Walmor J. Piccinini (edição)
Como editor da Psiquiatria Online organizei os mais de mil artigos publicados num banco de dados utilizando o ProCite. O objetivo principal é de preservar a rica produção científica dos nossos colaboradores. Sempre que possível vou trazer para pesquisa dos nossos leitores temas que podem ter passado sem o destaque necessário. Um dos nossos colaboradores, o Dr. Quirino Cordeiro assumiu a Coordenação de saúde Mental do Ministério da Saúde e como consequência perdemos seus artigos mensais de grande interesse para a prática clínica de todo psiquiatra. Vamos apresentar algumas questões que ele e a Dra. Hilda Morana levantaram ao longo do tempo da Psiquiatria Online.
Questão 1. A AUTONOMIA DO MÉDICO NO ATO PERICIAL (https://www.polbr.med.br/ano14/for0514.php)
Resposta: No entanto, vale a pena lembrar que o perito deve atentar para alguns pontos que podem estar envolvidos em seu ato médico pericial nessa situação. A garantia da intimidade e o respeito ao periciando devem ser sempre observados. Assim, é importante remeter ao Parecer CFM No. 9/06, que apresenta o seguinte texto: “(…) a intimidade do ser humano deve ser sempre respeitada. O pudor também. Se a presença de outras pessoas, aqui incluídos os procuradores, sindicalistas, representantes patronais, puder, de qualquer forma, constranger a pessoa a ser submetida a exame, é dever inalienável de o médico perito exigir a privacidade do ato”. Desse modo, situações de pressão, constrangimentos e coação devem ser sempre repelidas pelo médico perito.
Questão 2. DELEGADOS DE POLÍCIA NÃO PODEM TER ACESSO A PRONTUÁRIOS MÉDICOS
(https://www.polbr.med.br/ano14/for0314.php)
Resposta: CREMESP entende que a Lei No. 12.830/13 não conferiu os poderes necessários ao Delegado de Polícia para, no curso do inquérito policial, requisitar a entrega de documentos médicos, protegidos tanto pelo segredo profissional quanto pelo direito à intimidade.
Questão 3. FALSEAMENTO DE DIAGNÓSTICO MÉDICO PARA QUE PACIENTE OBTENHA MEDICAÇÃO DE ALTO CUSTO PELO SUS (https://www.polbr.med.br/ano14/for1114.php)
Resposta: O CREMESP, por meio de seu conselheiro-relator, Dr. Mauro Gomes Aranha de Lima, foi bastante claro em sua resposta: “o médico, embora imbuído do dever de obter o melhor para o seu paciente, não pode falsear diagnóstico para tal, isto é, fazer corresponder determinado diagnóstico que não corresponda de fato ao paciente em questão, já incorrendo em infração ao artigo 80 do atual Código de Ética Médica… Segundo parecer exarado nos autos da Consulta nº 65.876/08, deste Conselho de Medicina, existem órgãos Federais ou Estaduais a quem cabe à atualização das listas de medicamentos para cada uma das doenças existentes, devendo obedecer à pertinência técnica da indicação farmacológica e o interesse coletivo quanto à distribuição equitativa de recursos”. Apenas para ressaltar o Artigo do Código de Ética Médica, que foi evocado no referido Parecer do CREMESP, o mesmo encontra-se no Capítulo X do Código, que versa sobre “Documentos Médicos”: “É vedado ao médico expedir documento médico sem ter praticado ato profissional que o justifique, que seja tendencioso ou que não corresponda à verdade” (2).
Diante, então, do exposto acima, em que pese a boa-vontade do médico em ajudar seu paciente, o mesmo não pode, para tanto, falsear documento médico, sob pena de ser responsabilizado tanto administrativamente, junto ao CREMESP, como criminalmente, diante da Justiça comum.
Questão 4. MÉDICOS DEVEM FORNECER PRONTUÁRIOS DE PACIENTES MORTOS A SEUS FAMILIARES.
(https://www.polbr.med.br/ano14/for0814. php)
Resposta No final de março do presente ano de 2014, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou recomendação aos médicos acerca do fornecimento de prontuários de pacientes mortos a seus familiares (Recomendação CFM No. 3/14). A referida publicação tem o seguinte texto: “Recomenda-se: Art. 1º – Que os médicos e instituições de tratamento médico, clínico, ambulatorial ou hospitalar: a) forneçam, quando solicitados pelo cônjuge/companheiro sobrevivente do paciente morto, e sucessivamente pelos sucessores legítimos do paciente em linha reta, ou colaterais até o quarto grau, os prontuários médicos do paciente falecido: desde que documentalmente comprovado o vínculo familiar e observada a ordem de vocação hereditária, e b) informem os pacientes acerca da necessidade de manifestação expressa da objeção à divulgação do seu prontuário médico após a sua morte”.
No entanto, juntamente com a Recomendação supracitada, o CFM publicou texto fundamentando e explicando o teor de tal decisão. Isso porque, em publicações anteriores, o CFM sempre orientou que os médicos não deveriam fornecer prontuário de pacientes mortos a seus familiares. Tal posicionamento decorre do entendimento do CFM de que o sigilo e a intimidade do paciente devem ser preservados mesmo após seu falecimento. Assim, no Parecer CFM No. 6/10, publicado em fevereiro de 2010, o Conselho orientava os médicos do seguinte modo: “o prontuário médico de paciente falecido não deve ser liberado diretamente aos parentes do “de cujus”, sucessores ou não. A liberação apenas deve ocorrer: 1) Por ordem judicial, para análise do perito nomeado em juízo; 2) Por requisição do CFM ou de CRM, conforme expresso no artigo 6° da Resolução CFM n° 1.605/00”. Seguindo essa mesma linha, o CFM publicou no ano de 2012 a Nota Técnica do Setor Jurídico No. 2/12, que também orientava os médicos a não fornecerem prontuários de pacientes mortos a seus familiares. A conclusão da referida Nota Técnica foi a seguinte: “i) o conteúdo dos prontuários médicos não pode ser revelado sem que haja autorização do paciente ou com a anuência do Conselho Regional de Medicina, nos exatos termos da Resolução CFM n.º 1605/2000; ii) no caso de investigação criminal os prontuários serão colocados à disposição da Justiça para perícia, conforme precedentes do STF; iii) nos casos em que não houver a autorização do paciente, caberá ao Conselho Regional Medicina da jurisdição julgar a conveniência e a oportunidade de encaminhar ou não os prontuários solicitados, posto que a apuração de delitos éticos cabe àquele Conselho; iv) não existe ilegalidade no parecer CFM n.º 06/2010, pois o CFM busca preservar o sigilo médico e a intimidade do paciente, inclusive do morto, pois não há dúvidas de que a intimidade possui caráter personalíssimo e instransponível”.
Contudo, em que pese o posicionamento claro do CFM sobre o tema, suas decisões estão sendo objeto de discussão judicial, o que acarretou a concessão parcial de tutela antecipada nos seguintes moldes: “… defiro em parte medida antecipatória, para determinar ao Conselho Federal de Medicina que, no prazo de 10 (dez) dias, adote as devidas providências de orientação aos profissionais médicos e instituições de tratamento médico, clínico, ambulatorial ou hospitalar no sentido de: a) fornecerem, quando solicitados pelo cônjuge/companheiro sobrevivente do paciente morto, e sucessivamente pelos sucessores legítimos do paciente em linha reta, ou colaterais até o quarto grau, os prontuários médicos do paciente falecido: desde que- documentalmente comprovado o vínculo familiar e observada a ordem de vocação hereditária; b) informarem aos pacientes acerca da necessidade de manifestação expressa da objeção à divulgação do seu prontuário médico após a sua morte. Fixo em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a multa diária para o caso de descumprimento da presente medida, sem prejuízo das sanções penais e administrativas aplicáveis ao presidente da entidade em caso de descumprimento, inclusive no que tange à configuração de ato de improbidade administrativa”.
Assim, diante da decisão judicial acima, o CFM foi forçado a publicar a Recomendação CFM No. 3/14, orientando os médicos a fornecerem, quando solicitado, prontuário de pacientes mortos a seus familiares. No entanto, ainda no texto que fundamenta sua decisão, o Conselho esclarece que defende a ideia de que o sigilo médico e a intimidade do paciente devem ser respeitados, mesmo depois do falecimento do paciente, e que o fornecimento prontuário deve ocorrer apenas em observância ao Código de Ética Médica e à Resolução CFM n.º 1605/2000. Entretanto, esclarece ainda que, visando dar imediato cumprimento à aludida decisão judicial, acabou publicando a Recomendação CFM No. 3/14 para esclarecer e orientar os médicos e as instituições hospitalares acerca do tema. Para finalizar, o CFM informa também que está buscando a reforma da decisão judicial liminar em questão junto ao egrégio TRF 1ª Região (Agravo de Instrumento nº 0015632-13.2014.4.01.0000). Porém, até decisão em contrário, vale a Recomendação CFM No. 3/14, ora publicada.
Questão 5. PACIENTE PRESO OU INTERNADO EM MEDIDA DE SEGURANÇA TEM DIREITO DE ACESSO AO SEU PRONTUÁRIO MÉDICO
(https://www.polbr.med.br/ano14/for1014.php)
Resposta: Assim sendo, o fato de o paciente estar preso não modifica seu direito de ter acesso ao seu prontuário médico. Aos presos são assegurados todos os direitos não afetados pela sua sentença penal condenatória. O Artigo 38 do Código Penal traz o seguinte texto: “o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral”. A Lei de Execução Penal acaba englobando também o paciente em medida de segurança como detentor de direitos que não são restringidos pela lei: “Art. 3º: Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”. Reforçando ainda mais esse entendimento, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas aprovou o “Conjunto de Princípios para a Proteção de todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão”, no qual declara em seu Princípio 26 que “o fato de a pessoa detida ou presa ser submetida a um exame médico, o nome do médico e dos resultados do referido exame devem ser devidamente registrados. O acesso a esses registros deve ser garantido, sendo-o nos termos das normas pertinentes do direito interno”.
A única dúvida que poderia ainda surgir é se o paciente com transtorno mental apresenta condições de ter acesso às suas informações médicas, em virtude de questões relacionadas ao seu quadro clínico. Sobre isso, o CFM manifestou-se na Resolução 1.598/00: “Art. 14 – os pacientes psiquiátricos têm direito de acesso às informações a si concernentes, inclusive as do prontuário, desde que tal fato não cause dano a si próprio ou a outrem”. Desse modo, o quadro psiquiátrico do paciente não necessariamente será um fator impeditivo para que ele possa acessar seu prontuário médico.
Estas são algumas das questões que os nossos Peritos Quirino Cordeiro e Hilda C.Penteado Morana levantaram e responderam e servem de orientação a todo perito forense e/ou psiquiatra clínico. O Prontuário Médico é de importância crucial no atendimento médico psiquiátrico e deve ser escrito com muita sobriedade. Aos meus alunos recomendo que se lembrem de que o prontuário pertence ao paciente e fica sob guarda do médico e que poderá ser solicitado pelo juiz ou pelo próprio paciente. Colocar somente as informações essenciais, detalhes íntimos que não são necessários para o tratamento, devem ser evitados. Sobriedade deve ser uma regra.