Julho de 2022 – Vol. 27 – Nº 7

Walmor J. Piccinini

Síntese do alienista: O psiquiatra Simão Bacamarte se estabelece na Vila de Itaguaí
e constrói um asilo para loucos, chamado de Casa Verde devido à cor de suas janelas. Do
alto da sua “sabedoria” foi diagnosticando a loucura dos cidadãos e internando-os no
magnífico local. Ao se dar conta que tinha internado toda cidade chegou à conclusão que
ele era o louco, liberou todos os cidadãos e lá se internou. Modernamente, este conto e
esta conclusão se tornaram um libelo contra a moderna psiquiatria, seus diagnósticos e a
internação psiquiátrica. O diagnóstico psiquiátrico, nos seus primórdios, significava a
desgraça do portador e de sua família. Um louco certificado na família, era uma tragédia,
interferia até na possibilidade de casamento de filhas solteiras. Impossibilidade de
conseguir um trabalho e isolamento social. Surgiram as clínicas de nervosos, recuperação
em estações de águas e novas especialidades em torno.

Outra abordagem do Alienista: Machado de Assis é o nosso maior escritor, sua
obra é maravilhosa e foi o fundador da Academia Brasileira de Letras (ABL). Como todo ser
humano cultivava desafetos, um deles foi José da Cruz Jobim, outro foi Lima Barreto. Este
último foi recusado sete vezes nos pedidos para ser aceito na ABL e o motivo não foi por
falta de mérito em sua obra e sim por ser alcoolista com vários internamentos no Hospício.
Um segundo preterido mais modernamente foi Mário Quintana, o maior poeta do Rio
Grande do Sul e um dos maiores do Brasil, e que, também foi recusado por seu passado de
alcoolista.

Resolvi pesquisar sobre o Alienista, primeiro por ser psiquiatra e ficar
desconfortável com as interpretações dadas com ataques constantes contra a psiquiatria.
Não penso que a psiquiatria não mereça ataques, mas com fundamentos. Kraepelin, um
eminente psiquiatra dizia em 2016 que a história da psiquiatria era um “Museu de
Fracassos”. De lá para cá passamos por uma série de tentativas, de início maravilhoso e
que depois se revelaram insuficientes e ineficientes e maleficientes. Só que, em minha
opinião, isto não se deve a psiquiatria em si, mas o nosso desconhecimento do
funcionamento do cérebro. Abre-se uma janela aqui, fecha-se uma porta ali, mas ninguém
pode negar o esforço e a dedicação dos psiquiatras em defesa do doente mental.
Voltando ao Alienista cheguei a uma explicação bastante razoável sobre as origens
do conto e as reais motivações de Machado de Assis. Ele não fazia uma crítica da
psiquiatria, pois na época nem existia psiquiatras no Brasil, existiam os alienistas,
geralmente médicos legistas que cuidavam os moradores dos asilos.

Machado de Assis se envolveu em acre debate com José da Cruz Jobim, ambos do
mesmo partido Conservador, mas um liberal e o outro menos poderia dizer mais
conservador. O motivo foi uma discussão sobre badernas provocadas por estudantes de
direito do Largo de São Francisco em São Paulo. Jobim exigia uma punição exemplar e
Machado defendia que se tratassem os estudantes com benevolência. Eram debates no
parlamento e na imprensa. No final predominou a ideia de Machado e ele se tornou o
ídolo dos estudantes, colaborando inclusive com o jornal deles.

Vinte anos depois da morte de Jobim, Machado de Assis publicou o Alienista. E aí
podemos encontrar coincidências. Jobim tinha uma fazenda em Itaboraí, era homem rico.
Foi o primeiro médico do Hospício Pedro II, seria o alienista número um do Brasil. Ele era
médico legista e é dele o primeiro libelo contra a maneira que os doentes mentais eram
tratados nas prisões. Seu relatório de 1831 sobre loucos nas prisões defendia melhor
cuidado com estas pessoas. Por fim o Hospício era situado em Botafogo, próximo a Praia
vermelha. Temos assim os ingredientes utilizados para a construção do conto.
Independente das suas motivações conscientes ou inconscientes, o conto é uma obra de
arte. O uso político e depreciativo é que me incomodou e já escrevi muito sobre o assunto.
Perguntei ao Acadêmico Rouanet o que ele achava da ideia e ele se mostrou surpreso, me
disse que ninguém tinha feito esta associação. Se alguém pensar algo a favor ou contra,
gostaria de ler ou ouvir.

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