César Augusto Trinta Weber. MD. MSc. PhD. Pós-Doutor.
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento
Universidade de São Paulo/SP/Brasil.

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DESOSPITALIZAÇÃO E RESIDENCIAIS TERAPÊUTICOS

Resumo: O lugar das Residências Terapêuticas – RTs nos serviços de atenção à saúde mental é o de modalidade terapêutica substitutiva à internação psiquiátrica de longa permanência. Entre os objetivos desses serviços está o de promover a inclusão social dos doentes mentais desospitalizados que não possuem suporte social e/ou laços familiares para a sua inserção. Para tanto, as moradias assistidas devem estar preferencialmente inseridas na comunidade.

Descritores: Moradias Assistidas. Política de Saúde. Psiquiatria. Saúde Mental.

PATIENT DISCHARGE AND ASSISTED LIVING FACILITIES

Abstract: Assisted Living Facilities in mental health services is that of a therapeutic modality that replaces long-term psychiatric hospitalization. Among the objectives of these services is to promote the social inclusion of de-hospitalized mental patients who do not have social support and / or family ties for their insertion. To this end, assisted housing should preferably be inserted in the community.

Keywords: Assisted Living Facilities. Health Policy. Psychiatry. Mental health.

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O lugar das Residências Terapêuticas – RTs nos serviços de atenção à saúde mental é o de modalidade terapêutica substitutiva à internação psiquiátrica de longa permanência. Entre os objetivos desses serviços está o de promover a inclusão social dos doentes mentais desospitalizados que não possuem suporte social e/ou laços familiares para a sua inserção. Para tanto, as moradias assistidas devem estar preferencialmente inseridas na comunidade.

A desospitalização não se resume aos RTs, havendo alternativas assistenciais propostas pelo MS e em funcionamento em diversos municípios do país, tais como: hospital-dia, enfermaria psiquiátrica em hospital geral, ambulatório de saúde mental, centros e núcleos de assistência psicossocial e, recentemente, as fazendas terapêuticas.

Um estudo transversal1 incluindo a disponibilidade de leitos psiquiátricos, sua distribuição e os serviços extra-hospitalares de atenção à saúde mental, com pelo menos uma equipe mínima, no Estado de São Paulo, ano base 2005, teve como resultados que o número de leitos psiquiátricos totalizou 13.622, sendo 13.190 em hospitais psiquiátricos e 432 em hospitais gerais, representando 3,4 leitos/10.000 hab. Foram avaliados 585 serviços extra-hospitalares de saúde mental, sendo a maioria UBS com equipe de saúde mental. Os autores concluíram que não foi constatada uma correspondência entre o número de leitos e de unidades de saúde mental e a população das regiões avaliadas. No entanto, observaram a presença de algumas medidas que refletiram em mudanças visando à melhoria da atenção à saúde mental.

Andreoli et al.2 investigaram o desenvolvimento da infra-estrutura de serviço mental e do seu financiamento, no período de 1995-2005. Analisados os dados sobre leitos, centros comunitários de saúde mental, profissionais de saúde e custo, concluíram entre outros, que existe um claro movimento de transformação do modelo dos cuidados psiquiátricos no Brasil, passando do hospital psiquiátrico para os serviços comunitários. Apesar disso, fica ressaltado no artigo que a cobertura dos serviços comunitários ainda é precária e a reforma da assistência não foi acompanhada pelo aumento de investimento público em saúde mental.

No Brasil, diversos trabalhos se dedicaram a examinar o fenômeno da desospitalização e os serviços residenciais terapêuticos, muitos com enfoques distintos, seja na discussão da importância da implementação dos SRTs no contexto da nova política de saúde mental3, nas novas perspectivas para o campo da reabilitação4, no resgate às produções de conhecimentos geradas pelos trabalhadores em saúde em suas intervenções e práticas investigativas (Resende, 2005), como na estratégia de desconstrução do hospital psiquiátrico (Rosa, 2005), na descrição e análise do processo de interação social entre os moradores e usuários do hospital psiquiátrico.5

Lima6 estudou as mudanças ocorridas no Hospital São Vicente de Paulo – HSVP, no Distrito Federal, no período de 1985 a 2002, com base nas práticas em saúde mental nesse hospital em articulação com o contexto da Reforma da Assistência Psiquiátrica. Para a autora, a Reforma da Assistência Psiquiátrica no HSVP tem como correlatas a desospitalização e a sujeição da clientela, usuários e familiares a uma situação de abandono, desassistência e exclusão social.

Lobo7 desenvolveu um estudo com o objetivo de realizar um diagnóstico dos 30 SRTs existentes no ano de 2003, em cinco municípios do estado do Rio de Janeiro. Foram consideradas as principais características destes SRTs e de seus moradores, bem como as principais dificuldades para a sua implantação e manutenção. O estudo descritivo, de corte transversal, baseado em informações dos gestores dos SRTs permitiu encontrar 129 moradores, a maioria (74%) do sexo masculino, na faixa etária de 50-59 anos (32,2 por cento), egressos de internação psiquiátricas (92%), que não recebem benefícios (63%). Apenas 52% receberam visitas e 72% possuíam documento de identidade. As casas eram majoritariamente de natureza municipal (69%) não cadastradas no SUS (55%), tendo como principal fonte de recursos para a implantação e manutenção o município (62%). Apenas 16,7% tinham tempo de funcionamento inferior a 12 meses e a maioria localizava-se em bairros residenciais (72%), embora contasse com o hospital para o abastecimento da medicação (86%). A quase totalidade dos SRTs referiu possuir projeto terapêutico (90%) cujas principais atividades relatadas na casa e na comunidade foram de lazer, respectivamente 35% e 28%. No período de 6 meses, 7% dos moradores sofreram reinternações psiquiátricas. Cerca de 30% dos moradores utilizaram serviços da rede de saúde local. Critérios de seleção dos moradores foram referidos em 96% das casas e as principais dificuldades elencadas foram de ordem financeira e técnica-operacional.

Para Marcos8 a assistência aos portadores de transtorno mental internados há longos anos em hospitais psiquiátricos é uma questão essencial a todo projeto de construção manicomial. A autora observa que o louco pode ser objeto de políticas públicas e ainda ser considerado a zona branca do silêncio; contudo, a adesão a um projeto de vida imposto não garante a inclusão. Desse modo, as políticas públicas de desospitalização e seus respectivos programas, entre os quais os serviços residenciais terapêuticos, para representarem uma possibilidade de resgate da cidadania dos portadores de doença mental devem ter uma proposta ética fundada na construção de novas possibilidades para a clientela asilada, assumindo o compromisso de conciliar em um projeto extra-hospitalar tanto o aspecto de “proteção” e “assistência” quanto o retorno à vida da cidade e ao convívio social.

Jaegger et al.9 realizaram uma pesquisa para discutir o grau de satisfação dos usuários com o serviço de RTs do Instituto Municipal Juliano Moreira, no Rio de Janeiro. Foram entrevistados 15 usuários, idade média entre 51,8 anos, 66,7% com baixo nível de escolaridade e 80% com diagnóstico de esquizofrenia. Os resultados indicaram que 86,6% do grupo estavam satisfeitos ou muito satisfeitos com a equipe, instalações e com o próprio serviço.

Furtado10 avaliou a situação atual dos SRTs no SUS e apesar de entender que os SRTs vêm se consolidando como estratégia eficaz para desinstitucionalização de pacientes internados há anos em hospitais psiquiátricos, o número desses equipamentos está aquém do necessário, se considerada a clientela potencial de beneficiários. Conclui que os fatores estabelecidos, desde o início, como alvo principal da Reforma da Assistência Psiquiátrica, a necessidade de transformação das mentalidades em relação à loucura e implicação dos gestores municipais, são ainda atuais e determinam os entraves para expansão dos SRTs no Brasil.

Suiyama et al.11 dedicaram-se ao levantamento bibliográfico nas décadas de 1980, 1990 e 2000 procurando contextualizar o surgimento de projetos de moradia para pessoas com transtornos mentais no Brasil a partir da implantação da Reforma da Assistência Psiquiátrica, após 1980, e a problemática dos moradores de hospitais psiquiátricos. O estudo revelou que a construção desses espaços (moradias) não garante a mudança na lógica das relações institucionais em pessoas com transtornos mentais, permanecendo como um dos desafios o resgate da subjetividade dos sujeitos por meio da ampliação dos espaços de troca e participação dos sujeitos que nela residem.

Vidal e Bandeira12 apresentam uma revisão de literatura sobre a experiência dos SRTs no município de Barbacena, Minas Gerais. De acordo com os autores, a pesquisa bibliográfica realizada (Medline, Lilacs, 1990-2006), apresentou, nos trabalhos selecionados em geral sobre o tema, uma melhoria na autonomia, na interação, no nível global de funcionamento e na qualidade de vida, dos pacientes desospitalizados. Concluem que apesar das dificuldades na sua implantação, os tratamentos de base comunitária tornaram-se o modelo dominante de cuidados psiquiátricos. Para os pacientes desospitalizados, as RTs tem importante papel no processo de reinserção social de acordo com estes autores.

Os estudos deixam evidente a multiplicidade de situações e contextos em que foram estudados os RTs, sem ainda poder chegar a conclusões gerais ou definitivas. Essa realidade torna ainda mais sólida a necessidade de estudos mais detalhados sobre os RTs, como o apresentado no livro Residenciais Terapêuticos: O Dilema da Inclusão Social de Doentes Mentais.

Referência:

Weber CAT. Residenciais Terapêuticos: O Dilema da Inclusão Social de Doentes Mentais. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012.

NOTA: Este artigo é um recorte da Parte I, Rumos da Saúde Mental no Brasil após 1980, do livro Residenciais Terapêuticos: O Dilema da Inclusão Social de Doentes Mentais, para publicação na Psychiatry online Brasil. Part of the International Journal of Psychiatry – ISSN 1359 7620 – A trade mark of Priory Lodge Education LTD.

1Zappitelli et al., 2006.

2Andreoli et al., 2007.

3Mângia, 2002.

4Mângia e Marques, 2004.

5Alves, 2002.

6Lima, 2002.

7Lobo, 2004.

8Marcos, 2004.

9Jaegger et al., 2004.

10Furtado, 2006.

11Suiyama et al., 2007.

12Vidal e Bandeira, 2008.

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