Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

 

Janeiro de 2012 - Vol.17 - Nº 1

História da Psiquiatria

RAIMUNDO NINA-RODRIGUES E AS LOUCURAS EPIDÊMICAS NO BRASIL

Ana Maria Galdini Raimundo Oda
Paulo Dalgalarrondo

Apresentação

Como já informamos em outras ocasiões, no Congresso Mundial de Psiquiatria realizado em Buenos Aires foi lançada a Antologia Psiquiátrica Latinoamericana. Esta Antologia está disponível para download no site do GLADET http://gladet.org.mx/es/inicio/publicaciones.html

Mesmo com esta possibilidade resolvemos publicar a publicação brasileira nesta antologia. A forma utilizada pela Antologia é de uma apresentação biográfica do personagem escolhido e a publicação de trabalhos que permitam avaliar a forma de pensar do biografado. Raimundo Nina-Rodrigues foi o escolhido dos historiadores da História da Psiquiatria Ana Maria Galdini Raimundo Oda e Paulo Dagalarrondo.

 

RAIMUNDO NINA-RODRIGUES E AS LOUCURAS EPIDÊMICAS NO BRASIL

Ana Maria Galdini Raimundo Oda e Paulo Dalgalarrondo

O médico maranhense Raimundo Nina-Rodrigues (1862-1906) tem seu nome associado à constituição de três campos do saber, no Brasil: a Antropologia, a Medicina Legal e a Psiquiatria1.

Estudou nas Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, tendo se graduado nesta última em 1887, apresentando a tese Das amiotrofias de origem periférica. Foi professor da Faculdade de Medicina da Bahia, desde 1889 até sua precoce morte, sendo titular de Medicina Legal a partir de 1895. Entre outras atividades, fez parte da redação da Gazeta Medica da Bahia, uma das mais importantes publicações médicas do país, e foi co-fundador da Sociedade de Medicina Legal da Bahia, com Juliano Moreira; foi também membro de sociedades científicas

internacionais, tais como a Medico Legal Society de Nova Iorque e a Société Médico-

Psychologique de Paris.

Embora considerado um mestre por seus contemporâneos, somente cerca de 30 anos

após a sua morte ele seria “redescoberto”, suas obras republicadas e seu nome associado a uma Escola de pensamento. Então, Arthur Ramos e Afrânio Peixoto – seguidos por outros médicos com interesse em Psiquiatria, Medicina Legal e Antropologia – se declararam seus discípulos e continuadores de sua obra. Como observou a antropóloga Mariza Corrêa2, estudiosa de Nina-Rodrigues, estes autodenominados discípulos buscaram reforçar a sua figura como espécie de

“mito de origem” de uma Escola Baiana de Medicina.

Entretanto, a análise detalhada das obras destes últimos autores mostra mais pontos de rupturas que de continuidades com o referido mestre fundador. Sem embargo, esta constatação não empana o mérito e a originalidade dos trabalhos destes dois intelectuais brasileiros, Ramos e Peixoto, e tampouco diminui a relevância dos trabalhos de Nina-Rodrigues.

Partindo de premissas racialistas, crendo que haveria reações psicopatológicas diferentes conforme a raça dos indivíduos (brancos, negros, indígenas e seus mestiços),

1 Nesta apresentação, tomamos principalmente como base a tese de doutorado da primeira autora, Alienação mental e raça: a psicopatologia comparada dos negros e mestiços brasileiros na obra de Raimundo Nina-Rodrigues (Universidade Estadual de Campinas, 2003), orientada pelo professor Paulo Dalgalarrondo.

 A investigação foi custeada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, de 1999 a 2003.

Desde o ano de 2000, temos republicado artigos de Nina-Rodrigues, de Juliano Moreira e de outros importantes autores brasileiros, com textos introdutórios, nas seções Clássicos da Psicopatologia e História da Psiquiatria da Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, cuja coleção completa está disponível em: http://www.fundamentalpsychopathology.org

 

2 Corrêa, Mariza.  As ilusões da liberdade: a Escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. Bragança Paulista:EDUSF, 1998.

3 Existem edições recentes de alguns de seus livros, como:Os africanos no Brasil (8ª ed. Brasília: Ed. UNB, 2004);

As coletividades anormais (Brasília: Senado Federal,2004); O animismo fetichista dos negros baianos (Ed.

fac-símile dos artigos publicados na Revista Brazileira. (Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2006).

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 ele se propôs a estudar essas diferenças, de acordo com os parâmetros científicos do chamado evolucionismo social (de Herbert Spencer), da teoria da degenerescência (na vertente sintetizada por Valentin Magnan) e das denominadas correntes francesa e italiana da Criminologia (com apropriações críticas de Alexandre Lacassagne e de Cesare Lombroso, entre outros). Em síntese, ele trabalhava com as seguintes noções:

as características adquiridas eram transmitidas aos descendentes; o cruzamento de raças muito diferentes implicava sempre em degeneração física e mental dos descendentes, e essa degeneração poderia se acentuar por influências externas, ambientais; entre os degenerados, os instintos e comportamentos agressivos primitivos poderiam ressurgir, de acordo com certas condições sociais; e os mestiços eram produtos híbridos e instáveis, tanto fisicamente quanto em suas manifestações intelectuais e culturais,e mais predispostos a certos tipos de enfermidade mental. Com estas premissas, buscou estudar empiricamente as supostas relações entre raça

e psicopatologia, raça e crime, e degenerescência e crime; e teorizar sobre a Psicologia das Massas.

No conjunto da obra múltipla de Nina-Rodrigues3, destacam-se os seguintes objetos:

doenças endêmicas (como a lepra e o beribéri),a Saúde Pública, a etnografia dos negros baianos, as “loucuras epidêmicas”, os estudos antropométricos (feitos em seu Laboratório de Medicina Legal) e ainda detalhados estudos psicopatológicos, com ênfase na psicopatologia comparada dos negros e mestiços brasileiros. O fio condutor destas variadas investigações foi a  busca de definição das especificidades nacionais;

tal preocupação, explícita em seus textos, corresponde a um movimento intelectual brasileiro mais amplo, nas últimas décadas do século dezenove e inícios do vinte, relativo à constituição do Brasil como nação moderna (recordando,a República foi proclamada em 1889).

Os dois ensaios de Nina-Rodrigues publicados nesta Antologia: ‘A abasia coreiforme

epidêmica no Norte do Brasil’ (1890) e ‘A loucura epidêmica de Canudos: Antonio Conselheiro e os jagunços’ (1897) situam-se no campo de estudos da Psicologia das Massas ou das Multidões, em que o autor dialoga com interlocutores do Brasil e da Europa, estabelecendo um debate com fundadores deste campo, tais como Scipio Sighele e Gustave Le Bon. Sua principal crítica a estes autores era não terem dado, em sua opinião, o devido valor à influência que a loucura teria no funcionamento das multidões. Por isso, procura demonstrar esta influência em seus estudos de casos nacionais, baseando-se inicialmente nos trabalhos de Charcot sobre a natureza histérica das manifestações coletivas de loucura (em ‘A abasia coreiforme’) e depois naqueles sobre a loucura a dois e o contágio mental de Lasègue e Falret (em ‘A loucura epidêmica de Canudos’).

O genuíno espírito investigativo de Raimundo Nina-Rodrigues o levava a dialogar constantemente com seus colegas brasileiros e europeus, em publicações nacionais e em periódicos europeus (como os Archives d’Anthropologie Criminelle e os Annales Médico-Psychologiques).

Neste sentido, podemos dizer que ele procurou fazer uma Psiquiatria ao mesmo tempo universal e brasileira, que tivesse em conta certo caráter nacional ou (literal e metaforicamente) as muitas cores do Brasil.

 

A abasia coreiforme epidêmica no Norte do Brasil (1890)

                                                Raimundo Nina-Rodrigues

 

I-      História

 

Se dúvidas ainda podem subsistir hoje sobre a natureza das afecções

coreomaníacas e convulsionarias que assolaram a Europa para a Idade Média, compreendendo como que em um só e mesmo convulsionar gigantescos países inteiros e vastas regiões, não há atualmente a menor discrepância entre

os autores em considerar de todo ponto aplicável às manifestações nervosas epidêmicas dos tempos modernos a interpretação proposta pelo professor Charcot e entrevista nos quadros e documentos, frutos que daquelas épocas chegaram até os nossos dias.

É a histeria que, operando em um meio favoravelmente predisposto, se irradia e espraia com o auxílio eficaz da imitação em torno de um foco acidental em que muitas circunstâncias inteiramente fortuitas congregaram e reuniram alguns casos isolados de uma qualquer das manifestações mais insólitas da grande nevrose. Para este destino estão admiravelmente aparelhadas as manifestações monossintomáticas.

Estes fatos e deduções que a escola da Salpêtrière tornou de conhecimento vulgar, tão verdadeiros, das pequenas epidemias circunscritas, quais as observadas por Davy em 1880 nos Estados Unidos e por Bougal em 1882 em Ardeche, como das epidemias coreiformes de proporções maiores, a do Brasil por exemplo que, posto em esboço de linhas mal seguras, bem podia rememorar pela sua extensão as coreomanias dos tempos idos.

A história da epidemia coreiforme do Brasil, que do lugar por onde se iniciou nesta cidade, recebeu na Bahia o nome de “moléstia de Itapagipe”, acha-se ainda hoje reduzida ao capítulo que dela escreveu a comissão médica, nomeada em 1883 pela Câmara Municipal para estudá-la aqui.

Entretanto muito mais dilatados foram os limites da sua área geográfica real, pois compreendeu diversas províncias do Norte do ex-Império, atingindo o máximo de intensidade na Bahia e no Maranhão.

A manifestação epidêmica deste último estado precedeu mesmo a da Bahia, que só teve lugar em 1882, quando desde 1877 reinava já a moléstia com forma epidêmica na cidade de São Luís.

* Originalmente, esta foi uma comunicação apresentada ao III Congresso Médico Brasileiro (Salvador, Bahia, outubro de 1890); em seguida, foi publicado na revista Brasil Médico (novembro de 1890). Aqui transcrevemos o texto que integra a coletânea As coletividades anormais, edição póstuma de vários escritos de Nina-Rodrigues, organizada e prefaciada por Artur Ramos (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1939, p. 23-49). O ensaio foi republicado também na Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental (vol. 6, n. 4, p. 145-156, 2003). Na presente edição, a ortografia foi atualizada. Revisão da transcrição e notas de Ana Maria G. R. Oda. (Nota da revisora).

 

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Dos fatos que se passaram então no Maranhão não ficou documento algum científico. Mas vive ainda grande número daqueles que os testemunharam e embora muito atenuados e quase de todo reduzidos da sua grandeza primitiva, prolongam-se ainda até hoje, de modo a permitir que se reconstrua e complete a sua história. Não era eu ainda médico, quando os presenciei; mas o espetáculo estranho que oferecia por aquela época a pequena cidade de São Luís, com as ruas diariamente percorridas

por grande número de mulheres principalmente, amparadas por duas pessoas e em um andar rítmico interrompido a cada passo de saltos repetidos, genuflexões e movimentos desordenados, me deixou uma impressão profunda e duradoura que, ainda por cima mais se devia revigorar e fortalecer com a observação, poucos anos depois, das mesmas cenas aqui na Bahia.

Deixando de parte por enquanto as restrições que exigem e os comentários que farei às interpretações científicas dadas aos fatos nesse documento, cedo espaço a uma carta do distinto prático e respeitável colega do Maranhão, Sr. Dr. Afonso Saulnier de Pierrelevée, a quem um largo tirocínio clínico, de mais de 30 anos, confere sobeja competência em matéria de patologia maranhense. Nessa carta, o Dr. Afonso Saulnier distingue perfeitamente a coréia epidêmica da coréia minor, coréia de Sydenham:

 

Prezado colega e amigo Dr. Nina-Rodrigues.

Pede-me o colega alguns esclarecimentos sobre a endo-epidemia coréica que apareceu nesta cidade em 1878 e também me pergunta se antes daquela época observei casos esporádicos dessa moléstia. Vou fazer o possível para satisfazer o seu pedido.

Desde 1856, época em que principiei a clinicar nesta cidade até hoje, tenho sempre observado vários casos de coréia, moléstia que, aliás, não é freqüente aqui.

A respeito, porém, da endo-epidemia de 1878, devo dizer-lhe que há mais de vinte anos tenho observado nesta cidade uma moléstia que por vezes toma as proporções de uma verdadeira epidemia,apresentando acidentes coréicos. Esta singular moléstia costuma desenvolver-se no princípio do inverno, época em que também recrudesce o beribéri entre nós. É bom notar a coincidência.

É freqüente nessa época encontrarem-se transitando pelas ruas desta cidade muitos doentes que prendem a atenção pela singularidade do andar. Uns arrastam os pés e progridem como se estivessem sofrendo de paralisia incompleta dos membros inferiores; outros atiram as pernas não podendo coordenar o movimento dos músculos, como acontece aos que sofrem de ataxia muscular progressiva; outros, enfim, apresentam uma marcha incerta, irregular, saltitante, como se fossem verdadeiros coréicos; todos, porém, a cada passo fazem grandes genuflexões por lhes faltar a força precisa para sustentar o peso do corpo. Os movimentos coreiformes só se manifestam nos membros superiores, raras vezes estendem-se pelo tronco, nunca os encontrei nos músculos do pescoço e da face. Esses movimentos dos membros inferiores cessam quando os doentes estão deitados ou dormindo.

Quase todos esses doentes são mulheres. Nunca observei essa doença em velhos. A raça de cor é sem dúvida muito mais atacada que a branca.

A anemia é constante em todos eles.

A moléstia aparece muitas vezes de repente, outras vezes é precedida de incômodos dispépticos bem salientes. Nunca observei febre. A respiração, normal nos primeiros dias, torna-se pouco a pouco dispnéica e na região precordial observam-se palpitações fortes do coração e sopros anêmicos bem pronunciados.

Nota-se a dormência pelo corpo e formigamentos nas extremidades inferiores, onde freqüentemente observa-se a princípio um ligeiro edema que se propaga à medida que a moléstia vai aumentando.

A compressão dos músculos e das apófises espinhosas das vértebras determina dores mais ou menos profundas. A força muscular diminui consideravelmente.

Este estado pode durar muitos dias até que o beribéri se manifeste com o cortejo dos seus sintomas.

Destes doentes, os que se retiram logo no começo da moléstia curam-se sempre; dos que permanecem no foco do mal, raros são os que se curam, quase todos falecem com beribéri confirmado de forma mista. Com o desenvolvimento do edema cessam os tremores. O povo, pela experiência adquirida, denomina esse mal de beribéri de “tremeliques”.B

É, pois, minha opinião que a endo-epidemia, sobre a qual o colega me consulta, não passa de uma forma do mal que flagela este estado há tanto tempo, e para dar um nome apropriado a essa singular forma, a chamaria de coréia beribérica.

Escrevo estas ligeiras considerações ao correr da pena e peço-lhe portanto que faça as correções precisas na forma, caso esses reparos possam ser-lhe de alguma utilidade. Vosso, etc. Dr. Afonso

Saulnier de Pierrelevée. São Luís do Maranhão, 1890.

 

 Pg4.  

    Esta descrição, ligeira e superficial, mas suficientemente clara, inspirou-se com certeza na observação dos fatos. Somente o ilustrado clínico confundiu em uma entidade mórbida duas moléstias distintas, o beribéri e a coréia epidêmica, que de ordinário se oferecem à sua observação intimamente associadas.

Os práticos que estão habituados a observar as duas moléstias isoladas, facilmente farão a parte que na descrição cabe a cada uma delas.

Posto que tivesse referido ao ano de 1878 na carta a que com bondosa aquiescência prontamente respondeu o Sr. Dr. Saulnier de Pierrelevée, verifiquei posteriormente em jornais noticiosos e políticos de São Luís, daquela época, que já em 1877 a moléstia era francamente epidêmica, já confundida e provavelmente associada ao beribéri.

A história da manifestação epidêmica na Bahia, observada 4 ou 5 anos depois, repousa em documentos circunstanciados que desde então estão dados à publicidade. Se neles a contribuição para o estudo clínico é pouco considerável, a parte puramente histórica ficou desde logo concluída.

No número de outubro de 1882, da Gazeta Médica da Bahia, lê-se no noticiário, sob o título de Moléstias Reinantes:

Uma moléstia singular tem sido observada há alguns meses no subúrbio de Itapagipe, mais raramente na cidade. Os sintomas principais, ou pelo menos os mais aparentes são movimentos coreiformes à primeira vista, mas que parecem antes depender de súbita fraqueza de certos grupos de músculos de um ou de ambos os membros inferiores, ou do tronco.

As pessoas afetadas depois de caminharem naturalmente em aparência por algum tempo, dobram de repente uma ou ambas as pernas, ou o tronco para um dos lados por alguns minutos, como se fossem coxos, paralíticos ou cambaleassem, continuando depois a marcha regular. Entretanto não caem e podem subir e descer ladeiras e escadas sem grande dificuldade.

Algumas sofrem há meses com mais ou menos intensidade; mas além destas perturbações freqüentes dos movimentos durante a marcha, não acusam alteração notável nas demais funções.

Contam-se já, segundo ouvimos, para mais de quarenta casos desta singular moléstia, originada em um dos mais saudáveis subúrbios e manifestando-se em pessoas de um e outro sexo e pouco adiantadas em idade.

 

Em março do ano seguinte (1883), foi publicado no número 10 da Gazeta Médica da Bahia, sob o título de Coreomania1*, o relatório de uma comissão médica nomeada pela Câmara Municipal para estudar a moléstia de Itapagipe, já então generalizada por

toda a cidade.

Esta comissão, composta de distintos clínicos desta cidade, depois de minucioso exame, concluiu que “a moléstia reinante em Itapagipe era a coréia epidêmica sob suas mais benignas formas.”

O caráter epidêmico, atribuído principalmente ao contágio por imitação, teve por motivos as circunstâncias enumeradas no seguinte tópico do relatório:

 

    As primeiras manifestações conservaram-se durante algum tempo limitadas, circunscritas; logo, porém,que a afluência de moradores e visitantes àquele bairro foi crescendo com a aproximação do tempo de festa, logo que a moléstia foi chamando a atenção sobre si, os casos foram se multiplicando e o mal se estendeu como atualmente o conhecemos. O trânsito de pessoas atacadas pelas ruas daquele arrabalde e mais tarde pelas ruas da cidade, o ajuntamento delas, quer na fábrica de fiação onde trabalhavam muitos dos enfermos, quer nas ruas contíguas à capela do Rosário onde residia o maior número, além disso, a circunstância de se acharem em Itapagipe pessoas convalescentes de diversas moléstias e conseguintemente em estado de maior impressionabilidade, e demais convergindo para aquela localidade em uma série de festas, a maioria da população da cidade, que em tais dias sempre se entrega a toda a sorte de fadigas de corpo e impressões de espírito, tudo isso concorreu para a disseminação da moléstia e para dar-lhe o caráter epidêmico.

 

1 * Como menciona Artur Ramos, o parecer da comissão médica foi publicado na Gazeta Médica da Bahia, série II, vol.7, n. 10, abril de 1883. Está ainda republicado como anexo em As coletividades anormais (1939, p. 219-231). (Nota da revisora).)

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    A comissão dispõe, por ordem de freqüência, as formas clínicas observadas na seriação A seguinte: maleatória, saltatória, vibratória, rotatória, procursiva, e nega qualquer influência etiológica à intoxicação ou infecções possíveis.

Nos conselhos dados à população preconiza o isolamento, proscrevendo a visita e freqüência das pessoas atacadas, assim como proíbe a estas os longos passeios que bem podiam levar a moléstia aos lugares por onde passassem. Sobriedade nos exercícios corpóreos para evitar a fadiga muscular, e distrações moderadas que dissipassem o estado apreensivo tão favorável à eclosão da moléstia, eram os

outros conselhos a que mandava associar uma alimentação tônica e regulada.

Manifestações epidêmicas, muito menos importantes, se deram também em outros estados do Norte, na cidade de Belém do Pará, por exemplo, segundo me informam alguns colegas. Ali como no Maranhão andou a coréia epidêmica associada ao beribéri.

Em todos esses pontos, por via da regra a abasia coreiforme circunscreveu-se às capitais e subúrbios e, segundo creio, só como casos esporádicos foi observada em algumas pequenas cidades do interior das províncias.

Atualmente o caráter epidêmico geral desapareceu de todo. Casos esporádicos, pequenas epidemias circunscritas, familiares, às vezes são ainda observadas uma vez por outra. A carta do Dr. Afonso Saulnier refere-se a manifestações anuais da moléstia no Maranhão com um cunho de endemicidade.

Na Bahia, em certas festas populares, principalmente religiosas, não é raro ver-se a presença de um coréico provocar a moléstia em um certo número de pessoas. Uma vez por outra, coréicos vão ainda à romaria à ermida de Santo Antônio da Barra Mansa buscar na sugestão da fé religiosa a cura dos seus

sofrimentos. Em todos estes casos são as manifestações de extrema benignidade e de todo transitórias.

Lento foi o decrescimento da epidemia para chegar ao estado normal. Na Bahia, o máximo de intensidade correspondeu a fins de 1882 e aos dois anos seguintes, 1883 e 1884.

Esta epidemia, apesar da sua extensão, parece ter-se circunscrito ao Norte do país. Não me consta que no Sul se tenha observado a moléstia ou coisa que lhe fosse equivalente. Do Rio de Janeiro, a afirmação pode ser categórica, pois o conhecimento do passado epidemiológico daquela cidade sobe dos nossos dias a mais de século. Por aí se pode também inferir que a epidemia que historio não teve predecessor nos nossos anais patológicos.

Se forem epidemias isoladas e inteiramente independentes as dos diversos estados, ou se subordinam umas às outras, coisa é essa que atualmente se torna impossível responder com bons fundamentos.

 

II- Natureza

Foi seguramente o Dr. Souza Leite quem pela primeira vez em 1888 capitulou de astasia-abasia casos da moléstia epidêmica da Bahia.

Desconhecendo, entretanto, o relatório da comissão médica, publicado desde 1883, este autor avançou com manifesta injustiça que os médicos desta haviam desconhecido a natureza histérica da afecção, tomando-a pela coréia de Sydenham.

A leitura do relatório é suficiente para desfazer o engano. Não podia ser mais positiva a filiação da moléstia de Itapagipe ao grande grupo das coréias epidêmicas, coréia major.

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    Impossível seria, porém, exigir dos médicos da Bahia que já em 1883 classificassem de astasia-abasia a manifestação histérica observada nesta cidade, quando, como diz o professor Charcot, só nesse ano publicou ele, em colaboração com Richer, na Medicina Contemporânea, dirigida pelo professor Semmola, o primeiro ensaio de uma descrição regular daquela afecção, ainda sob o título “Sur une forme spéciale d’impuissance motrice des membres inférieurs par défaut de coordination relative à La station et à la marche”, e só alguns anos depois, em 1888, foram empregados pelo Dr. Blocq no seu esplêndido trabalho os termos astasia e abasia que lhe sugerira Girard, do Instituto.

Tomando a denominação de abasia coreiforme, já hoje clássica, para designar a moléstia epidêmica,só tive em mira consagrar a preponderância que na epidemia assumiu esta forma sobre todas as outras manifestações histéricas.

Todos os que tiveram ocasião de observá-la, reconheceram certamente à primeira vista, na seguinte descrição magistral do professor Charcot2*, a nossa coréia epidêmica:

 

    Em uma doente, astásica e abásica ao mesmo tempo, que observei em 1886 – e este fato tem se reproduzido em muitos outros indivíduos da mesma espécie que encontrei depois – a posição ereta era a cada instante perturbada por flexões bruscas da bacia sobre as coxas e das coxas sobre as pernas,muito semelhantes às que se produzem quando, estando uma pessoa em pé e !rme, recebe sem esperar uma pancada brusca nas curvas; este fenômeno recorda também os efondrements (giving way of the legs), tão freqüentes no período pré-atáxico do tabes.

No andar tais desordens atingem o máximo. De fato, a cada passo que a doente dá, diz a observação,ela se abaixa e se ergue alternativamente por movimentos bruscos e rápidos e, à medida que progride,esses movimentos (secousses) se mostram mais e mais violentos, de mais a mais precipitados. Momentos há em que, à vista da intensidade deles, parece que a doente vai cair por terra; vê-se-á então dar alguns passos para trás, a modo de pessoa que tendo esbarrado de encontro a um obstáculo busca recobrar o equilíbrio. Os movimentos (secousses) de que se trata, rítmicos como a marcha normal cuja caricatura, por assim dizer, eles são, não consistem somente em movimentos de abaixamento e elevação do tronco.

Procurando analisá-los, verifica-se desde logo o que se segue: no momento em que a doente se abaixa, as coxas dobram sobre as pernas e o tronco sobre a bacia; a cabeça experimenta em relação ao tronco um movimento de flexão e de rotação e os antebraços dobram-se por seu turno sobre os braços. Parece claro que são esses movimentos de flexão, exagerados e bruscos, dos membros inferiores,que substituindo-se aos da marcha normal, ameaçam a cada passo o equilíbrio, ocasionam os movimentos do tronco, da cabeça, dos membros superiores e também esses movimentos de recuo,que até certo ponto podem ser considerados atos de compensação.

A doente em questão, como todas as representantes do grupo, podia sem a menor dificuldade saltar de pés juntos, sobre um pé só, andar de quatro patas, etc.

Nesta forma, os movimentos anormais dos membros inferiores quando o indivíduo está de pé, ou quando anda, lembram perfeitamente, em razão da amplitude, as grandes gesticulações de certas coréias; mas imediatamente se distinguiriam logo que a doente deixasse de se conservar em pé, ou de andar.

Em caso algum, se manifestam eles, estando a doente sentada ou deitada. Na realidade, em tais casos estão eles exclusivamente ligados ao mecanismo da posição em pé e da marcha, de conformidade com a definição da astasia e abasia.

Para caracterizar os casos deste grupo, eu proporei que se adote a denominação de abasia coreiforme (tipo de flexão).

 

Como era fácil prever, as manifestações histéricas nesta epidemia não se limitavam à abasia coreiforme pura. A comissão médica refere casos de verdadeira coréia rítmica e tive ocasião de observar diversos casos da forma maleatória. Porém, sobretudo com grande freqüência viam-se associados à abasia coreiforme

2 * O trecho de Charcot está em português, no original. (Nota da revisora).

 

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fenômenos estranhos e de todo ponto análogos aos espasmos saltatórios. O Dr.Souza Leite os menciona; mas em época anterior à sua observação e principalmente no Maranhão,foram muito freqüentes.

Doentes que amparados por duas pessoas progrediam lentamente no seu andar rítmico, estacavam de repente e punham-se a saltar sucessivamente no mesmo lugar, até que no !m de algum tempo aquele estado cedia e prosseguiam a marcha por momentos interrompida.

Assim devia ser. A astasia e a abasia são apenas manifestações de uma nevrose complexa e, embora freqüentemente monossintomáticas, podia se prever que a nitidez e a pureza dos primeiros casos muito se viriam a apagar com os estudos subseqüentes. As novas formas descritas e as tentativas de novas classificações principiam a confirmar essa previsão racional.

Como era natural, a epidemia tornou entre nós esses fatos de observação diária, sendo muito freqüente,na Bahia como no Maranhão, encontrar ao lado de sintomas ordinários da pequena histeria,ataques convulsivos ou outros acidentes, episódios mais ou menos francos da abasia coreiforme.

Deve-se considerar a abasia coreiforme uma coréia histérica? Sustentei essa opinião nas discussões que o estudo da afecção provocou no terceiro Congresso Médico Brasileiro a que foi apresentado esse trabalho.3*

É exato que o caráter por excelência da astasia-abasia – desaparecimento completo de todo o movimento no estado de repouso – parece excluir a abasia coreiforme do número de coréias, porquanto contraria ele um dos três elementos exigidos até aqui para a constituição do grupo nosográfico das afecções coreiformes, a saber: movimentos de grande raio, movimentos involuntários embora conscientes,

e persistência dos movimentos ainda em estado de repouso.

Mas, se se atender por um lado a que, afora esse fato único, a abasia coreiforme é uma verdadeira coréia rítmica, como o indica o qualificativo empregado pelo professor Charcot para designar a espécie, e se se atender por outro lado a que o caráter da persistência dos movimentos coreiformes, não só

tem oferecido modificações como faltado mesmo em muitas outras afecções tidas por verdadeiras coréias;não me parece que seja lícito separar a abasia coreiforme do grupo das coréias rítmicas histéricas.

Efetivamente, o Dr. Lannois já havia feito notar que um certo número de casos de coréia rítmica,observados por Charcot e outros, exigia a admissão de um grupo à parte, pois que esta variedade “se manifesta por acessos, espontâneos ou provocados, no intervalo dos quais a tranqüilidade pode ser absoluta, ao passo que no primeiro caso (verdadeiras coréias rítmicas), a coréia rítmica é regularmente contínua, cortada somente por exacerbações passageiras”.

Além disso, Lannois coloca no grupo das coréias rítmicas propriamente ditas, ao lado da coréia rítmica histérica, ou grande coréia, os espasmos reflexos saltatórios em que os saltos involuntários só se manifestam quando os pés tocam o chão e não existem em qualquer outra circunstância.

Mais que tudo, porém, o Dr. Lannois transcreve uma observação de Paget, da coréia rítmica saltatória,em que os movimentos desapareciam desde que a doente se sentava, embora fosse então presa de um sentimento de angústia que a obrigava a levantar-se logo.

Creio, portanto, que conviria subdividir o grupo da grande coréia rítmica por acessos e coréia descontínua, ou abasia coreiforme.

Teríamos, assim, a concepção geral do grupo ou das coréias de Lannois, modificado por este modo:

 

Coréias, rítmicas e arrítmicas

 

A. Coréias arrítmicas:

I. Coréia de Sydenham, coréia mole, coréia da gravidez, coréia dos velhos, coréia hereditária.

II. Hemicoréia e hemiatetose sintomáticas, atetose dupla.

B. Coréias rítmicas:

I. Coréias epidêmicas; dança de São Guido, tarentismo, tigrético, jumpers, revivals, etc.

3 * A transcrição desse extenso debate consta como anexo em As coletividades anormais (1939, p. 232-332). (Nota da revisora).

 

Pg8.

II. Coréias rítmicas propriamente ditas:

a) Coréia rítmica histérica, ou grande coréia compreendendo: a coréia rítmica contínua, a coréia

rítmica por acessos e a coréia rítmica descontínua, ou abasia coreiforme.

b) Espasmos re!exos saltatórios.

 

III- Causas

    Não é fácil enumerar com plena certeza todas as causas que atuaram com eficácia no sentido de conferir um caráter epidêmico a estas manifestações histéricas.

    O papel salientíssimo que teve nela o contágio por imitação foi suficientemente apreciado quer pela comissão médica da Bahia, quer pelo Dr. Souza Leite.

    Parece-me, porém, que ficou de aplicação muito restrita e local a apreciação das causas que prepararam o terreno, sem o qual de nenhum efeito teria sido a imitação, o que naturalmente foi devido a que o Dr. Souza Leite observara casos isolados e a comissão médica só se podia referir àquela parte da epidemia cujo estudo lhe havia sido cometido.

    Pressente-se, entretanto, que para estabelecer um laço comum entre essas epidemias esparsas pelas diversas províncias, é necessário remontar a causas mais gerais e admitir que pairava no ambiente brasileiro alguma coisa de anormal que, atuando sobre a população do país de modo a enfraquecer o organismo e exaltar as faculdades psíquicas, a predispôs a ponto de casos isolados de abasia coreiforme

poderem tomar de um momento para outro as proporções de uma epidemia tão extensa, embora muito benigna.

    Em outro trabalho e a propósito de outra moléstia, eu avancei que na minha opinião essa epidemia devia buscar a sua origem em influências mesológicas de ordem física e nos fenômenos sociais complexos que se prendem à fase histórica por que passa o nosso país.

    A revolução política a que hoje assistimos teve necessariamente o seu período de preparo e elaboração. Ela, que se assinalou pela aceitação tácita e sem protesto, com que foram recebidas todas as grandes reformas bruscamente realizadas, demonstra forçosamente que a nação não tinha vida calma e regular. E, quer se interpretem os fatos no sentido de uma condenação e surda revolta de longa data preparada contra os erros e defeitos das instituições anteriores, quer no sentido de um indiferentismo e descrença necessariamente mórbidos, porque partiam de um povo ainda no berço, do ponto de vista médico em que me coloco têm eles um valor sensivelmente igual. Ainda mais, ninguém poderá apartar da explicação de todos os acontecimentos da época, a perniciosa influência do escravismo que,depois de ter concorrido para corromper os costumes e entibiar os ânimos, devia trazer com a vitória do abolicionismo as suas desastradas conseqüências econômicas.

    O terreno não estava menos bem preparado pelo lado religioso. Sabem os que estudam a nossa sociedade com observação imparcial que a população brasileira não prima pela pureza e segurança das crenças religiosas. O fato tem a sua explicação racional e científica no mestiçamento, ainda em via de se completar, de um povo que conta como fatores componentes raças em graus diversos de civilização

por que se achavam ao tempo de fusão em períodos muito desiguais da evolução sociológica. Daí resultou que no Brasil o monoteísmo europeu teve de entrar em conflito com o fetichismo africano e a astrolatria do aborígene. Por isso diz com razão o Dr. Sílvio Romero que ainda na psicologia estamos longe de uniformidade. Para mostrar como entre nós a irreligião acotovela-se a cada passo com o fanatismo

fetichista, não precisa mais do que recordar as práticas supersticiosas que mesmo nesta cidade lavram com intensidade nas classes inferiores e a influência mais ou menos direta nos costumes do nosso povo de usanças africanas, ainda mal dissimuladas na diferença do meio.

   Nas classes superiores, estamos habituados a ouvir profligar diariamente as conseqüências desastradas dos métodos de educação seguidos no país.

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    Se agora, destas influências que são de caráter e aplicação geral a todo o Brasil, se aproximar o fato de se ter circunscrito a epidemia ao Norte, involuntariamente se terá invocado todos os fatores da decadência notória em que se acha esta porção da República.

    Em primeiro lugar o clima abrasador que, com a mesma liberalidade, prodigaliza às populações do Norte a indolência e a anemia.

    Em segundo lugar, a repercussão muito mais forte das revoluções político-sociais, por isso mesmo que estavam menos aparelhadas para recebê-las e ofereciam menor resistência. E entre elas figuram o pauperismo, a falta de iniciativa, a emigração, o desalento, a descrença, a decadência enfim.

    Em terceiro lugar, as condições sanitárias pouco lisonjeiras das duas cidades em que a epidemia atingiu maiores proporções. A comissão médica não esqueceu a afluência de convalescentes para Itapagipe como causa da extensão da epidemia na Bahia.

    Não foi debalde que, no Maranhão como na Bahia, se confundiu a coréia com o beribéri. Como o Dr. Afonso Saulnier, ainda o ano passado o Conselheiro Rodrigues Seixas afirmava na Academia Nacional de Medicina do Rio de Janeiro, que o treme-treme da Bahia, que não é mais do que coréia epidêmica, era uma forma apenas do beribéri, o beriberóide. Esta opinião teve realmente curso aqui na Bahia.

    O erro de apreciação que, partindo da grosseira semelhança entre a marcha em steppage do beribéri e as desordens motoras rítmicas da coréia epidêmica, confundiu e unificou os dois estados mórbidos, tornou-se no Maranhão uma crença geral para o povo, como mais tarde a coincidência das duas

moléstias em um mesmo indivíduo devia induzir aos próprios médicos.

    Ora, é prática corrente entre nós aconselhar passeios higiênicos aos beribéricos e freqüente, portanto,nas recrudescências da epidemia encontrá-los pelas ruas. Em virtude deste hábito, os abásicos supostos beribéricos foram conduzidos em exibição pela cidade, tornando-se uma ocasião freqüente de contágio por imitação e concorrendo por conseguinte para incrementar consideravelmente a epidemia.

    Por força exclusivamente desta sugestão enraizada, creio eu, se explicam as coincidências das manifestações da coréia com a época habitual do ano em que regularmente aparece o beribéri, pois não foi sem razão que a comissão médica da Bahia, a propósito da influência que exerceram nas epidemias da Idade Média os vagabundos que exploravam a caridade pública simulando a coréia, julgou oportuno

citar o seguinte judicioso conceito: “Para os indivíduos predispostos à moléstia, tão facilmente exerce a sua influência a realidade como a aparência do mal.”

    Por outro lado, os beribéricos debilitados pela doença e trabalhados pela sugestão que lhes vem da crença na identidade das duas afecções e da vista freqüente de coréicos copiam naturalmente destes a forma que devem dar à sua moléstia enquanto ainda o permitem os progressos pouco adiantados do mal. Daí nasceram sem dúvida esses casos mistos que tanto impressionaram o Dr. Afonso Saulnier e o levaram a acreditar que os fenômenos coreiformes eram simples manifestações beribéricas.

    Invocando, para a explicação desta epidemia, as influências que, em epidemias de outra gravidade e importância, todos os autores têm tido por eficazes, não procuro copiar para o meu país o quadro das calamidades que afligiram a Europa na Idade Média.

    A pouca intensidade da epidemia marcou a proporção que guardam entre si as coisas daqueles tempos e as que enumero, e bem avisada andou a comissão médica quando disse “que muitas das causas que influíram naqueles tempos para dar a estas afecções (coreomanias) muito mais gravidade do que tem a epidemia de Itapagipe não existem felizmente mais hoje, ou pelo menos são entre nós atenuadas.”

    Como estas causas e circunstâncias puderam exercer a sua ação indireta sobre a população de modo a ter na nevrose coreiforme a sua conseqüência, é o que explicam as observações e o ensino da Salpêtrière: “Já vimos – escreve Paul Richer – a influência que exercem na etiologia da histeria major as emoções vivas, que em certos casos bastam para determinar a forma dos principais acidentes. O que é, pois, para admirar que a excitação religiosa tenha provocado em certos períodos de exaltação esses efeitos sobre o sistema nervoso, que em última análise dão nascimento à grande histeria!”.

O contágio por imitação de uma síndrome nervosa estranha, que as proporções crescentes da epidemia ainda tornaram mais insólita, operando num meio que circunstâncias múltiplas, meteorológicas,étnicas, político-sociais e patológicas, tinham grandemente preparado, tais foram em suma as causas da epidemia coreiforme que percorreu nestes últimos quinze anos o Norte do Brasil e nele reina ainda hoje sob forma de uma endemia muito benigna. 

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A loucura epidêmica de Canudos:

Antonio Conselheiro e os jagunços (1897)*

                          Raimundo Nina-Rodrigues

 

 

 

 

    Para a narração fiel dos sucessos de Canudos forçosamente estará obrigado o historiador a aguardar o termo das lutas que ali se pelejam atualmente.1

    Os antecedentes daquela situação, a estratificação social e étnica em que a loucura de Antonio Maciel cavou os fundos alicerces do seu poderio material e espiritual quase indestrutível, desde já abrem-se ao contrário de par em par em franco acesso a todas as investigações científicas.

    No quadro a traçar daquela situação, não será por certo a figura anacrônica de Antonio Conselheiro,o louco de Canudos, que há de ocupar o primeiro plano. Bem conhecida em seus menores detalhes está a vesânia que o aflige, sempre perfeitamente diagnosticável, mesmo com dados truncados e deficientes como os que possuímos sobre a história pessoal deste alienado.

    Na fase sociológica que atravessam as populações nômades e guerreiras dos nossos sertões, na crise social e religiosa por que elas passam se há de escavacar o segredo dessa crença inabalável, dessa fé de eras priscas em que a preocupação mística da salvação da alma torna suportáveis todas as privações,deleitáveis todos os sacrifícios, gloriosos todos os sofrimentos, ambicionáveis todos os martírios. Ainda a ela há de vir pedir o futuro o segredo desse prestígio moral que desbanca, a ligeiro aceno, toda a influência espiritual do clero católico, assim como dessa bravura espartana que faz quebrarem-se de encontro à resistência de algumas centenas de rústicos campônios a tática, o valor e os esforços de um exército regular e experimentado.

Antonio Conselheiro é seguramente um simples louco. Mas a sua loucura é daquelas em que a fatalidade inconsciente da moléstia registra com precisão instrumental o reflexo, se não de uma época, pelo menos do meio em que elas se generaram:

1 Não altera de uma linha as considerações deste estudo a notícia que nos acaba de transmitir o telégrafo de que a 5 de outubro o general Artur Oscar, que desde junho se achava em Canudos à frente de mais de 12 mil homens, apoderou-se finalmente daquele reduto, batendo completamente o bando de fanáticos que ali se achavam entrincheirados. Foi encontrado o cadáver de Antonio Conselheiro, já sepultado no santuário de uma igreja que ali estava construído, com tais proporções que se havia transformado em uma fortaleza inexpugnável. A conduta de Antonio Conselheiro, mantendo-se até a morte no seu posto, quando lhe teria sido facílimo retirar-se de Canudos para ponto mais estratégico, é a confirmação

final da sua loucura na execução integral do papel do Bom Jesus Conselheiro, que lhe havia imposto a transformação de personalidade do seu delírio crônico. (Nota de Nina-Rodrigues).

* Este ensaio foi publicado em novembro de 1897 na Revista Brasileira e republicado em volume

póstumo organizado por Artur Ramos (As coletividades anormais, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1939, p. 50-77), de onde o transcrevemos para esta Antologia. Na presente edição, a ortogra!a foi atualizada, as referências bibliográficas citadas no corpo do texto foram

completadas quando possível e seu registro modernizado. Revisão da transcrição e traduções

de Ana Maria G. R. Oda. (Nota da revisora).

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Le facteur sociologique,souvent négligé en pathologie mentale – escrevem mui judiciosamente dois conhecidos psiquiatras – nous semble avoir une importance non moindre en ce qui concerne l’aliéné qu’en ce qui concerne le criminel. Les progrès de l’anthropologie ont démontré son importance majeure. Cette influence des milieux sur les psychoses nous parait nettement demontré en particulier par les psychoses mystiques; les caractéres differentiels que le délire emprunte aux temps, aux lieux et aux croyances ambiantes, loin d’être super#tiels et de pure forme, apparaissent d’autant plus profonds qu’on les etudie de plus près.2* 3

 

    É examinada por este prisma que a cristalização do delírio de Antonio Conselheiro, no terceiro período da sua psicose progressiva, reflete as condições sociológicas do meio em que se organizou.

    No caso de Antonio Maciel, o diagnóstico de delírio crônico (Magnan), de psicose sistemática progressiva (Garnier), de paranóia primária dos italianos etc., em rigor não requer para se afirmar mais do que a longa sistematização de quase trinta anos e a transformação contemporânea do simples enviado divino no próprio filho de Deus.

    No entanto, as três fases que tem atravessado a história de Antonio Conselheiro coincidem rigorosamente com os três períodos admitidos na marcha da psicose primitiva.

    A vida de Antonio Maciel até a sua internação na Bahia, tal como a conta o Sr. João Brigido, do Ceará, constitui o primeiro período. Antonio Conselheiro é natural de Quixeramobim, no estado do Ceará, e chama-se Antonio Vicente Mendes Maciel. Seu pai, que havia sido proprietário e negociante abastado, legou-lhe com o encargo de três irmãs solteiras, a direção de uma casa comercial pouco consolidada. Casadas as irmãs, por sua vez Antonio Maciel toma estado desposando uma prima. “O casamento de Antonio Maciel – diz um informante – foi um desastre. Pouco tempo depois vivia na

mais infrene desinteligência com a sogra, por isso que açulava a filha a maltratá-lo”. Nesta situação,Antonio Maciel fez ponto no seu comércio, liquidando os seus negócios. Em 1859, mudou-se de Quixeramobim para Sobral, onde foi caixeiro de um negociante, daí passou-se a Campo Grande,onde por algum tempo exerceu o cargo de escrivão de juiz de paz. Mudou-se ainda para a vila do Ipú,onde um sargento de polícia raptou-lhe a mulher. Retirou-se imediatamente para a cidade do Crato, e

desta para os sertões da Bahia. Contam que em caminho para o Crato, ao passar em Paus Brancos, foi acometido de um acesso de loucura em que feriu um seu cunhado, em cuja casa se achava hospedado.

    Dissensões contínuas com a mulher e com a sogra, mudanças sucessivas de emprego e de lugar,revolta agressiva com vias de fato e ferimento de um parente que o hospeda, não é preciso mais para reconhecer os primeiros esboços da organização do delírio crônico sob a forma do delírio de perseguição. A fase inicial da sua loucura, o período de inquietação, de análise subjetiva, ou de loucura hipocondríaca,em rigor nos escapa na história de Antonio Maciel à míngua de um conhecimento mais íntimo de sua vida no lar. É, porém, fácil perceber a influência das alucinações e a procura da fórmula do seu delírio no que sabemos das suas lutas conjugais e, sobretudo, nessas mudanças repetidas. Por tal forma característica dos delirantes crônicos é este modo de reação que Favilla crismou de alienados migradores, aqueles que as repetidas e sucessivas mudanças pedem debalde um refúgio, uma proteção contra a implacável perseguição que lhes movem as próprias alucinações, das quais nada os poderá libertar senão libertando-os da mísera mente enferma.

    Penetrando nos sertões da Bahia, para o ano de 1876, Antonio Maciel levava finalmente descoberta a fórmula do seu delírio. O batismo de Antonio Conselheiro, pelo qual o ministro ou enviado de Deus inicia a sua carreira de missionário e propagandista da fé, era o átrio apenas de onde a loucura religiosa o havia de elevar ao Bom Jesus Conselheiro da fase megalomaníaca da sua psicose.

 

2 * “O fator sociológico, freqüentemente negligenciado em patologia mental, nos parece ter igual importância no que concerne tanto ao alienado quanto ao criminoso. Os progressos da antropologia demonstraram sua capital importância.

Esta influência do meio sobre as psicoses nos parece claramente demonstrada em particular pelas psicoses místicas; os caracteres diferenciais que o delírio toma segundo o tempo, o lugar e as crenças circundantes, longe de serem superficiais e puramente formais, mostram-se bem mais profundos se os estudamos de mais perto”. (Nota da revisora).

3 Marie, Auguste e Vallon, Charles. Des psychoses religieuses à évolution progressive et à systématisation dite primitive.

Archives de Neurologie, 2a. série, tomo III, p. 419, 1897. (Nota de Nina-Rodrigues).

 

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    Antonio Conselheiro revestido, a modo dos monges, com longa túnica azul cingida de grossa corda, descalço, arrimado a tosco bordão, empreende missões ou “desobrigas” copiadas das que nos nossos sertões realizam todos os anos religiosos de todas as ordens sacras, e que diferem tanto do que devia ser uma verdadeira prática cristã quanto achava Alimena que “un vechio volume ascetico pieno di !gure di diavoli e di dannati di"erisce del profumato e ricco libro di preghiere di uma bela signora, quanto le prediche melodrammatiche di un missionário diferiscono delle conferenze spirituali del padre Agostino de Montefeltro.” 4*5

 

    Pregando contra o luxo, contra os maçons, fazendo queimar nas estradas todos os objetos que não pudessem convir a uma vida rigorosamente ascética, Antonio Conselheiro anormaliza extraordinariamente a vida pacífica das populações agrícola e criadora da província, distraindo-as das suas ocupações habituais para uma vida errante e de comunismo em que os mais abastados cediam parte dos seus recursos em favor dos menos protegidos da fortuna.

    Bem aceito por alguns vigários, em luta aberta com outros, no fim de alguns meses de propaganda Antonio Conselheiro é preso e enviado para o Ceará, sob a suspeita de ter sido criminoso na sua província natal. Já por essa ocasião, em pleno segundo período, bem se revelava a coerência lógica do delírio na transformação da personalidade do alienado. A turba que seguia Antonio Conselheiro quis opôr-se à sua prisão, mas, à semelhança de Cristo, ordena-lhes Conselheiro que não se movam

e entrega-se à guarda, afirmando aos discípulos que iria, mas havia de voltar um dia. Imperturbável a serenidade com que se comportou então. Fatos bastantes significativos são referidos por testemunhas do interrogatório que aí sofreu.

    À autoridade que inquiria dele, para fazê-los punir, quais dos guardas o haviam maltratado fisicamente em viagem, limitou-se Antonio Conselheiro a responder que mais do que ele havia sofrido o Cristo. E por única resposta às múltiplas perguntas sobre a sua conduta, sobre seus atos retorquiu com uma espécie de sentença evangélica que “apenas se ocupava em apanhar pedras pelas estradas para edificar igrejas”.

    Verificado no Ceará que Antonio Conselheiro não era criminoso, e posto em liberdade imediatamente,regressou ao seio das suas ovelhas, coincidindo precisamente, segundo crença geral, o dia que de repente aí surgiu com aquele que havia marcado para a sua reaparição. E cada vez mais encarnado no papel de enviado de Deus, desde então Antonio Conselheiro prosseguiu imperturbável nas suas

missões, até o advento da República em 1889.

    Este acontecimento político devia influir poderosamente para incrementar o prestígio de Antonio Conselheiro, levando-o ao terceiro período da psicose progressiva. Veio ele desdobrar o delírio religioso do alienado, salientando o fundo de perseguição que, tendo-lhe acompanhado sempre, como é de regra na sua psicose, como reação contra os maçons e outros inimigos da religião, por essa ocasião melhor se concretizou na reação contra a nova forma de governo em que não podia ver se não um feito

dos seus naturais adversários. As grandes reformas promulgadas pela República nascente, tais como separação da Igreja do Estado, secularização dos cemitérios, casamento civil, etc. estavam talhadas de molde a justificar essa identificação.

Personificado no governo republicano o adversário a combater, Antonio Conselheiro declarou-se monarquista. Nas regiões onde ele predominava continuaram a prevalecer as leis e os atos do tempo da Monarquia. Recusou-se a receber moeda que tivesse dizeres da República, só tendo curso como valiosa a que trazia a efígie do monarca deposto; aconselhou francamente que não se pagasse impostos ao governo republicano e nem consentia que se tivessem por válidos os atos do estado civil que não fossem realizados de acordo com as leis religiosas. Secundado pela luta que o clero católico do país abriu contra essas reformas, amparado pelas crenças

4 * “um velho volume ascético cheio de figuras de demônios e de danados difere do perfumado e rico livro de orações de uma bela dama, quanto as prédicas melodramáticas de um missionário diferem das conferências espirituais do padre Agostino de Montefeltro”. (Nota da revisora).

5 Alimena, Bernardino. I limiti e i modificatori della imputabilitá. Vol. 1. Torino: Bocca, 1894, p. 23. (Nota de Nina-Rodrigues).

 

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monárquicas e religiosas da população sertaneja, o prestígio de Antonio Conselheiro atingiu o apogeu. O atestado da sua atividade nesse prazo e da força da convicção religiosa que despertava está escrito ao vivo pelas paróquias do interior deste Estado, nos inúmeros cemitérios, capelas e igrejas que nelas edificou. O rebanho de fiéis que o acompanhava, e para o qual a fé cega na sua santidade já era dogma incontrovertível, contou com milhares de pessoas.

    E derramada a fama dos seus milagres pelos infindos sertões dos estados do Norte e do Centro do país acorreram, dos pontos mais remotos, em contínuas e intermináveis caravanas, multidões de crentes e devotos, a ouvir a palavra inspirada do profeta, a buscar a desobriga dos seus pecados, a receber na fase tormentosa e agitada porque está passando o país a senha da conduta e dos "agícios que melhor abrandem e desarmem a cólera divina provocada pela ingratidão usada com o velho monarca decaído, e que lhes haja de granjear pelo menos a felicidade celeste, já que na terra vai perdida a esperança de reavê-la.

    A coerência do seu delírio se demonstra na correção com que desempenha o papel de enviado de Deus. A sua vida, em que o desprezo das preocupações mundanas o leva a prescindir de todos os cuidados higiênicos do corpo, se prende o menos possível à contingência dos mortais. Antonio Conselheiro não dorme, não come ou não come quase. O seu viver é uma oração contínua e contínuo é o seu convívio com Deus, provavelmente de origem alucinatória.

    São todos acordes em confessar que na população que o seguia jamais consentiu ou patrocinou desmandos ou atentados contra a propriedade ou contra pessoas.

À insubordinação contra o governo civil seguiu-se a revolta contra os poderes eclesiásticos. Foi,ainda, o reconhecimento do governo pelo clero que mais acentuou as desinteligências em que Antonio Conselheiro se tinha visto envolvido com alguns vigários no começo das suas missões. Depois disso, Antonio Conselheiro tinha chegado a viver de perfeita harmonia com os párocos de algumas freguesias. Mas, em seguida ao reconhecimento da República foi-se estabelecendo de novo profundo

desacordo entre eles. Conta-se que, tendo-lhe alguém objetado que tanto não era maçônico o governo republicano que o Papa tinha aconselhado o clero francês a reconhecê-lo, Antonio Conselheiro declarou que se o Papa tinha, de fato, dado semelhante conselho, o Papa tinha andado mal. Por último, o cisma tornou-se franco e não pôde mais haver acordo possível entre ele e as autoridades eclesiásticas.

Tentou-se nestes últimos anos uma missão de catequese entre os adeptos de Antonio Conselheiro.

Mas os frades capuchinhos a que fora cometida essa missão, apesar da recepção senão de todo hostil pelo menos reservada do Conselheiro, tiveram de fugir diante da atitude ameaçadora dos discípulos e da turba do profeta, declarando formalmente ao regressar que só a intervenção armada dos poderes civis poderia por bom termo àquela anomalia.

Parece que aquilo que a catequese de tempos idos obteve do índio feroz e canibal, no recesso das matas virgens do Novo Mundo, na ignorância completa dos costumes, da língua do aborígine a quem mais irritavam e tornavam ferozes as perseguições cruéis do conquistador, a catequese dos tempos que correm não pôde conseguir de uma população naturalmente inclinada à generosidade e à religião. E é tarefa mais fácil e expedita destruir os recalcitrantes à bala do que convertê-los pela lenta persuasão

religiosa. No entanto, a necessidade de chamar a grande massa de povo que o seguia à obediência das leis da República, que nem ele nem os seus sequazes queriam admitir, fez prever desde logo a todo o mundo que a luta havia de passar forçosamente da simples propaganda pela palavra para o terreno da ação pelas armas.

Em seguida a diversos insucessos de pequenas expedições policiais, Antonio Conselheiro deixou a vila de Bom Jesus quase por ele edificada e internando-se pelo sertão foi estabelecer o quartel general da propaganda em Canudos, reduto de difícil acesso e que em curto prazo Antonio Conselheiro havia transformado de estância deserta e abandonada em uma vila florescente e rica.

 

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    Quando a necessidade obrigou a tornar efetiva a obediência à lei, Antonio Conselheiro achava-se admiravelmente aparelhado para a resistência pela natureza do local ocupado. As conseqüências dessa luta são conhecidas.B

    Sucessivamente três expedições militares, cada qual mais poderosa, têm naufragado em Canudos,infligindo ao exército brasileiro dolorosas perdas e lamentáveis revezes. Cem praças comandadas pelo alferes Pires Ferreira foram destroçadas em Uauá; cerca de quinhentos soldados da expedição do major Febronio de Brito foram batidos na serra do Cambaio e tiveram de efetuar uma retirada perigosíssima. Cerca de 1.500 homens da expedição comandada pelo coronel Moreira Cezar foram destroçados em Canudos, sucumbindo o chefe da expedição. Hoje o exército brasileiro em peso bate-se já há três meses em Canudos, os hospitais regurgitam de feridos, é elevado o número de oficiais mortos, e não se sabe ao certo quando terminará a luta.

    Alguma coisa mais do que a simples loucura de um homem era necessária para este resultado e essa alguma coisa é a psicologia da época e do meio em que a loucura de Antonio Conselheiro achou combustível para atear o incêndio de uma verdadeira epidemia vesânica.

    As leis que regem a manifestação epidêmica da loucura são precisamente as mesmas que Lasègue e Falret formularam, desde 1877, para o caso mais simples do contágio vesânico, o caso do delírio a dois. Três momentos básicos reconhecem essas leis.

    Em primeiro lugar, a existência de um elemento ativo que cria o delírio e o impõe à multidão que passa a representar o elemento passivo do contágio6. Aceitando embora as idéias delirantes, a multidão reage por seu turno sobre o elemento ativo, retificando, emendando, coordenando o delírio que só então se torna comum.

    Em segundo lugar, é indispensável uma convivência prolongada das duas ordens de espíritos,“vivendo uma vida comum, no mesmo meio, partilhando o mesmo modo de interesses, os mesmos temores, as mesmas esperanças e estranhos a qualquer outra influência exterior”.

    Em terceiro e último lugar, o contágio do delírio requer nele “um caráter de verossimilhança à sua manutenção nos limites do possível, repousando em fatos ocorridos no passado ou em temores e esperanças concebidas para o futuro”.

    Em Canudos representa de elemento passivo o jagunço que, corrigindo a loucura mística de Antonio Conselheiro e dando-lhe umas tinturas das questões políticas e sociais do momento, criou,tornou plausível e deu objeto ao conteúdo do delírio, tornando-o capaz de fazer vibrar a nota étnica dos instintos guerreiros, atávicos, mal extintos ou apenas sofreados no meio social híbrido dos nossos sertões, de que o louco como os contagiados são fiéis e legítimas criações. Ali se achavam de fato, admiravelmente realizadas, todas as condições para uma constituição epidêmica de loucura.

    O jagunço é um produto tanto mestiço no físico que reproduz os caracteres antropológicos combinados das raças de que provém quanto híbrido nas suas manifestações sociais, que representam a fusão quase inviável de civilizações muito desiguais.

    Pelo lado etnológico, não é jagunço todo e qualquer mestiço brasileiro. Representa-o em rigor o mestiço do sertão, que soube acomodar as qualidades viris dos seus ascendentes selvagens, índios ou negros, às condições sociais da vida livre e da civilização rudimentar dos centros que habita. Muito diferente é o mestiço do litoral que a aguardente, o ambiente das cidades, a luta pela vida mais intelectual do que física e uma civilização superior às exigências da sua organização física e mental enfraqueceram,abastardaram, acentuando a nota degenerativa que já resulta do simples cruzamento de raças antropologicamente muito diferentes, e criando, numa regra geral que conhece muitas exceções,esses tipos imprestáveis e sem virilidade que vão desde os degenerados inferiores, verdadeiros produtos patológicos, até esses talentos tão fáceis, superficiais e palavrosos quanto abúlicos e improdutivos, nos

quais os lampejos de uma inteligência vivaz e de curto vôo correm parelhos com a falta de energia e até de perfeito equilíbrio moral.

 

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No jagunço, ao contrário, revelam-se inteiriços o caráter indomável do índio selvagem, o gosto pela vida errante e nômade, a resistência aos sofrimentos físicos, à fome, à sede, às intempéries, decidido pendor pelas aventuras da guerra, cuja improvisação eles descobrem no menor pretexto, sempre prontos e decididos  para as razias das

 

6 Em rigor, no elemento passivo do contágio vesânico a loucura é toda superficial e sem raízes. Para fazê-la desaparecer de todo basta retirar os indivíduos do ambiente sugestivo em que se acham. (Nota de Nina-Rodrigues).

 

vilas e povoados, para as depredações à mão armada, para as correrias de todo o gênero que os interesses do mando, as exigências da politicagem e as ambições de aventureiros fazem suceder-se de contínuo por toda a vasta extensão das zonas pouco habitadas do país.

    Seria desconhecer o nosso próprio país acreditar que nessas vastas regiões seja mais do que nominal a existência da civilização européia. O que ali impera é um compromisso entre as tendências para uma organização feudal por parte da burguesia abastada e a luta das represálias de tribos bárbaras ou selvagens por parte da massa popular.

   Todas as grandes instituições que na civilização deste fim de século garantem a liberdade individual e dão o cunho da igualdade dos cidadãos perante a lei, sejam políticas como o direito do voto, o governo municipal autônomo etc., sejam judiciárias como o funcionamento regular dos tribunais, tudo isso é mal compreendido, sofismado e anulado nessas longínquas paragens. O que predomina soberana é a vontade, são os sentimentos ou os interesses pessoais dos chefes, régulos ou mandões, diante dos quais as maiores garantias da liberdade individual, todas as formas regulares de processo, ou se transformam em recurso de perseguição contra inocentes, se desafetos, ou se anulam em benefício de criminosos quando amigos. E a mais das vezes a execução dessa vontade soberana é sumaríssima, e em nada diferem os processos escolhidos do que eram os adotados pelo selvagem que antes do europeu possuiu este país.

    Antigamente eram estes senhores feudais os grandes estancieiros, os criadores abastados, os proprietários de engenho; atualmente são principalmente os chefes políticos locais, os amigos do governo, os fabricantes de eleitores fantásticos.

    A luta entre os que estão de posse do poder e os que disputam essa posse, admiravelmente favorecida nos tempos monárquicos pelo revezamento no governo dos dois partidos constitucionais, mas então como ainda hoje melhor favorecida ainda pelas intrigas e arranjos das camarilhas que cercam os governos centrais, sempre trouxe dividida a população sertaneja em dois grupos opostos e rivais,

em dois campos inimigos e irreconciliáveis, capitaneados por verdadeiros régulos, de que os jagunços representavam apenas o exército, a força material.

    Esta situação que o jagunço não chega mesmo a compreender mas de que acaba sempre sendo o responsável legal, oferece-lhes todavia o melhor ensejo para satisfação dos seus instintos guerreiros.

    Foi sempre nessas lutas, políticas ou pessoais, que se revelaram todas as qualidades atávicas do mestiço. Dedicado até a morte, matando ou deixando-se matar sem mesmo saber por que, foi sempre inexcedível o valor com que se batiam, consumada a tática, a habilidade de guerrilheiros que punham em prática, relembrando as lutas heróicas do aborígine contra o invasor europeu.

    Essas qualidades, que tão grande realce dão hoje às guerras que se pelejam em Canudos, não são,pois, peculiares às tropas de Antonio Conselheiro; são característicos do jagunço.

    Como Vila-Nova, como João Abade, era jagunço Gumercindo Saraiva, o terrível cabo de guerra que dos pampas do Rio Grande, à frente das suas hostes veio bater às portas de São Paulo; é jagunço Montalvão, o destemido general das guerrilhas de Andaraí e o foram os Araújos e Maciéis do Ceará,os Ledos e Leões do Grajaú, no Maranhão, e um pouco por toda parte, todos os guerrilheiros dos sertões do Brasil inteiro.

    Belicamente, Canudos é, pois, um caso apenas, e mais nada, dos ataques de Xique-Xique, Andaraí,Cochó, Brejo-Grande, Lençóis, Belmonte, Canavieiras etc., neste estado; de Carolina e Grajaú, no Maranhão; de mil outras localidades de Goiás, Pernambuco, Minas Gerais, etc. Mas para que bem se possa compreender a importância que neste elemento belicoso devia tornar o caso de Canudos, é preciso atender a que era Canudos a primeira luta pelejada no Brasil em nome das convicções monárquicas, que são as convicções do sertanejo.Para acreditar que pudesse ser outro o sentimento político do sertanejo, era preciso negar a evolução política e admitir que os povos mais atrasados e incultos podem, sem maior preparo, compreender,aceitar e praticar as formas de governo mais liberais e complicadas.

 

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    A população sertaneja é e será monarquista por muito tempo, porque no estádio inferior da evolução social em que se acha, falece-lhe a precisa capacidade mental para compreender e aceitar a substituição do representante concreto do poder pela abstração que ele encarna, – pela lei. Ela carece instintivamente de um rei, de um chefe, de um homem que a dirija, que a conduza, e por muito tempo ainda o presidente da República, os presidentes dos estados, os chefes políticos locais serão o seu rei,como, na sua inferioridade religiosa, o sacerdote e as imagens continuam a ser os seus deuses. Serão monarquistas como são fetichistas, menos por ignorância, do que por um desenvolvimento intelectual,ético e religioso, insuficiente ou incompleto.

    O que é pueril é exigir que essas populações compreendam que a federação republicana é a condição,a garantia da futura unidade política de um vasto país em que forçosamente hão de concorrer povos, muito diferentes de índole, de costumes e de necessidade, o que requer uma elasticidade de ação que não poderia oferecer a centralização governamental da Monarquia.

O que não se pode exigir delas é que reconheçam que as dificuldades do momento são a conseqüência lógica e natural dos ensaios, tentativas e experiências de adaptação do povo que procura a orientação toda pessoal que mais lhe há de convir na nova organização política. Para essa população, o raciocínio não pode ir além da comparação da situação material do país antes e depois da República.

A Monarquia era os víveres baratos, a vida fácil; a República é a vida difícil, a carestia dos gêneros alimentícios, o câmbio a zero.

    Por seu turno, não é peculiar a Canudos a tendência a se constituir em uma epidemia vesânica de caráter religioso.

    Se os estudos que tenho publicado sobre a religiosidade fetichista da população baiana7 não ministrassem já documentos suficientes para se julgar da crise em que se encontra o seu sentimento religioso no conflito entre a imposição pela educação que recebe a população, de um ensinamento religioso superior à sua capacidade mental, e a tendência para as concepções religiosas inferiores que requer a sua real capacidade efetiva, nós poderíamos corroborá-las com a prova do que neste momento se passa nesta cidade com relação à interna epidemia de varíola que desapiedadamente a flagela. Por menos observador que seja o espírito, por mais que o disfarce o lixo que cobre as ruas da cidade, não é possível percorrê-la sem notar a singularidade de haver em cada canto de rua milho estalado ao fogo,de mistura com azeite de dendê. Em um só dia que as exigências da clínica me fizeram percorrer grande parte da zona mais vitimada pela varíola, tive ensejo de contar vinte e tantos desses estranhos

depósitos feitos da noite precedente.

    Prende-se este fato a uma crença fetichista africana profundamente enraizada na nossa população.A erupção variólica representa para ela apenas uma manifestação da possessão pelo orixá Saponan,Homonolú ou Abaluaê.8*

    Decorrem desta concepção crenças populares que se transformam em obstáculos insuperáveis à aplicação regular das medidas sanitárias profiláticas. A população de cor despreza a vacina porque está convicta de que o melhor meio de abrandar a cólera do orixá é fazer-lhe sacrifícios que consistem em lançar nos cantos das ruas em que ele habita a sua iguaria favorita – milho estalado em azeite de dendê.

 

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    Muitos acreditam que trazendo milho assim preparado nos bolsos ou debaixo do leito estão suficientemente preservados. E pior do que tudo isso é a convicção imposta pelo rito iorubano, de que o santo ou orixá exige que longe de fugir, todos se aproximem dele.

    Não é mais complicada a terapêutica que deriva crenças. Basta dar ao doente o que é preciso para alimentar o santo, farinha de milho e azeite de dendê. Dizem que as negras chegam a untar o corpo dos seus doentes com o azeite divino. Referiram-me, como prova da eficácia da terapêutica animista,

7 Veja O animismo fetichista dos negros baianos na Revista [Brasileira] de 15 de abril, l de maio, 15 de junho, 1 e 15 de julho, l de agosto e 4 de setembro de 1896. (Nota de Nina-Rodrigues).

8 * A grafia usada por Nina-Rodrigues é “orisá”. As grafias atuais dos nomes deste orixá são: Xapanã, Omulú ou Obaluaê (Nota da revisora).

 

que na convalescença de uma varíola confluente grave, a filhinha de um médico mestiço descia do leito e ingeria impunemente a farofa de milho e azeite de dendê depostos debaixo da cama em oferta a Saponan.

    Ora, se na população da capital têm curso práticas e doutrinas desta natureza, pode-se prever o que há de ser a religião dos sertanejos. Para esta população, as abstrações religiosas são fortes demais.

   A necessidade de uma divindade tangível e material se impõe com força suficiente para destruir todo o prestígio de uma crença cuja história ela aprendeu de cor, mas que transcendente demais, não lhe pode criar a emoção do sentimento religioso.

 

A chacun des degrés de leur évolution – escreveu Spencer – les hommes doivent penser avec les idées qu’ils possèdent. Tous les changements qui attirent leur attention et dont ils peuvent observer les origines ont des hommes et des animaux pour antécédents; par suite, ils sont incapables de se "gurer les antécédents en général sous d’autres formes, et ils donnent ces formes aux puissances créatrices. Si l’on veut alors leur enlever ces conceptions concrètes, pour leur donner à la place des conceptions comparativement abstraites, leur esprit n’aura plus de conceptions du tout, puisque ces conceptions nouvelles ne pourront être representées dans l’entendement. Il aura été de même à chaque époque de l’histoire des croyances religieuses, depuis la première jusqu’à la dernière.9* 10

 

    Alimento a suposição de ter demonstrado com fatos que a população brasileira é puramente fetichista,ainda mesmo na afirmação das suas crenças católicas.

    A divinização de Antonio Conselheiro devia, pois, dar plena satisfação às necessidades do seu sentimento religioso. Era a satisfação do seu fetichismo instintivo dentro da educação religiosa cristã que essa população recebe desde o berço, embora sem poder assimilá-la suficientemente.

    Explica-se assim a facilidade com que Antonio Conselheiro suplantou o prestígio do clero católico. Mas antes de Antonio Conselheiro já este prestígio tinha sido invariavelmente suplantado todas as vezes que o clero teve de combater uma tournure fetichista mais escandalosa dada pela população a práticas do culto católico.

    Já demonstramos uma vez11 a ineficácia das condenações do clero como recurso contra uma verdadeira romaria fetichista a Santo Antonio da Barra, aqui nesta capital.

Igualmente ineficazes foram as medidas repressivas empregadas para obstar que a população continuasse a afluir aos atos divinos realizados na igreja interdita de Nossa Senhora das Candeias e por um sacerdote suspenso de ordens. De todos esses exemplos, porém, o mais grave é o do padre Cícero,em Juazeiro no Ceará. Eis como o descreve em um artigo sob o título expressivo de ‘Contumácia’, [o jornal] a Cidade do Salvador, conceituado órgão católico desta cidade:

 

O povo diz que vê a sagrada hóstia desfazer-se em sangue na boca da beata, e jura que Deus faz sentir o seu poder e a sua misericórdia naquelas paragens. Bandos e bandos de peregrinos de todas as circunvizinhanças abandonaram os seus lares e correram a presenciar o milagre. Intervém a autoridade eclesiástica, examina maduramente a questão, aprecia-a sob todas as suas faces, estuda com atenção, e depois de aturado exame, resolve que o fato que tanto ruído fizera, não passa de uma farsa, de um ardil, que é preciso desmascarar. Grandes são os trabalhos, enormes os esforços do diocesano para fazer calar no ânimo daquele povo crédulo e exaltado a falsa persuasão do milagre.

 

Segue a Roma a questão, é confirmado o veredictum do bispo da Diocese. Recolhe-se a uma casa religiosa a beata, suspende-se o padre que se torna contumaz no seu erro, proíbe-se a crença do fato milagroso. Mas o povo continua a crer no seu milagre; o padre suspenso continua a residir na mesma localidade e em seus arredores; é considerado uma vítima de insidiosa intolerância: e tudo isto serve de fermento para novos inconvenientes. E aqui está um sacerdote, obrigado a acatar e respeitar a voz da Igreja, a zelar e defender a inteireza de sua doutrina, a obedecer e submeter-se às determinações de seus superiores hierárquicos, a ser a pedra de escândalo de uma paróquia, quiçá do Brasil inteiro,o cabeça de uma revolta funesta e fatal, o provocador de um cisma latente e perigoso, que se não for sopitado e abafado, virá a trazer dias de amarguras para a santa Igreja e para a Pátria brasileira.

Nesta população de espírito infantil e inculto, assim atormentada por uma aspiração religiosa não satisfeita, forçosamente havia de fazer profunda sensação a figura impressionante de um profeta ou enviado divino desempenhada por um delirante crônico na fase megalomaníaca da psicose. “Tous ces malades sont !ers, dignes et magesteux dans leur atitude – escreve Régis – et ils ne départent pas un seul instant de leur serieux et de leur solemnité. On dirait les acteurs de tragédie chargés de quelque rôle royal qui continueraient en public et dans le costume de leur emploie à jouer leurs personnages.”

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    Tal é a origem e a explicação da força sugestiva do Conselheiro no papel de elemento ativo da epidemia de loucura de Canudos.

Mas foi o instinto belicoso, herdado por essa população do indígena americano, que, para dar satisfação pelas armas às suas aspirações monarquistas, se apoderou do conteúdo do delírio de perseguição de Conselheiro que, nas suas concepções vesânicas tinha acabado identificando a República com a maçonaria.

    E foi este o segredo da bravura e da dedicação fanatizada dos jagunços que, de fato, se batiam pelo seu rei e pela sua fé.

 

12 * Sem referência da obra de Régis. “Todos esses doentes são orgulhosos, dignos e majestosos em sua atitude, e não deixam por um só instante sua seriedade e sua solenidade. Diria-se que são atores de tragédia encarregados de um papel de rei que continuassem, em público e ainda vestidos a caráter, a representar seus personagens”. (Nota da revisora).

9 * “A cada grau de sua evolução, os homens devem pensar com as suas próprias idéias. Todas as mutações que atraem sua atenção, e de que eles podem observar as origens, têm homens e animais como antecedentes; por conseqüência, são incapazes de representar os antecedentes em geral de outra maneira, e dão essas formas aos poderes criadores. Caso se queira retirar-lhes estes conceitos concretos, para substituí-los por conceitos comparativamente abstratos, seu espírito não terá mais a concepção do todo, pois estes novos conceitos não poderão ser representados mentalmente. Terá sido assim a cada

época da história das crenças religiosas, desde a primeira até a última delas.” (Nota da revisora).

10 Spencer, Herbert. Les premiers principes. 5a. ed. Paris: Félix Alcan, 1888, p. 87. (Nota de Nina-Rodrigues).

11 Ilusões da catequese no Brasil. Revista [Brasileira] de 15 de março de 1897. (Nota de Nina-Rodrigues).

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