Julho de 2025 – Vol. 31 – Nº 7

Walmor J. Piccinini

Por que alguém escolhe ser psiquiatra?

Essa pergunta é tudo, menos simples. A psiquiatria, ao contrário de outras especialidades médicas, convive com um estigma persistente: o da loucura. Escolher esse caminho é se aproximar do sofrimento psíquico alheio com a coragem de quem compreende que a dor da alma é real, legítima e profundamente humana.

Ser psiquiatra é assumir o compromisso de cuidar da liberdade interior do outro — uma tarefa delicada que exige técnica, ética, empatia e uma escuta atenta e sem julgamentos. É também desafiar o senso comum que, por vezes, nega a legitimidade da própria doença mental e demoniza aquele que a trata.

Um defensor da liberdade psíquica

O psiquiatra, como afirmou Ulysses Pernambucano, é antes de tudo um defensor da pessoa doente. Essa defesa vai do acesso a um tratamento digno aos meios legais que garantam sua proteção e inclusão. Henri Ey já dizia que a loucura representa a perda da liberdade, e que ao psiquiatra cabe justamente favorecer sua reconquista.

Carol Sonenreich, por sua vez, sintetiza de forma objetiva: o psiquiatra é o profissional legalmente habilitado para cuidar de quem sofre mentalmente — missão que exige tanto conhecimento técnico quanto sensibilidade humana.

Conselhos de uma vida dedicada à psiquiatria

Em 2019, o Dr. Allen Frances, notório por suas críticas à medicalização excessiva e defensor do modelo humanista da psiquiatria italiana, publicou no Psychiatric Times uma lista memorável: “Advice to Young Psychiatrists From a Very Old One” — um compêndio com 50 ensinamentos fruto de cinco décadas de experiência clínica.

Dentre suas recomendações, destaco algumas que ressoam fortemente com minha prática e visão da profissão:

  • Primeiro, não cause danos” (Primun non nocere) – o princípio básico da medicina e o mais fundamental.
  • Seus pacientes serão seus melhores professores – a escuta é uma arte e um aprendizado constante.
  • Cada encontro deve ser único – para o paciente, nunca é rotina; tampouco deveria ser para o médico.
  • Construa uma aliança terapêutica sólida – é o alicerce de todo tratamento eficaz.
  • Evite modismos diagnósticos – nem toda inquietação é TDAH, nem toda oscilação é bipolaridade.
  • Diagnostique com cautela – melhor errar pelo lado do subdiagnóstico do que rotular precocemente.
  • Não se prenda ao DSM como um dogma – use-o como ferramenta, nunca como fim em si mesmo.
  • Aprenda a desprescrever – reduzir danos é também uma forma de cuidar.
  • Cuide da sua vida pessoal – uma vida rica e plena fortalece sua presença clínica.

Frances também enfatiza a importância da formação humanística: ler romances, assistir a bons filmes, estudar história, viajar, e sobretudo, manter uma postura crítica diante das verdades absolutas. A psiquiatria não é ciência exata — é arte, ética, política, narrativa, e sobretudo, presença.

Mais que profissão: missão

Comemorar o dia 13 de agosto — data da fundação da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e Dia do Psiquiatra — é honrar esse ofício complexo, corajoso e essencial. Ser psiquiatra não é apenas aplicar protocolos; é exercer um cuidado que considera o sofrimento do outro em toda a sua profundidade e contexto.

É preciso técnica, sim. Mas também é preciso alma.

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