Agosto de 2022 – Vol. 27 – Nº 8

Walmor J. Piccinini

A partir de artigo publicado no Medscape por Amanda Loudin resolvi conversar com os leitores do Psychiatry Online sobre os limites de idade para continuar trabalhando como médico. Pode parecer que esteja advogando em causa própria, pois neste mês completo 81 anos de idade e sigo trabalhando em clínica privada e sendo editor deste periódico on-line.

A questão é multifacetada e o leque é amplo. Vai do serviço público a clínica particular passando por empresas prestadoras de serviço. O médico na clínica particular pode trabalhar até quando achar que está realizando um trabalho competente, mas onde o médico é empregado existem nuances. Normalmente, com 35 anos de serviço público o médico se aposenta, mas há casos em que isto pode ocorrer com menos idade dependendo do tipo de trabalho executado.

Quando era mais jovem, atendendo em ambulatório do antigo INAMPS, acontecia de médicos com mais idade, vindos do interior conseguiam por indicação política, cargos no serviço de assistência. Com 50 ou 60 anos começavam a contar tempo de serviço, alguns já com muita idade permaneciam na ativa. Lembro de um médico idoso com mais de 70 anos, mas sem uma boa condição física. Durante os atendimentos pegava no sono e nós atendíamos seus pacientes. Aí aconteceu um fenômeno, a procura por fichas de atendimento por ele aumentavam cada vez mais. Ele atendia, durante a consulta, pegava no sono e ao acordar ia prescrevendo. Os pacientes não se queixavam e a procura por ele só aumentava. Fomos investigar o mistério que nem era tão mistério assim. Os pacientes diziam que o doutor recebia o espírito de um grande médico e sus receitas eram infalíveis. O único jeito para resolver aquela situação foi aposentá-lo por motivos de saúde.

Num conhecido hospital que era particular e foi federalizado, a aposentadoria significa e significava grande redução de vencimentos o que determinava que os médicos trabalhassem até morrer. Ouvi relatos que alguns médicos com mais de 90 anos iam trabalhar com fraldas e eram protegidos pelos colegas. Estas situações extremas estão cada vez mais difícil de acontecer, mas a realidade está aí, até quando um médico com muita idade pode continuar trabalhando?

Resolvi trazer excertos de um artigo publicado no Medscape. Copiei trechos inteiros por estarem claros e objetivos.

Os controladores de tráfego aéreo se aposentam compulsoriamente aos 56 anos, com exceções até 61. Pilotos de companhias aéreas comerciais devem se aposentar aos 65 anos, o mesmo para funcionários de serviços estrangeiros. Os médicos, no entanto, não têm limite de idade, independentemente da especialidade. Isso não significa que o tópico “quantos anos é muito velho” não tem sido um dos debates mais acalorados da profissão há muitos anos. À medida que a profissão envelhece rapidamente – cerca de 30% da força de trabalho médica é atualmente sênior, de acordo com a AMA – o tópico sobre se deve ou não haver uma medida padrão ou idade para aposentadoria está na frente e no centro. O Conselho de Educação Médica da AMA formou um grupo de trabalho para analisar a questão em 2015 e 2018 e, em 2021, os delegados adotaram um conjunto de diretrizes para triagem e avaliação de médicos, mas não cumpriram um mandato. Mark Katlic, MD, presidente de cirurgia do Lifebridge Health System, Baltimore, Maryland, dedicou uma década de seu tempo estudando este tópico. “Eu sou um pouco estranho olhando para isso”, diz ele. “O público desconhece e parece despreocupado com o assunto. Mesmo entre a classe médica, tem havido uma série de contratempos e começa a desenvolver uma abordagem coesa.” Uma das razões pelas quais as diretrizes – obrigatórias ou não – têm sido difíceis de encontrar é que o envelhecimento traz consigo um enorme grau de variabilidade. “Se você olhar para um grupo de pessoas de 80 anos, haverá muito mais variabilidade do que dentro de um grupo de pessoas de 40 anos”, aponta Katlic. De fato, algumas pessoas de 80 anos podem facilmente continuar a ministrar cursos universitários, acompanhar corridas de 10 km ou realizar cirurgias delicadas. No entanto, outros em seu grupo de colegas podem ter dificuldades para abotoar uma camisa adequadamente, andar um lance de escadas ou lembrar das refeições de ontem. A idade funcional não é o mesmo que a idade cronológica.”

Antigamente se considerava um cirurgião com 60 anos, inapto para cirurgias delicadas, hoje 60 anos é um idoso jovem e está no auge de sua carreira profissional. Parece razoável que um idoso sadio não deve nada a um jovem de 40 ou 50 anos. Alguns empregadores reagem a isto e começam a surgir frequentes avaliações de desempenho profissional.

Em alguns casos, equipes médicas entraram com ações judiciais para combater testes relacionados à idade. Em New Haven, Connecticut, por exemplo, a Comissão de Oportunidades Iguais de Emprego dos EUA (EEOC) entrou com uma ação em 2020 em nome da equipe do Hospital Yale New Haven, alegando uma “política de profissional em final de carreira” discriminatória. Um caso semelhante em Minnesota chegou a um acordo em 2021, proporcionando alívio monetário aos funcionários afetados pelos custos diretos da avaliação, além de exigir que o hospital em questão relate ao EEOC quaisquer reclamações relacionadas à discriminação por idade. James Ellison, MD, MPH, presidente de Memory Care and Geriatrics com Christiana CARE em Wilmington, Delaware, aponta que o envelhecimento também pode trazer benefícios para os médicos. “A idade é muito individualizada e há consequências boas e ruins”, disse ele. “A experiência pode construir conhecimento, confiança e especialização, e melhora a precisão do diagnóstico.” Por outro lado, no entanto, as alterações cerebrais relacionadas à idade incluem perda de volume e níveis mais baixos de alguns neurotransmissores, resultando em alterações cognitivas. “Mudanças funcionais também ocorrem”, disse Ellison. “Assim como alguns atletas idosos podem perder um grau de velocidade, força e flexibilidade, e alguns cientistas idosos podem perder parte de sua antiga velocidade cognitiva, flexibilidade e força mental, os profissionais de saúde idosos podem perder parte da coordenação física, força, e acuidade visual necessária para realizar operações cirúrgicas exigentes. Eles também podem perder parte da velocidade de processamento, memória de trabalho e função executiva que lhes permite se destacar em tarefas profissionais cognitivas.”

Estima-se que 5,8 milhões de americanos com 65 anos ou mais tenham demência de Alzheimer hoje, de acordo com a Associação de Alzheimer. Escolher uma idade arbitrária para a aposentadoria compulsória não é a abordagem correta para os médicos, disse Katlic. Em vez disso, disse ele, a resposta é estabelecer programas de triagem de praticantes tardios. Muitos poucos hospitais os têm, no entanto”, ressalta. “Nós fazemos [na Lifebridge Health], e algumas dezenas de outros, mas isso é de centenas.” Em vez disso, o que normalmente acontece é que a equipe do hospital pode começar a notar um declínio em um colega. Coisas como uma aparência desgrenhada ou falta de higiene, ou problemas de memória, como se perder no caminho de volta para o escritório. Mesmo comportamentos perigosos, como cochilar durante um procedimento, não são inéditos. Há muitos exemplos de declínio médico que passam despercebidos. “Infelizmente, é incomum que profissionais de saúde com deficiência cognitiva reconheçam e relatem suas próprias dificuldades”, disse Ellison. “Embora se espere que os colegas denunciem colegas com deficiência cognitiva, eles geralmente não o fazem. Em alguns outros países, a avaliação com base na idade é uma política aceita. Nos EUA, essa não é uma política uniforme”. Às vezes, os médicos podem permanecer no trabalho, apesar do declínio, graças a certos “adereços”, de acordo com Ellison. “Bons procedimentos, suportes eficientes e várias soluções alternativas compensam”, diz ele, “mas muitas vezes não são suficientes para manter uma prática de alta qualidade”. Na maioria das vezes, essas situações se desenrolam lentamente, até que o problema se torna evidente e potencialmente perigoso, e alguém em uma posição de poder deve intervir. da equipe deve tomar uma decisão que afete a carreira do médico em questão”, disse Katlic. Como há pouco policiamento por conta própria ou por colegas – e exceto diretrizes oficiais ou obrigatórias sobre a questão do envelhecimento do médico – tanto Katlic quanto Ellison são defensores da triagem no final da carreira. Como a triagem pode ajudar Do jeito que está agora, Katlic sustenta que a profissão não está fazendo o suficiente para garantir a segurança pública. “Temos processos de revisão por pares e recertificação, mas quando você chega a isso, não nos policiamos bem”, disse ele. “Todos os médicos são avaliados ao longo de suas carreiras como parte do processo de acreditação hospitalar, que é justo e adequado.” Katlic disse que existem três referências principais que os médicos devem ser capazes de cumprir em uma idade acordada: um exame físico, uma triagem neurocognitiva e um exame oftalmológico. “Em alguma idade razoável, eu pessoalmente acredito que esses exames devem ser realizados”, explica ele. “Podemos permitir que os médicos escolham seus próprios profissionais para os exames oftalmológicos e físicos, mas o exame neurocognitivo deve ser realizado por um neuropsicólogo PhD”. Na Lifebridge, por exemplo, essas triagens começam aos 75 anos e acontecem a cada 2 anos, durante o processo de recredenciamento. Aplica-se a todas as especialidades, não apenas cirurgiões. “A cirurgia é um pouco diferente, pois requer habilidades motoras finas, além das outras que testamos, mas você quer que qualquer médico esteja cognitivamente intacto”, aponta Katlic. “Todos os médicos precisam da capacidade de tomar decisões rapidamente, muitas vezes em condições barulhentas e perturbadoras”. Ellison apóia a aplicação dos exames em todas as especialidades. “Não esqueçamos que todos os médicos devem estar atentos às muitas maneiras pelas quais seus pacientes revelam o que precisa de atenção, avaliação e tratamento”, lembra. “Algumas tarefas de saúde podem ser realizadas sem entrada visual, por exemplo, talvez a psicoterapia possa ser fornecida com competência por um clínico que não tem acuidade visual. A entrada auditiva pode não ser necessária para a leitura de raios X – mas a informação que um profissional de saúde obtém de seus olhos e ouvidos é importante, não apenas para cirurgiões.” A Universidade da Califórnia em San Diego estabeleceu o que chama de programa de Avaliação Médica e Educação Clínica (PACE). Um dos maiores e mais antigos programas desse tipo do país, o hospital fundou o PACE em 1996. A maioria dos médicos participantes chega como requisito de ação disciplinar do conselho médico estadual, mas uma pequena porcentagem se auto-refere. O PACE envolve duas fases. O primeiro é um conjunto de 2 dias de testes e medidas de conhecimento de competência central. A fase 2 é mais abrangente e dura 5 dias. Aqui, dentro de sua especialidade, os médicos participam das atividades do programa de residência correspondente. O corpo docente avalia o médico e uma equipe multidisciplinar se reúne para revisar todos os achados das fases combinadas. Dependendo dos resultados, os médicos podem enfrentar etapas de remediação que variam de programas para tratar deficiências de desempenho a experiências clínicas em nível de residência. De acordo com um artigo sobre o programa publicado pela instituição, “a maioria dos médicos encaminhados ao programa PACE apresenta discompetência de desempenho leve a moderada”. No caso das diretrizes de 2021 adotadas pelos delegados da AMA, existem nove princípios para avaliação. Eles devem ser baseados em evidências; ético; relevante; responsável; justo e equitativo; transparente; suporte; não oneroso; e proporcionar aos médicos proteções do devido processo”.

Este assunto não é muito discutido na medicina brasileira, os médicos, por si mesmo vão se afastando da prática diária e muitos recebem aposentadorias razoáveis por serviços públicos. Esta cobertura começa a mudar na medida que as carreira médicas vão desaparecendo ou sofrendo alterações onde a CLT é adotada. O teto de vencimentos pelo INSS não é suficiente para se manter o padrão de vida que era costumeiro.

Bibliografia

How Old Is Too Old to Work as a Doctor? (medscape.com)

Similar Posts