Março de 2022 – Vol. 27 – Nº 3

Walmor J. Piccinini, editor do Psychiatry online Brasil

 

Em 2013, estava em São Francisco no Congresso da Associação Americana de Psiquiatria quando veio a público oficialmente o Diagnostic Statistical Manual 5, a nova “bíblia” da psiquiatria. Ele veio precedido de amplo debate público e os questionamentos internos e externos eram alvo de disputas acirradas. Palavras duras foram ditas por psiquiatras de prestígio como Allen Frances, questionando a amplitude do diagnóstico psiquiátricos onde muitos sofrimentos humanos foram catalogados como novas patologias e com seus respectivos tratamentos. A acusação mais agressiva é de que a psiquiatria tinha se rendido a “bigpharma”.

Em 2014, no Congresso da APA em Nova York, tivemos a conferência de Thomas Insel, todo poderoso diretor do NIMH. No seu primeiro slide afirma que, apesar de todo progresso na genética, no conhecimento dos circuitos cerebrais e novos tratamentos, a estatística mostrava que as grandes patologias apresentavam os mesmos números e o suicídio seguia aumentando. Na ocasião o presidente da APA era o Dr. Jeffrey Lieberman.

Fevereiro de 1922, o mundo ainda enfrenta as conseqüências de uma pandemia, o trabalho psiquiátrico e em geral sofre profundas interferências e a saúde emocional da população preocupa. Maior violência doméstica, abusos de toda ordem, mais suicídios e maior dificuldade em buscar ou ofertar ajuda a quem sofre. Se não bastassem as vicissitudes e traumas habituais, temos em andamento uma guerra que pode ter conseqüências assustadoras para a humanidade.

Nossos personagens reaparecem e foi o motivo de estar escrevendo estas linhas. O primeiro foi Thomas Insel que volta ao assunto da sua fala em 2014 num livro cujo título é: “Healing: Our Path From Mental Illness to Mental Health,” Penguin Press, New York 2022. Segundo o New York Times; Um novo livro do Dr. Thomas P. Insel, que por 13 anos dirigiu a principal instituição de pesquisa em saúde mental dos Estados Unidos, começa com uma espécie de confissão. Durante seu mandato como “psiquiatra da nação”, ele ajudou a alocar US$ 20 bilhões em fundos federais e mudou drasticamente o foco do Instituto Nacional de Saúde Mental da pesquisa comportamental para a neurociência e a genética. “Eu deveria ter sido capaz de nos ajudar a dobrar as curvas da morte e da deficiência”, escreve o Dr. Insel. “Mas eu não fiz.” Dr. Insel, 70, que deixou o N.I.M.H. em 2015, chama os avanços da neurociência dos últimos 20 anos de “espetaculares” – mas nas primeiras páginas de seu novo livro, ele diz que, na maioria das vezes, eles ainda não beneficiaram os pacientes. Seu livro, “Healing: Our Path From Mental Illness to Mental Health”, não é uma acusação da ciência à qual ele dedicou grande parte de sua vida adulta. Em vez disso, narra falhas em praticamente todos os outros elementos do nosso sistema de saúde mental, incluindo a prestação ineficaz de cuidados, a destruição dos serviços de saúde comunitários e a dependência da polícia e das prisões para serviços de crise. Também aponta um paradoxo: que os Estados Unidos, um país que lidera o mundo em gastos com pesquisa médica, também se destaque por seus resultados sombrios em pessoas com doenças mentais. De fato, nas últimas três décadas, mesmo quando o governo investiu bilhões de dólares para entender melhor o cérebro, de acordo com algumas medidas, esses resultados se deterioraram. Durante seu mandato como “psiquiatra da nação”, ele ajudou a alocar US$ 20 bilhões em fundos federais e mudou drasticamente o foco do Instituto Nacional de Saúde Mental da pesquisa comportamental para a neurociência e a genética.

O longo período do país sem tratamentos inovadores pode ser atribuído, em parte, à complexidade do cérebro. Dr. Insel subiu na hierarquia em um momento de otimismo de que os avanços na neurobiologia levariam a novos tratamentos e, como chefe do N.I.M.H., como ele disse, ele “apostou muito na genômica”. Mas 20 anos depois, ele disse que o papel que os genes desempenham na esquizofrenia e no transtorno bipolar provou ser extraordinariamente complexo. “Cada uma dessas variantes que foram descobertas representam apenas uma pequena, pequena quantidade de risco, então, em conjunto, elas provavelmente são significativas, mas você precisa colocar uma centena delas juntas”, disse ele. “Então começamos a fazer estudos cada vez maiores para encontrar efeitos cada vez menores.”

Voltamos ao Dr. Allen Frances que agora está aposentado e sua resposta foi à seguinte: O Dr. Allen Frances, professor emérito de psiquiatria da Duke University School of Medicine, alertou em 2014 que o instituto estava “apostando a casa no longo prazo de que a neurociência apresentará respostas para ajudar pessoas com doenças mentais graves”. Em uma entrevista na semana passada, Frances, 79 anos, disse que suas advertências foram confirmadas. “O resultado final desses últimos 30 anos é uma emocionante aventura intelectual, uma das peças mais fascinantes da ciência em nossas vidas, mas não ajudou um único paciente”, disse ele. Ele acrescentou que era difícil, pesquisando os acampamentos de sem-teto que proliferam em tantas cidades americanas, sentir orgulho de seus 55 anos de trabalho no campo. Pessoas com doenças mentais graves, disse ele, estavam “muito melhor” do que agora. “Tenho uma vida feliz e não passo cada minuto da minha vida me sentindo culpado, mas se olho para trás na minha carreira, é com arrependimento, não com satisfação”, disse ele.

O mesmo New York Times nos informa que o Dr. Jeffrey Lieberman presidente da APA em 2014 e um dos grandes defensores do psiquiatra e da psiquiatria foi suspenso como Chair da Colúmbia Psychiatry or causa de um comentário infeliz sobre uma modelo que se intitula rainha das sombras por uma negritude fora do comum. Resultado de uma nova “caça as bruxas, que se estabeleceu na Internet.

Felizmente nem todas as notícias são pessimistas, aqui no Brasil a nossa Associação Psiquiátrica Brasileira tem se mantido ativa no auxílio para enfrentamento da pandemia e, graças ao seu presidente e equipe tem sido uma fonte de ajuda e inspiração para a população. Em 22/02/2022 a Universidade da Bahia prestou uma homenagem ao Dr. Álvaro Rubim de Pinho em comemoração ao centenário do seu nascimento. Lembramos este fato porque o homenageado se destacou em várias áreas da atuação psiquiátrica, mas sua grande mensagem foi a de valorizar as manifestações populares e entender suas motivações conscientes e inconscientes. Participamos das homenagens destacando suas contribuições sobre psiquiatria e a lei.

Vou concluir com uma citação de John Kennedy citada no Livro de Thomas Insel:

Foi dito, em uma época anterior, que a mente de um homem é um país distante que não pode ser abordado nem explorado. Mas, hoje, sob as atuais condições de realização científica, será possível para uma nação tão rica em recursos humanos e materiais como a nossa tornar acessíveis os remotos alcances da mente. Os doentes mentais e os retardados mentais não precisam mais ser estranhos aos nossos afetos ou além da ajuda de nossas comunidades. —John F. Kennedy, Observações sobre a assinatura da Lei de Saúde Mental Comunitária, 31 de outubro de 1963

 

 

Similar Posts