos e a incapacidade de conter a expansão da droga, necessita-
se de novas formas de tratar aqueles que estão sofrendo da dependência. As vacinas, embora não
estejam apresentando resultados ainda satisfatórios, falhando nos estágios mais avançados e outras
ainda em começo de estudos, surgem como uma promessa para poder tratar os dependentes e ser uma
forma de proteger àqueles que se classificam como grupos de risco, principalmente os jovens e
adolescentes. Ainda não demonstraram eficácia suficiente para que pudessem ser consideradas boas
estratégias para o tratamento da dependência, embora os resultados iniciais das pesquisas em
andamento estejam se mostrando promissores para que no futuro consigam cumprir sua finalidade.
Os obstáculos encontrados até agora seriam lidar de forma mais humana com as questões
éticas, evitar que se aumente o consumo tentando driblar a imunidade e evitar os efeitos do excesso da
cocaína fora do cérebro.
2.7. Referências
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