Junho de 2025 – Vol. 31 – Nº 6
Sérgio Telles
- Analista brasileiro vivendo em Paris, Alfredo Gil mostra as dificuldades atravessadas pela psicanálise em diferentes culturas. Na França e nos Estados Unidos, onde vigora um cientificismo que interessa à indústria farmacêutica e às políticas das empresas de seguro saúde, ela é desacreditada e relegada a um lugar de insignificância. Em outros países, como o Brasil, ela é fagocitada pelas empresas de ensino, que vendem “diplomas de psicanálise” e pelas religiões fundamentalistas, que a misturam a um misticismo indigesto. Em todos eles, o sofrimento da psicanálise gira em torno da dimensão financeira que rege todas as nossas interrelações sociais.
Psicanálise e algumas malformações (Coluna da APPOA) – Sul 21
- Esse artigo curto e lúcido comentada a onda do bebê “reborn”. Não mencionado nesse artigo e em nenhum outro que li, me chama a atenção o nome “reborn”. “Reborn”. “Renascidos”? Estavam mortos? Uma evidência de sua dimensão lutuosa?
Bebês Reborn — O que a psicanálise tem a dizer sobre eles? – Litoral na Rede
- Massimo Recalcati, psicanalista italiano muito presente nas mídias daquele país, medita sobre o comportamento das novas gerações, num mundo regido pelo consumismo.
“Se os jovens se sentem mal é porque os adultos falharam”. Entrevista com Massimo Recalcati – IHU
- Resenha do livro “On Breathing” (Sobre o respirar), da psicanalista Jamieson Webster. A autora explora aspectos clínicos do respirar, mostrando como essa função fisiológica automática pode ser alterada por diversos fatores somáticos e, especialmente, emocionais. A epidemia do covid, com seus sintomas pulmonares e respiratórios, tem uma forte presença no livro.
Jamieson Webster’s Elegant Meditation on How We Breathe | The New Republic
- A Harvard Business Review desse mês mostra que o principal uso da IA não é mais técnico ou corporativo e sim emocional, tendo a terapia como uma das aplicações mais populares. Milhões de pessoas no mundo inteiro estão usando tais programas com esse fim. Isso levanta questões muito complexas, pois o acesso livre e a disponibilidade atendem a uma grande demanda de acompanhamento psicoterápico da população e em muitas regiões do mundo é o único recurso à mão.
Terapia com IA viraliza em 2025: seria o fim dos psicoterapeutas? – greenMe
- Os psicanalistas Gianpaolo Furgiuele e Joseph Agostini lançam na França livros em que analisam Marine LePen e Jean-Luc Mèlenchon, líderes políticos da direita e da esquerda. Apoiados em elementos biográficos e em seus discursos públicos, os autores procuram compreender o mundo interno desses personagens, o que, por estarem no centro do poder, interessa a todos.
« Rêve de l’autre » : Marine Le Pen et Jean-Luc Mélenchon sur le divan – Paris Match
Marine Le Pen sur le divan : une psychanalyse du pouvoir et du père – ActuaLitté.com
- Artigo curto muito informativo sobre o uso de IA no atendimento psicoterápico. Desta vez está em jogo o projeto desenvolvido pela Universidade de Dartmouth (USA) com os programas THERABOT e EARKICK (este com 100 mil usuários). Recentemente foi publicado um primeiro estudo clinico com o THERABOT – intitulado NEJM AI – que mostra a eficácia de seu uso em pacientes com ansiedade, depressão e distúrbios alimentares. Os promotores planejam se diferençar das demais IAs, na medida em que são todos psiquiatras e psicólogos e seu projeto não visa o lucro. Mostram como alguns dos chatbots concordam sistematicamente com o usuário, seduzindo-o e o induzindo a uma conduta aditiva.
Et si votre prochain psychologue était une IA ? Ce projet très sérieux pourrait tout changer
- Extenso e complexo artigo sobre as teorizações sobre o trauma, do ponto de vista psicanalítico e das neurociências. As primeiras teorizações de Freud sobre o trauma mostram-no dividido em dois tempos, inicialmente ele é “esquecido” e, num segundo momento, é reativado por um evento que o evoque – modelo “princeps” do “Nachträglichkeit”. Posteriormente, com as neuroses de guerra, Freud propõe outro modelo do trauma, ao perceber que ele se manifesta diretamente, não desaparece da mente, insiste em voltar com a compulsão a repetição, o que o leva a um novo modelo econômico, “além do principio do prazer”. A noção atual de “Distúrbio de Stress Pos-Traumático” (DSPT) se aproxima desse segundo modelo freudiano. Os autores mostram como o trauma rompe com a sobredeterminação freudiana, forçando o reconhecimento do acaso, do imediato, da intervenção direta e não mediada da realidade. Mais ainda, os autores sugerem que o trauma pode ter importância na criatividade e produção de novas soluções, para tanto citam o exemplo do escritor francês Celine.
Trauma freed of the concept of determinism: is it possible to have a dialogue between … – Frontiers
- A psicanalista francesa Laurence Joseph lança seu livro “Nos silences – Apprendre a les ècouter” – onde discorre sobre a importância do silêncio, aqueles que devem ser mantidos (como o “momento de silencio” proposto em determinadas situações sociais de celebração) e os que necessitam ser quebrados, silêncios protetores e silêncios cumplices da mentira. Entre a fala e o silêncio, a importância decisiva do saber escutar.
Laurence Joseph, psychanalyste : «Certains silences sont bénéfiques, d’autres exigent d’être brisés»
- Hannah Zeavin é uma jovem e brilhante psicanalista nova-iorquina, editora da prestigiosa revista de psicanálise ‘Parapraxis” e autora de alguns livros. Acaba de lançar “Mother Media: Hot and Cool Parenting in the Twenty-first Century”. Nele examina as ligações entre as incumbências da maternidade e o uso da tecnologia nos cuidados com os bebês, como a babá eletrônica e das telas em geral – TV, iPad, que são os antecessores do telefone celular.
Hannah Zeavin Tells Us Why Psychoanalysis Is About More Than Just Daddy Issues
- Excelente artigo da psicanalista portuguesa Sonia Soares Coelho sobre a ascensão da direita. Reproduzo aqui alguns parágrafos: “Como lembra Freud no seu texto ‘Psicologia das Massas e Análise do Eu’ (1921), em momentos de incerteza, os indivíduos tendem a buscar identificação com figuras fortes e grupos coesos. O ‘Eu’, ameaçado pelas contradições da realidade, alivia-se ao dissolver-se na massa — onde deixa de ser responsável por si mesmo, sentindo-se protegido por uma autoridade que promete ordem e sentido. A extrema-direita oferece, exactamente, isso: um líder sem ambiguidades, uma identidade clara, uma comunidade imaginada onde há pertença e exclusão. Para quem vive num mundo acelerado, precário, complexo e incerto, este ‘pacote’ pode ser altamente sedutor. Além disso, o sujeito contemporâneo está muitas vezes marcado por um sentimento difuso de impotência e de perda simbólica. Perante um mundo onde as referências tradicionais ruíram — família, religião, trabalho estável, Estado providência — há uma nostalgia por um passado idealizado e a necessidade inconsciente de encontrar um culpado pela desordem. A extrema-direita cresce onde o laço social se fragiliza. E faz-se forte ao explorar o medo e o ressentimento. Imigrantes, minorias, elites culturais, feministas, ambientalistas — qualquer grupo pode ser designado como inimigo simbólico, sobre o qual se projeta tudo o que é vivido como ameaça à integridade narcísica do ‘Eu’. Freud já nos advertia para o “narcisismo das pequenas diferenças” — a tendência de odiarmos mais intensamente quem está próximo, mas é diferente. A psicanálise mostra que o ódio ao ‘Outro’ é, muitas vezes, um ódio ao que em nós mesmos é estranho, ambíguo, indesejado. O fascínio pela pureza, pela ordem e pela força, esconde uma profunda angústia perante a diferença, a fragilidade e o desejo”.
“Inconsciente Político: Como cresceu a extrema-direita em Portugal?”