Clara Ester Trahtman*

Uma das principais características do ser humano e diferença das demais espécies é sua capacidade de pensar, falar, seu aspecto corporal, (nível interno e externo) e uma evolução em relação ao resto das espécies.

A neurobiologia interpessoal tem como pressuposto básico que o cérebro é um órgão social, construído através da experiência.

Qualquer relacionamento significativo pode reativar processos neuroplásticos e mudar a estrutura do cérebro.

O homo sapiens pertence a uma linhagem de primatas conhecidos como hominídeos que evolutivamente se diferenciou na África. Assim pode realizar operações conceituais e simbólicas muito complexas, sistemas linguísticos sofisticados, abstrações, capacidade de introspecção e investigação ou especulação.

Isto ocorreu porque o tamanho de seu cérebro aumentou, principalmente o desenvolvimento do lobo frontal.

As pesquisas sugerem que o cérebro responde às influências ambientais, pela alteração da expressão do gene e que a psicoterapia tem efeitos específicos no mesmo. Sugere também que a memória implícita pode se modificar através da psicoterapia.

A psicoterapia é um método de tratamento realizado por um profissional treinado, com a finalidade de reduzir ou remover um problema ou transtorno definido de um paciente , que deliberadamente busca ajuda. A psicoterapia é realizada em um contexto interpessoal (relação terapêutica) e o principal recurso é a comunicação verbal.

Existem diversos tipos de psicoterapia e as principais na atualidade são:

Psicanálise, Psicoterapia de Orientação Analítica/ Dinâmica, Psicoterapia de Apoio, Psicoterapia Cognitiva, Terapia Comportamental, TCC, Terapia Interpessoal, Psicoterapia de Grupo, Psicoterapia de Família e de Casal.

Cada órgão e tecido do corpo humano está interligado com sistemas (psiconeuroendocrinologico) que lhe dão equilíbrio. E o ser humano está sempre se relacionando com seu ambiente, no qual também estão outros seres humanos.

O ser humano é o resultado de uma herança genética, influências do meio , suas experiências e vivências e tem um grande potencial de aprendizagem e busca de adaptação.

Não somos o resultado apenas da hereditariedade. Os genes podem sofrer diversas modificações, serem inibidos ou ativados. A metilação do DNA leva ao silenciamento gênico; a acetilação de histonas, ativação dos genes, entre outras alterações epigenéticas possíveis.

A epigenética serve como meio de controle das funções de cada gene, de acordo com a célula em que ele está.

Conforme os hábitos de vida e o ambiente social em que o indivíduo está vivenciando podem ocorrer alterações químicas no DNA e nas proteínas que o envolvem, afetando as funções de alguns genes. E assim ocorrem as alterações epigenéticas, que podem ser transmitidas para seus descendentes.

O estresse é definido como um evento que envolve alterações de qualquer natureza, seja bom ou mau, crônico ou repentino, e é considerado o gatilho para o desenvolvimento de diversas doenças, entre elas o transtorno bipolar, TEPT, etc. Há associação entre eventos traumáticos na vida de indivíduos e o aumento no nível do cortisol. O mecanismo induzido pelo estresse proporciona a redução de fatores neurotróficos e diminuição da neurogênese.

O impacto do estresse será maior em pessoas mais vulneráveis, e o desenvolvimento ou não de transtorno psiquiátrico dependerá da resiliência emocional, biológica e psicossocial.

A herança epigenética consiste nas alterações não genéticas que podem ser transmitidas para as gerações futuras, por determinado número de gerações. Durante a formação de um embrião, as marcas epigenéticas deixadas em alguns genes dos pais são transmitidas para seus filhos, podendo provocar mudanças nas funções de alguns genes.

O cérebro humano é imaturo e segue crescendo e se desenvolvendo, após o nascimento.

Portanto, influências positivas do meio ( cuidados e afeto da mãe ou substituta terão como consequência um cérebro mais saudável ) e influências negativas do meio, (maus tratos, abuso sexual e emocional, negligência), terão como consequência um cérebro comprometido ou vulnerável à doença.

Há trabalhos realizados com ratos mostrando como os cuidados maternais pós parto influenciam na expressão gênica dos filhotes quando expostos ao estresse e que o mais importante não é a mãe biológica mas quem cuidou do bebê. Evidenciam modificações benéficas no eixo hipotálamo-pituitária-adrenal(HPA)também em humanos que tiveram mães que foram cuidadoras , isto é, boas mães.

Neste experimento, algumas ratas foram separadas de sua mãe biológicas e depois verificado como elas se comportaram quando se tornaram mães. Todas repetiram o padrão do que receberam em termos de cuidados e não seguiram o comportamento da mãe biológica. Portanto, o modo como foi cuidada foi mais importante que o fator biológico.

Mudanças no comportamento materno alteram a programação epigenética da prole de ratos.

O cuidado materno era medido pela quantidade de lambidas que a rata dispensava ao seu filhote ,o alimentava e lhe dava atenção. Os filhotes negligenciados tinham hiperatividade do eixo HPA. Eram mais estressados.

Os ratos cujas mães foram cuidadosas, alimentando, e lambendo a cria mais vezes e por mais tempo , tiveram desenvolvimento melhor do que os ratos cujas mães não tiveram esta atitude ou o fizeram por pouco tempo , sem muita persistência.

Ratas expostas a choques elétricos no momento em que iriam comer determinado alimento , passaram a ter reações de medo quando lhes apresentavam esta comida. Os filhotes delas, embora não tivessem passado pela mesma situação, também apresentavam as mesmas reações, até a terceira geração.

Nos seres humanos foi feito um estudo demonstrando que no TEPT, as pessoas apresentavam níveis altos de cortisol e diminuição do tamanho do hipocampo. Filhos de mulheres que enquanto estavam grávidas passaram por TEPT, foram examinados e evidenciado que apresentavam níveis altos de cortisol e eram agitadas apesar de não terem passado por traumas após o nascimento.

Em humanos o estresse na infância causa uma maior vulnerabilidade à depressão na idade adulta.

O desenvolvimento cerebral não é determinado apenas por programas genéticos autônomos. Uma consequência destes mecanismos de desenvolvimento é que mesmo irmãos gêmeos monozigóticos terão fenótipos diferentes. Outra consequência é o potencial para alterações patológicas do desenvolvimento normal por agentes físicos, químicos ou infecciosos nos períodos fetal ou neonatal, além da presença ou ausência dos cuidados e afeto da mãe ou cuidadora.

Os dados que sustentam os modelos de interação entre a vulnerabilidade genética e o ambiente são resultantes de estudos de adoção. Para as crianças adotadas de mães com esquizofrenia as adversidades e dinâmica familiar inadequada na casa adotiva aumentavam o risco do transtorno; entretanto tal efeito não é observado em crianças adotadas de mães sadias. Ou mesmo filhos de mães esquizofrênicas em ambientes adequados não desenvolveram a doença.

A neurociência teve que se modificar para dar conta do fato de que não existe um indivíduo isolado, mas apenas em comunidade, em comunicação com os outros e que nosso self está sempre atento ao estado biológico interno dos outros e por eles também sento regulados. Somos criaturas sociais com mentes e cérebros que são partes de organismos maiores chamados famílias, comunidades e cultura.

O neurônio individual ou um cérebro humano sozinho não existem na natureza. A solidão leva à apoptose.

Para nós humanos, as outras pessoas são nosso ambiente primário, portanto fontes de segurança ou estresse.

Tudo o que fazemos (ou não fazemos) muda nosso cérebro.

O cérebro adulto mantém um grau significativo de plasticidade ao longo da vida e mudanças na organização cortical podem ser induzidas por impulsos sensitivos e importantes do ponto de vista comportamental.

Há uma neuroplasticidade química, estrutural e funcional, que podem ser positivas ou negativas.

A epigenética é uma ponte entre o genoma e o meio ambiente, regulando e controlando o genoma e a maneira como os genes funcionam.

O sistema de apego é ao mesmo tempo moldado pela experiência e molda a experiência.

Qualquer relacionamento significativo – amizade, casamento ou psicoterapia, pode reativar processos neuroplásticos e mudar a estrutura do cérebro, dentro de certos limites. Os afetos que são ativados acionam mecanismos neuroplásticos, pois dentro da neurociência os afetos são os representantes dos interesses e necessidades do organismo e os vínculos são a necessidade fundamental para a nossa sobrevivência.

O desenvolvimento do cérebro se dá através dos cuidados parentais.

Há um poder transformador da intimidade. Este mesmo poder é utilizado na psicoterapia, educação e religião.

Pesquisas ( Nessa Carey,2013) , nos apontam que está melhor preparado para as demandas da sociedade moderna , de multitarefas, muitas informações, trabalho e família os indivíduos que receberam cuidados adequados e afeto de suas mães ou substitutas, sobrevivendo melhor.

Há estudos de tratamentos epigenéticos de várias doenças como: câncer, diabetes, artrite reumatoide,asma, etc. Uso de biomarcadores de alterações genéticas; tratamentos com inibidores de modificações genéticas. Há uma tendência a uma medicina mais personalizada.

A psicoterapia também pode ser considerada um tratamento epigenético.

A psicoterapia é eficaz pois através de maior reflexão sobre as experiências vivenciadas, há mudanças de sentimentos e crenças disfuncionais;

Há uma experiência emocional corretiva;

Há um processo de vínculo e sintonia; empatia num complexo sistema social e pessoal. O sofrimento humano ocorre com a quebra desta sincronia, que a psicoterapia pode ajudar e reparar, muitas vezes modificando memórias implícitas;

As pessoas procuram a psicoterapia após tentativas inadequadas de solução de seus problemas , que não condizem ou pouco condizem com sua realidade ou suas aspirações levando a uma ansiedade desproporcional que podem ser modificadas a partir de uma releitura das mesmas;

Através da psicoterapia há mudanças na forma de percepção de determinadas situações, de sentimentos e narrativas. A ansiedade e o sofrimento diminuem, possibilitando a busca de realizações e melhor qualidade de vida, podendo haver alterações epigenéticas saudáveis.

*Médica Psiquiatra, Membro Titular da ABP. Especialista pela ABP/CFM: TEP, TEPsic.; Vice –Coordenadora do departamento de Psicoterapia da ABP; Professora de Psicoterapia do CCYM; Conselheira da AMRIGS.

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