A penetração da psicanálise na semiologia psiquiátrica no Brasil.

1) Um resumo da situação da psiquiatria no Brasil

2) Intercâmbio de mensagens com Affoso Barros de Almeida (psiquiatra pernambucano)

Primeira parte

A história da psiquiatria no Brasil  seguiu, quase passo a passo, as grandes etapas e os importantes progressos do movimento psiquiátrico, notadamente francês, alemão, e, numa proporção menos importante, a norte-americana. É verdade que esta última adquiriu uma influência  maior nos últimos tempos, graças sobretudo à escola dita culturalista norte americana, tanto psiquiátrica como psicanalítica. Os livros dos autores pertencendo às ditas escolas (:Karen Horney, Erich Fromm, Clara Thompson, Sullivan) , traduzidos em português depois dum certo tempo, tiveram um grande sucesso  p­úblico e uma não menos importante entrada nos meios psiquiátricos.

Por razões de métodos, abordaremos nêste trabalho, somente a influência exercida pela psiquiatria francêsa no Brasil, deixando para uma outra ocasião, a contribuição da psiquiatria da Alemanha e uma mais justa apreciação  da influência americana.

Como assinalou Mauricio de Medeiros, a influência proveniente da França foi muito importante : assim, em seguida ao famoso gesto de Philipe  Pinel(lhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Philippe_Pinel), libertando os doentes das cadeias  que êle acompanhava na Salpetrière, Sigaud, médico francês residindo no Brasil, escrevia  num jornal médico um artigo que se tornou histórico, no qual chamava a atenção das autoridades sobre o espetáculo insuportável  dos loucos deambulando nas ruas do Rio de Janeiro, sendo alvo dos risos e  brincadeiras  dos vagabundos, levados às vezes a responder assim, cometendo atos de violências e mesmo criminosos.

« Um ano depois, a lei francêsa, datada do 30 de Junho de 1938, sobre a assistência aos alienados, um médico Italiano, De Simoni, lança no Brasil  a idéia da criação dum estabelecimento especial para os cuidados dos doentes mentais, inaugurado oficialmente em 1852 ». Mauricio de Medeiros nota ainda que, a  primeira lei brasileira regulamentando a assistência aos doentes mentais(em 1852), foi nitidamente inspirada pelas idéias de Esquirol.

Tal foi também a opinião de Pacheco e Silva, para quem os trabalhos de Pinel e de Esquirol exerceram, seguramente, uma grande influência no espírito dos alienistas brasileiros, quando êles aconselharam o Imperador do Brasil,pedindo para que fosse construido um hospital psiquiátrico, seguindo as instruções dos dois sábios, que tiveram  suas estátuas colocadas  na entrada do hospital Pedro II  com o nome do imperador.

Pacheco e Silva assinalam ainda que, « antes da Primeira guerra mundial, a psiquiatria francêsa dominava no Brasil e noutros paises.Para maiores detalhes  ,êles recomendam aos leitores  os trabalhos já mencionados mais acima, e tambem os de Yahn Mário. Quero citar tambem a existência  crescente do número de psiquiatras e de psicólogos brasileiros na França,

Pacheco e Silva disseram   ainda  que, ‘’ antes da primeira guerra mundial, a psiquiatria francêsa predominava nas escolas médicas brasileiras ».

Seria ultrapassar todos os limites que nos obriga êste trabalho, que o de analisar a influência das mais importantes idéias representativas da psiquiatria francêsa no Brasil. Para  mais detalhes,  aconselhamos ao leitor, os trabalhos já mencionados mais acima e igualmente os de Mario Yahn :e queremos acrescentar que a presença crescente do número de psiquiatras e psicólogos brasileiros na França, naquela época ,1968,com o objetivo dum aperfeiçoamento  nas suas especialidades, testemunham duma influência que não pode ser negligenciada.

Para terminar  provisioramente êste trabalho, assinalamos três etapas importantes da história da psiquiatria no Brasil : a criação em Março de 1881, nas Faculdades de medicina do Rio e da Bahia, das cadeiras das doenças nervosas e mentais, o ensino da psiquiatria ganhando progressivamente outros Estados do Brasil, que começaram a aplicar on novos métodos psiquiátricos.

Sobre êste assunto, Mário Yahn mostrou como a malariaterapia, a insulina, o cardiazol, o eletrochoque e a psicocirurgia, aplicados muito cedo no Brasil , de maneira isolada ou combinada, despertaram muitas esperanças nos psiquiatras brasileiros « pelas perspectivas prometedoras que elas pareciam trazer ».

A terceira etapa é a das importantes descobertas realizadas pelo emprego da psicofarmacologia, as quais modificaram no Brasil como por toda parte, os métodos do tratamento psiquiátrico.

Segunda parte

Resumo da hist­ória da psicanálise no Brasil , trabalho de Prado Galvão.

Um fato interessante na história do movimento psicanalítico no Brasil, foi a influência exercida pela psiquiatria dita oficial, representada no nosso país pelo professor Franco Da Rocha, titular da cadeira de Psiquiatria da  Faculdade de Medicina de São Paulo.

De fato, numa conferência dada em 1919 sobre o tema do delirio, Franco da Rocha falou sobre a importância dos trabalhos de Sigmund Freud para a compreensão do delirio, dos sonhos e da criação literária. Ao tomar conhecimento desta conferência, um médico de São Paulo, o doutor Durval Marcondes,que minha analista e psicóloga a senhora Elsa Hawelka conhecia muito bem, começou a se interessar pela psicanálise, e fundou, em 1927, a primeira sociedade brasileira de psicanálise, cujo presidente foi o psiquiatra da Rocha. Freud falou dêste acontecimento numa carta  endereçada a Sandor Ferenczi, em 4 de Janeiro de 1928.

Um ano depois, no Rio de Janeiro, foi criada uma secção desta sociedade. Mais uma vez, o primeiro presidente foi um célebre psiquiatra brasileiro, o Professor Moreira.

Alguns  anos depois, em 1931, foram publicadas em português, as Cinco Lições sobre a Psicanálise, de Freud. E, em 1937, em São Paulo, foi criado o primeiro centro de formação de psicanalistas na América Latina.

Para tanto, poude-se contar com a influência da doutoura Lucy Koch, membro da Sociedade Psicanalítica de Berlim,  que foi obrigada a deixar seu país para escapar às perseguições sofridas pelos Judeus, organizadas pelos nazistas de Adolf Hitler, em 1945.

Foi no Congresso Psicanalítico Internacional de Mariembad, que os Doutores Ernest Jones e Oto Fenichel, concederam a Lucy Koch, o direito de trabalhar como analista didática no Brasil.

Em 1944, a Sociedade Brasileira foi reconhecida provisoriamente pela sociedade internacional, e,em 1951, o reconhecimento definitivo lhe foi dado.

Naquela época, o movimento psicanalítico no Brasil compreendia 4 sociedades : duas no Rio, uma em São Paulo e uma em Porto Alegre.

 

2.INTERCÂMBIO DE MENSAGENS COM AFFONSO BARROS DE ALMEIDA, Psiquiatra e psicanalista pernambucano, e meu colega de turma.

Primeira parte,

Caro Eliezer,

De inicio, obrigado pela generosa dedicatória. Mas, que história é essa de professor?!?

O nome completo de nosso mestre Zé Lucena é José Cavalcanti Lucena da Motta Silveira.

Eu comecei o meu estágio em Paris, no Serviço de Georges Daumézon, em 1965.

Lembro que fomos discípulos do Mestre Lucena, em cujo Serviço de Psiquiatria do Hospital Pedro II, nos anos de 1960, nos iniciamos na profissão como estagiários. Você precisa, como autor do artigo, se identificar profissionalmente.

Bom, eis algumas parcas observações, após a primeira leitura do seu importante e excelente artigo.

Fraternal abraço.

Affonso.

Intercâmbio de mensagens com Affonso Barros de Almeida

29/06/07

 

Caríssimo amigo Eliezer,

A tese de José Lucena, preparada, em parte, no Serviço de doutor e professor Georges Daumézon, versou sobre ” O campo da consciência após o choque insulínico”. Não sei se o título foi exatamente esse, mas o tema abordado, foi.

O professor José Otávio da Motta Silveira, não fez nenhuma estadia na França, mas participou de Congressos internacionais na Europa, inclusive em Paris. Conta-se que falava bem francês e que conhecia muito bem os trabalhos de  Henry Ey e de Georges Daumézon, afora os dos psiquiatras que antecederam e influenciaram os dois.

Eu tive o privilégio de “preparar a sua cama”, no Serviço de Daumézon,  que soube, por meu intermédio, da simpatia do Mestre Lucena por você, e com quem cheguei a conversar algumas vezes sobre o mesmo, quando o Mestre Daumézon me transmitiu possuir admiração e deferência por Lucena.

Assim, na verdade, quem lhe abriu as portas do Henri Rousselle foi Zé Lucena, eu fui, apenas, intermediário. Esse fato foi mais um, dentre outros, que desagradou o psicólogo José Lins, o qual, não sabendo nada de psiquiatria, dizia-se discípulo do Mestre Lucena. Na verdade, antes de se interessar pela psicanálise, foi gastroenterologista, tendo “migrado” do Serviço de Arnaldo Marques para a Clínica Psiquiátrica do Pedro II em Recife.

Você está me tornando nostálgico. Lembras que eu fui o único brasileiro da “confraria” a te receber em Orly, em 1967? Lembras quem estava comigo e para onde tu fostes levado?

Fraternal abraço, Affonso.

29/09/07

Oi Eliezer,

Hoje, no Recife, existem pelo menos três “Grupos de Instituições e de Psicanalistas”: Os Freudianos, os Lacanianos e os Carusianos”.

O casal Lins de Almeida, quando chegou no Recife (1969/1970), apresentou-se como “detentor” do saber psicanalítico. Na verdade, o interêsse, sobretudo do Zé Lins, era “mercadológico” e não doutrinário. O Zé Lins, apresentou-se,  na época, com o apoio dos psiquiatras cariocas, como “analista didata”… … …!!!????

Você já se peguntou porquê o “Comité Católico contra a fome e para o desenvolvimento ” deu apoio a esse projeto?

Eu já, mas ainda não tenho resposta!

Como você sabe, cheguei no Recife, após o Zé Lins, e não foi fácil me fazer reconhecer. Mesmo assim, “briguei” pela criação do nosso “Centro de Psicanálise”.

Ivanise Ribeiro, atual Presidente da “Sociedade”, nunca foi aceita pelo “grupo” do Zé Lins, embora tenha sido uma das pioneiras.

Muitos membros dos três “Centros”, se “iniciaram” comigo, o que me deixa muito tranquilo… … …!

Aguardando a sua réplica, fraternal abraço do amigo. Affonso.

Oi Affonso,

Você tem razão, ao falar de História oficial para designar os revisinonistas que reescrevem os fatos passados,  mesmo quando são baseados não somente em palavras proferidas por testemunhas auditivas e oculares, mas que recusam até os arquivos conservados, como  os filmes que mostram a realidade dos acontecimentos. Assim, aqui na França, como em outros lugares, ‘’historiadores’’, políticos de extrema-direita, saudosistas hitlerianos, chegam a negar até mesmo a existência dos Campos de concentração nazistas, por conseguinte o próprio genocídio dos judeus!.

No que diz respeito à história da Sociedade de Psicanálise de Recife, guardadas todas as proporções, percebemos, por razões diversas, que deveriam ser esclarecidas, a mesma tendência negacionista : recusar, deformar, esquecer,  digamos ‘’pequenos detalhes’’, como a sua participação  na criação do ‘’Núcleo de Psicanálise’’ de Recife, ou  quando não me  informaram  sobre o  acordo passado com o Comité Catholique Contre la Faim et pour le dévellopement”(Comité Católico contra a fome e pelo desenvolvimento).

Em recente trabalho que li na internete sobre a ‘’História da Psicanálise Brasileira’’, os autores,  não somente privilegiaram a corrente lacaniana, deixando apenas migalhas aos freudianos, mas disseram  bobagens em certas ocasiões, mostrando-se tendenciosos em todas as circunstâncias.Por exemplo, escreveram que as primeiras traduções das Obras Completas de Freud em português(editora Delta), foram muito boas e causaram a admiração  dos analistas brasileiros. Ora, Dona Elza Hawelka, nossa analista e membro da APF(Associação Psicanalitica da França) , deu-me de presente dois volumes dessa edição, traduzidos por pessoas  cuja língua materna não era o português, Ela escreveu com um  lapis  muitas observações e  mostrou os frequentes enganos gramaticais  que aparecem em vários artigos dos dois volumes. Ela quis mostrar ainda que se trata duma tradução do espanhol e não do original alemão. E citou  exemplos para provar o que disse: consultou a edição espanhola e a comparou com a portuguêsa. Resultado, encontrou os mesmos  enganos, as mesmas lacunas nas duas traduções, exatamente nos mesmos lugares e passagens,  provando  assim que se tratava duma tradução da tradução espanhola !!

Ainda sobre a criação  do Centro de Recife : eu não sabia que Daniel Lagache, psiquiatra e psicanalista que analisou Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, entre outros, havia desempenhado o papel que você lembrou. Sei que Daniel Widlocher, também analisado por  Lagache e Serge Lebovici( respectivamente secretário e presidente da Associação Psicanalitica Internacional, na época) estiveram em Recife, e acho que foram os dois que  reconheceram oficialmente a sociedade recifense de psicanálise. Lucia, esposa de José lins,  não fez uma supervisão com  Lagache ?

Outra coisa : fiquei decepcionado com Ivanise Ribeiro, a qual, em sua casa, disse estar interessada em fazer um trabalho sobre a história da psicanálise pernambucana e fingiu mostrar-se  interessada quando eu lhe disse haver  escrito um artigo,  à pedido de Georges Daumézon :‘’A penetração dos conceitos psicanaliticos na semiologia psiquiátrica no Brasil’’. Trocamos nossos e mails e  escrevi duas vezes a Ivanise, que nunca me respondeu !!!

Eu também não entendo porque você nunca me respondeu sobre a possibilidade de conversarmos pelo MSN, o que faço com amigos e familiares pelo Brasil afora.

É  facílimo, prático e gratuito !! Abraços.

Seu amigo Eliezer

21/09/07

Oi Eliezer,

A História Oficial da Psicanálise no Recife, não faz nenhma alusão ao Paris dos anos 60, nem a Dona Elza Ribeiro Hawelka. Como sabes, foi naquela época que um pequeno grupo de recifenses partiu para Paris, com o apoio do Comité Catholique. Dona Elza foi analista de alguns. Um “Documento de Compromisso” com o “Comité”, foi assinado por todos, exceto por você, para que na volta para o Brasil, todos ficassem no Recife.! É preciso lembrar que Dona Elza conseguiu o apoio de Daniel LAGACHE para o nosso projeto… …

Nos anos de 1970, na minha casa da Martins Pereira, fizemos reuniões com a presença do casal José e Lucia Lins de Almeida, Edilnete, Eldione e Paulo Sette, o qual, embora não psicanalista, apoiava o nosso projeto de criação dum”Centro de Psicanálise” no Recife. José Lins, matreiramente, mantinha “por fora” contactos com a Sociedade do Rio de Janeiro. Os cariocas demonstraram grande entusiasmo pelo nosso projeto e, logo enviaram para Recife, uma “equipe” para nos conhecer e entrevistar possíveis novos candidatos médicos. Nos anos de 1960, no Brasil, só poderia ser candidato a psicanalista profissionais médicos… …!?! O que provocou um grande descontentamento dos profissionais psicólogos. E o meu tambem, o que causou um grande “conflito”.

Nas minhas conversas com os profissionais do Rio, logo me apercebi porque se interessavam pelo “mercado” recifense. Um dos quais, imagine, chegou a me perguntar o custo duma sessão aqui no Recife! Eu respondi que, na minha opinião, nas entrevistas preliminares, o custo era o último item a ser considerado, e que eu não era vendedor de “Coca Cola”… … Ele replicou : no Rio, eu estipulo o custo  da sessão, e quem não puder pagar…  Falou, igualmente, sobre a miséria da Região e perguntou :onde estão os uzineiros daquí? Eu não respondi e não aceitei fazer parte dum tal “grupelho”.

A atual Presidente da Sociedade de Psicanálise do Recife é Ivanise Ribeiro, que jantou aqui na nossa casa contigo e Maria do Carmo Camarotti. Abraços , Affonso.

Oi, Affonso,
Em caracteres pretos, seguem meus comentarios em resposta ao que você escreveu.
Abraços Eliezer

Eliezer escreveu :

Carissimo amigo,

Penso que documentar, através dum artigo por exemplo, as origens da psicanálise em Pernambuco, seria uma boa contribuição para a história do “movimento” em nosso Estado.

Não é fácil responder a pergunta “por que escolhemos Paris?”

Quais as motivações de cada um e as circunstâncias do ano de 1964 (o Golpe militar, que derrubou o presidente João Goulart),para a  escolha de Paris? Qual o papel de José Lins e de Lucia Lins? O que levou o « Comité Catholique contre la faim et pour le Développement » a apoiar financeiramente a formação psicanalítica desse Grupo?

Talvez por causa das relações que tinhamos com a psiquiatria francêsa,que marcou toda a história da psiquiatria brasileira, inclusive até  a classificação das doenças mentais, inteiramente adotada em 1949.  Eu mesmo comprei na época de meu estágio no serviço de José Lucena, o  Manuel de Psychiatrie de Henry Ey.  Othon Bastos , que assumiu o cargo outrora exercido por Lucena, havia feito um pequeno estágio com Henry Ey e isto também nos influenciou. Para mim, houve também a necessidade de deixar o Brasil: o amigo deve saber que fui enquadrado na lei de Segurança Nacional, por causa de minhas opiniões políticas, quando fui eleito Presidente do diretório da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco. A psicanálise francêsa, também era para mim bem conhecida. E havia aquêle padre -esqueci seu nome -que trabalhava no serviço de Lucena e tinha contacto com o « Comité Catholique Contre La Faim et pour le Développement ».Foi êle que obteve a minha bolsa. A necessidade de fazer uma análise me veio ainda por razões neuróticas e a ilusão de que 6 mêses de análise me bastariam para curar os sintomas!!!

Aliás, não de todo o Grupo, pois você, por exemplo, contra a minha vontade, foi impedido de entrar na “confraria”. Sei da existência dum documento entregue ao Comité, em Paris,o qual eu subscrevi juntamente com José Lins, Lucia Lins, Ivone, Carlos Augusto Nicéas de Almeida, Zeferino Rocha, dentre outros, que apresentava uma proposta de formação psicanalitica desse grupo que, no momento adequado, deveria retornar ao Recife. Infelizmente, não fiquei com uma cópia desse documento( o Zé Lins com certeza ficou!) mas ele pode ser encontrado na sede do Comité em Paris.

ELIEZER :Porque me impediram o acesso à « confraria » (associação laica que funciona sob principios religiosos, fundada por pessoas piedosas que se comprometem a realizar conjuntamente práticas caritativas, assistenciais, etc. ?) Eu ignorava isso: teria sido porque eu  era protestante? Ou teria havido motivos mesquinhos? Ou porque, sendo casado com uma Francêsa (A Psicóloga Marie Danièlle Bonamour Du Tartre),  deduziram que eu não voltaria para o Brasil (mas na época eu pensava o contrário).
O papel de Dona Elza Ribeiro Hawelka,  em cujo divan deitamos nós e também Lúcia Lins e Carlos Augusto Nicéas de Almeida, dentre outros, foi importante. Por que Lagache apoiou tanto esse Grupo? Eu estive, pessoalmente com êle, sobretudo no ano de minha volta para Recife, quando me estimulou muito na minha tarefa de “pioneiro”. Lagache apoiou o grupo por causa das qualidades das pessoas citadas. E porque Dona Elza era assistente dêle e colaborou com o Vocabulaire de La Psychanalyse.Ela  era amiga de Marianne Lagache, esposa de Daniel Lagache.

Naquela época, como  sabes, já existia a “diáspora” Lagache/Lacan e alguns do nosso Grupo migraram para a “Escola” Lacaniana: Zeferino e José Lins, por exemplo.

Eliezer : eu Ignorava que Zeferino e Zé Lins tivessem migrado para a escola lacaniana.
Pensei que Zeferino tinha virado “carusiano”. Mas os dois migrantes mais significativos foram Carlos Nicéas e Paulo Siqueira. Imagine Nicéas: análise com Hawelka e Lagache, adversários ferrenhos de Lacan!! E Paulo Siqueira, que virou “milleriano” (de Miller, o genro de Lacan) fanático, após haver feito  análise com Guy Rosolato (que trocou Lacan e foi para a Associação Psicanalítica da França, onde Paulo Siqueira  e eu estávamos). Paulo fez tambem controle com Jean-Betrand Pontalis e com Victor Smirnoff, da APF, e também pertenceu, quando estudante, ao Partido Comunista!! De modo que transferiu as crenças e convicções  do Partidão ao lacanismo milleriano!!! Carlos Augusto Nicéas teria feito isso por moda?

Como você vê, sem entrar em considerações pessoais, financeiras, de moda, etc., a  questão de pertencer a uma sociedade de psicanálise, de mudar de referências teóricas é interessante e merece reflexão.  Abraços Eliezer

Não concordo com você quanto a palavra filiação, mas não uma filiação a uma Instituição psicanalítica(“mal necessário”) ,mas a psicanálise como experiência de vida, como referencial para uma aproximação do conhecimento do homem e do mundo, e que nos possibilita um renascer.

Quanto a genealogia, a identificação dos nossos antepassados, dos casamentos e das sucessivas gerações que nos ligam aos nossos ancestrais, muito contribui, sem dúvida, para o entendimento da nossa filiação.

Aguardando retorno,fraternal abraço Affonso.

De Eliezer de hollanda Para: affonso barros

Outubro 11, 2006 3:56 PM

Assunto: Filiações

Ilustrissimo amigo,
A mensagem que acabo de escrever a Fernando Rocha lhe concerne também, pois êle foi, como você,  um ator importante da aventura parisiense. É, para mim, o mais importante.
Diga-me o que você acha e se você pensa que o argumento mais abaixo poderia dar lugar a alguma coisa escrita. Abaços Eliezer


Filiações psicanaliticas

Fernando Rocha

Sobre o assunto de que lhe falei outro dia e que agora retomo, o argumento poderia ser: A questão da filiação em psicanálise,  através  de alguns aspectos do  percurso de colegas pernambucanos que fizeram análise pessoal, supervisões e formação em Paris. Por que deixamos o Brasil? Por que escolhemos Paris? Por que optamos por  tal ou tal analista, tal ou tal sociedade? Por que a  psicanálise da criança, do adulto, grupal…? Por que alguns fizeram a formação até o fim, e outros não? Por que o interesse por Freud, M. Klein, Lacan, Winnicott…? Porque alguns  passaram  da psicanálise freudiana ortodoxa ao revisionismo lacaniano?

A palavra filiação suscita interrogações semânticas diversas. Por que não empregar o termo  genealogia, por exemplo ? Após reflexão, preferi empregar filiação, que comporta várias significações, segundo o dicionário ROBERT. Retenho apenas duas: « Laço de parentesco unindo a criança a seu pai ou à sua mãe » (filiação paternal e maternal); o segundo sentido  é o de ligação,  junção, vinculação,  que encontramos no francês liaison e no inglês link. Falar de minha filiação à uma sociedade de psicanálise freudiana é falar de meus vínculos com essa sociedade.

Mas é importante guardarmos a noção de genealogia, que não quero abordar agora.

Qual seria o interesse dum trabalho semelhante ? Não seria uma maneira de observar a evolução do movimento psicanalítico internacional, a partir desta experiência particular dum grupo  de brasileiros em Paris?  Que pensa o amigo, um dos atores desta aventura singular?  Abraços, Eliezer

2. A Importância da psicanálise na semiologia psiquiátrica no Brasil.

A História da psiquiatria no Brasil seguiu, quase passa a passo, as grandes etapas e os grandes progressos do movimento psiquiátrico, notadamente françês, alemão, e, numa proporção menos importante, a norte-americana. É verdade que esta última adquiriu uma importância maior nos últimos tempos, graças sobretudo à escola dita culturalista americana( tanto psiquiátrica como psicanalítica) . Os livros dos autores pertencendo às ditas escolas : Karen Horney,Erick Fromm, Clara Thompsom, Sullivan, traduzidos em português, desde um certo tempo, tiveram um importante sucesso público, e um não menos importante nos meios psiquiátricos.

Por razões de métodos, abordaremos nêste trabalho, unicamente, a influência exercida pela psiquiatria francêsa no Brasil, deixando para uma outra ocasião, a contribuição da psiquiatria alemã, e uma mais justa apreciação da influência americana.

Como assinalou Mauricio de Medeiros, a influência vinda da França foi muito importante : assim, ao famoso gesto de Philippe Pinel, libertando os doentes das cadeias, dos quais eram responsaveis na Salpétrière, Sigaud, médico françês residindo no Brasil, escreveu num jornal editado por médicos, um artigo que se tornou célebre, no qual êle chamava a atenção das autoridades sobre o espetáculo insuportavel dos loucos deambulando pelas ruas do Rio de Janeiro, servindo de alvo pelos risos e brincadeiras dos vagabundos, levados às vezes a responder coma tos de violênciase até mesmo criminosos.

« Um ano depois da lei fracêsa datada do 30 de junho de 1938, sobre a assistência aos alienados, um médico de origem italiana, Di SIMONI, lança no  a idéia da criação dum estabelecimento especial para os cuidados dos doentes mentais, estabelecimento inaugurado oficialmente em 1852 ». Mauricio de Medeiros nota ainda que a primeira lei brasileira regulamentando a assistência aos doentes mentais (em 1852) , foi nitidamente inspirada pelas idéias de Esquirol.

Tal foi tambem a opinião de Pacheco e Silva, para quem a obra de Pinel e de Esquirol, exerceram seguramente uma grande influência no espirito dos alienistas brasileiros.

 

 

 

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