Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Giovanni Torello |
Janeiro de 2012 - Vol.17 - Nº 1 História da Psiquiatria RAIMUNDO NINA-RODRIGUES E AS LOUCURAS EPIDÊMICAS NO BRASIL Ana Maria Galdini Raimundo Oda Apresentação Como já informamos em outras ocasiões, no Congresso Mundial
de Psiquiatria realizado Mesmo com esta possibilidade resolvemos publicar a publicação brasileira nesta antologia. A forma utilizada pela Antologia é de uma apresentação biográfica do personagem escolhido e a publicação de trabalhos que permitam avaliar a forma de pensar do biografado. Raimundo Nina-Rodrigues foi o escolhido dos historiadores da História da Psiquiatria Ana Maria Galdini Raimundo Oda e Paulo Dagalarrondo. RAIMUNDO NINA-RODRIGUES E AS LOUCURAS EPIDÊMICAS NO BRASIL Ana Maria Galdini Raimundo Oda e Paulo
Dalgalarrondo O médico maranhense Raimundo Nina-Rodrigues
(1862-1906) tem seu nome associado à constituição de três campos do saber, no
Brasil: a Antropologia, a Medicina Legal e a Psiquiatria1. Estudou
nas Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, tendo se graduado
nesta última em 1887, apresentando a tese Das amiotrofias de origem
periférica. Foi professor da Faculdade de Medicina da Bahia, desde 1889 até
sua precoce morte, sendo titular de Medicina Legal a partir de 1895. Entre
outras atividades, fez parte da redação da Gazeta Medica da Bahia, uma das mais
importantes publicações médicas do país, e foi co-fundador da Sociedade de Medicina
Legal da Bahia, com Juliano Moreira; foi também membro de sociedades
científicas internacionais,
tais como a Medico Legal Society de Nova Iorque e a Société Médico- Psychologique
de Paris. Embora
considerado um mestre por seus contemporâneos, somente cerca de 30 anos após a
sua morte ele seria “redescoberto”, suas obras republicadas e seu nome
associado a uma Escola de pensamento. Então, Arthur Ramos e Afrânio Peixoto –
seguidos por outros médicos com interesse em Psiquiatria, Medicina Legal e Antropologia
– se declararam seus discípulos e continuadores de sua obra. Como observou a
antropóloga Mariza Corrêa2, estudiosa de Nina-Rodrigues, estes autodenominados discípulos
buscaram reforçar a sua figura como espécie de “mito
de origem” de uma Escola Baiana de Medicina. Entretanto,
a análise detalhada das obras destes últimos autores mostra mais pontos de
rupturas que de continuidades com o referido mestre fundador. Sem embargo, esta
constatação não empana o mérito e a originalidade dos trabalhos destes dois
intelectuais brasileiros, Ramos e Peixoto, e tampouco diminui a relevância dos
trabalhos de Nina-Rodrigues. Partindo
de premissas racialistas, crendo que haveria reações psicopatológicas
diferentes conforme a raça dos indivíduos (brancos, negros, indígenas e seus
mestiços), 1 Nesta apresentação, tomamos principalmente como base a tese de
doutorado da primeira autora, Alienação mental e raça: a psicopatologia
comparada dos negros e mestiços brasileiros na obra de Raimundo Nina-Rodrigues
(Universidade Estadual de Campinas, 2003), orientada pelo professor Paulo
Dalgalarrondo. A investigação foi custeada
pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, de Desde o ano de 2000, temos republicado artigos de Nina-Rodrigues,
de Juliano Moreira e de outros importantes autores brasileiros, com textos
introdutórios, nas seções Clássicos da Psicopatologia e História da Psiquiatria
da Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, cuja coleção completa
está disponível em: http://www.fundamentalpsychopathology.org 2 Corrêa, Mariza. As
ilusões da liberdade: a Escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil.
Bragança Paulista:EDUSF, 1998. 3 Existem edições recentes de alguns de seus livros, como:Os
africanos no Brasil (8ª ed. Brasília: Ed. UNB, 2004); As coletividades anormais (Brasília: Senado Federal,2004); O
animismo fetichista dos negros baianos (Ed. fac-símile dos artigos publicados na Revista Brazileira. (Rio de
Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2006). Pg2 ele se propôs a estudar essas diferenças, de
acordo com os parâmetros científicos do chamado evolucionismo social (de
Herbert Spencer), da teoria da degenerescência (na vertente sintetizada por
Valentin Magnan) e das denominadas correntes francesa e italiana da
Criminologia (com apropriações críticas de Alexandre Lacassagne e de Cesare
Lombroso, entre outros). Em síntese, ele trabalhava com as seguintes noções: as
características adquiridas eram transmitidas aos descendentes; o cruzamento de
raças muito diferentes implicava sempre em degeneração física e mental dos
descendentes, e essa degeneração poderia se acentuar por influências externas,
ambientais; entre os degenerados, os instintos e comportamentos agressivos
primitivos poderiam ressurgir, de acordo com certas condições sociais; e os
mestiços eram produtos híbridos e instáveis, tanto fisicamente quanto em suas
manifestações intelectuais e culturais,e mais predispostos a certos tipos de
enfermidade mental. Com estas premissas, buscou estudar empiricamente as
supostas relações entre raça e
psicopatologia, raça e crime, e degenerescência e crime; e teorizar sobre a
Psicologia das Massas. No
conjunto da obra múltipla de Nina-Rodrigues3, destacam-se os seguintes objetos: doenças
endêmicas (como a lepra e o beribéri),a Saúde Pública, a etnografia dos negros
baianos, as “loucuras epidêmicas”, os estudos antropométricos (feitos tal
preocupação, explícita em seus textos, corresponde a um movimento intelectual
brasileiro mais amplo, nas últimas décadas do século dezenove e inícios do
vinte, relativo à constituição do Brasil como nação moderna (recordando,a
República foi proclamada em 1889). Os dois
ensaios de Nina-Rodrigues publicados nesta Antologia: ‘A abasia coreiforme epidêmica no Norte do Brasil’ (1890)
e ‘A loucura epidêmica de Canudos: Antonio Conselheiro e os jagunços’
(1897) situam-se no campo de estudos da Psicologia das Massas ou das Multidões,
em que o autor dialoga com interlocutores do Brasil e da Europa, estabelecendo
um debate com fundadores deste campo, tais como Scipio Sighele e Gustave Le
Bon. Sua principal crítica a estes autores era não terem dado, em sua opinião,
o devido valor à influência que a loucura teria no funcionamento das multidões.
Por isso, procura demonstrar esta influência em seus estudos de casos nacionais,
baseando-se inicialmente nos trabalhos de Charcot sobre a natureza histérica
das manifestações coletivas de loucura (em ‘A abasia coreiforme’) e depois
naqueles sobre a loucura a dois e o contágio mental de Lasègue e Falret (em ‘A
loucura epidêmica de Canudos’). O
genuíno espírito investigativo de Raimundo Nina-Rodrigues o levava a dialogar
constantemente com seus colegas brasileiros e europeus, em publicações
nacionais e em periódicos europeus (como os Archives d’Anthropologie Criminelle
e os Annales Médico-Psychologiques). Neste
sentido, podemos dizer que ele procurou fazer uma Psiquiatria ao mesmo tempo
universal e brasileira, que tivesse em conta certo caráter nacional ou (literal
e metaforicamente) as muitas cores do Brasil. A
abasia coreiforme epidêmica no Norte do Brasil (1890)
Raimundo Nina-Rodrigues I-
História Se dúvidas ainda podem subsistir hoje sobre a natureza das afecções coreomaníacas
e convulsionarias que assolaram a Europa para a Idade Média, compreendendo como
que em um só e mesmo convulsionar gigantescos países inteiros e vastas regiões,
não há atualmente a menor discrepância entre os
autores em considerar de todo ponto aplicável às manifestações nervosas
epidêmicas dos tempos modernos a interpretação proposta pelo professor Charcot
e entrevista nos quadros e documentos, frutos que daquelas épocas chegaram até
os nossos dias. É a
histeria que, operando em um meio favoravelmente predisposto, se irradia e
espraia com o auxílio eficaz da imitação em torno de um foco acidental em que
muitas circunstâncias inteiramente fortuitas congregaram e reuniram alguns
casos isolados de uma qualquer das manifestações mais insólitas da grande
nevrose. Para este destino estão admiravelmente aparelhadas as manifestações
monossintomáticas. Estes
fatos e deduções que a escola da Salpêtrière tornou de conhecimento vulgar, tão
verdadeiros, das pequenas epidemias circunscritas, quais as observadas por Davy
em 1880 nos Estados Unidos e por Bougal em 1882 em Ardeche, como das epidemias
coreiformes de proporções maiores, a do Brasil por exemplo que, posto em esboço
de linhas mal seguras, bem podia rememorar pela sua extensão as coreomanias dos
tempos idos. A
história da epidemia coreiforme do Brasil, que do lugar por onde se iniciou
nesta cidade, recebeu na Bahia o nome de “moléstia de Itapagipe”, acha-se ainda
hoje reduzida ao capítulo que dela escreveu a comissão médica, nomeada em 1883
pela Câmara Municipal para estudá-la aqui. Entretanto
muito mais dilatados foram os limites da sua área geográfica real, pois
compreendeu diversas províncias do Norte do ex-Império, atingindo o máximo de
intensidade na Bahia e no Maranhão. A
manifestação epidêmica deste último estado precedeu mesmo a da Bahia, que só
teve lugar em 1882, quando desde 1877 reinava já a moléstia com forma epidêmica
na cidade de São Luís. * Originalmente, esta foi uma comunicação apresentada ao III
Congresso Médico Brasileiro (Salvador, Bahia, outubro de 1890); em seguida, foi
publicado na revista Brasil Médico (novembro de 1890). Aqui transcrevemos o
texto que integra a coletânea As coletividades anormais, edição póstuma de
vários escritos de Nina-Rodrigues, organizada e prefaciada por Artur Ramos (Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1939, p. 23-49). O ensaio foi republicado
também na Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental (vol. 6, n. 4,
p. 145-156, 2003). Na presente edição, a ortografia foi atualizada. Revisão da
transcrição e notas de Ana Maria G. R. Oda. (Nota da revisora). Pg3 Dos
fatos que se passaram então no Maranhão não ficou documento algum científico.
Mas vive ainda grande número daqueles que os testemunharam e embora muito
atenuados e quase de todo reduzidos da sua grandeza primitiva, prolongam-se
ainda até hoje, de modo a permitir que se reconstrua e complete a sua história.
Não era eu ainda médico, quando os presenciei; mas o espetáculo estranho que
oferecia por aquela época a pequena cidade de São Luís, com as ruas diariamente
percorridas por
grande número de mulheres principalmente, amparadas por duas pessoas e em um
andar rítmico interrompido a cada passo de saltos repetidos, genuflexões e
movimentos desordenados, me deixou uma impressão profunda e duradoura que,
ainda por cima mais se devia revigorar e fortalecer com a observação, poucos
anos depois, das mesmas cenas aqui na Bahia. Deixando
de parte por enquanto as restrições que exigem e os comentários que farei às
interpretações científicas dadas aos fatos nesse documento, cedo espaço a uma
carta do distinto prático e respeitável colega do Maranhão, Sr. Dr. Afonso
Saulnier de Pierrelevée, a quem um largo tirocínio clínico, de mais de 30 anos,
confere sobeja competência em matéria de patologia maranhense. Nessa carta, o
Dr. Afonso Saulnier distingue perfeitamente a coréia epidêmica da coréia minor,
coréia de Sydenham: Prezado colega e amigo Dr. Nina-Rodrigues. Pede-me o colega alguns esclarecimentos sobre a endo-epidemia
coréica que apareceu nesta cidade em 1878 e também me pergunta se antes daquela
época observei casos esporádicos dessa moléstia. Vou fazer o possível para
satisfazer o seu pedido. Desde 1856, época em que principiei a clinicar nesta cidade até
hoje, tenho sempre observado vários casos de coréia, moléstia que, aliás, não é
freqüente aqui. A respeito, porém, da endo-epidemia de 1878, devo dizer-lhe que há
mais de vinte anos tenho observado nesta cidade uma moléstia que por vezes toma
as proporções de uma verdadeira epidemia,apresentando acidentes coréicos. Esta
singular moléstia costuma desenvolver-se no princípio do inverno, época em que
também recrudesce o beribéri entre nós. É bom notar a coincidência. É freqüente nessa época encontrarem-se transitando pelas ruas
desta cidade muitos doentes que prendem a atenção pela singularidade do andar.
Uns arrastam os pés e progridem como se estivessem sofrendo de paralisia
incompleta dos membros inferiores; outros atiram as pernas não podendo
coordenar o movimento dos músculos, como acontece aos que sofrem de ataxia
muscular progressiva; outros, enfim, apresentam uma marcha incerta, irregular,
saltitante, como se fossem verdadeiros coréicos; todos, porém, a cada passo
fazem grandes genuflexões por lhes faltar a força precisa para sustentar o peso
do corpo. Os movimentos coreiformes só se manifestam nos membros superiores,
raras vezes estendem-se pelo tronco, nunca os encontrei nos músculos do pescoço
e da face. Esses movimentos dos membros inferiores cessam quando os doentes
estão deitados ou dormindo. Quase todos esses doentes são mulheres. Nunca observei essa doença
A anemia é constante em todos eles. A moléstia aparece muitas vezes de repente, outras vezes é
precedida de incômodos dispépticos bem salientes. Nunca observei febre. A
respiração, normal nos primeiros dias, torna-se pouco a pouco dispnéica e na
região precordial observam-se palpitações fortes do coração e sopros anêmicos
bem pronunciados. Nota-se a dormência pelo corpo e formigamentos nas extremidades
inferiores, onde freqüentemente observa-se a princípio um ligeiro edema que se
propaga à medida que a moléstia vai aumentando. A compressão dos músculos e das apófises espinhosas das vértebras
determina dores mais ou menos profundas. A força muscular diminui
consideravelmente. Este estado pode durar muitos dias até que o beribéri se manifeste
com o cortejo dos seus sintomas. Destes doentes, os que se retiram logo no começo da moléstia
curam-se sempre; dos que permanecem no foco do mal, raros são os que se curam,
quase todos falecem com beribéri confirmado de forma mista. Com o
desenvolvimento do edema cessam os tremores. O povo, pela experiência
adquirida, denomina esse mal de beribéri de “tremeliques”.B É, pois, minha opinião que a endo-epidemia, sobre a qual o colega
me consulta, não passa de uma forma do mal que flagela este estado há tanto
tempo, e para dar um nome apropriado a essa singular forma, a chamaria de
coréia beribérica. Escrevo estas ligeiras considerações ao correr da pena e peço-lhe
portanto que faça as correções precisas na forma, caso esses reparos possam
ser-lhe de alguma utilidade. Vosso, etc. Dr. Afonso Saulnier de Pierrelevée. São Luís do Maranhão, 1890. Pg4. Esta descrição, ligeira e superficial, mas
suficientemente clara, inspirou-se com certeza na observação dos fatos. Somente
o ilustrado clínico confundiu em uma entidade mórbida duas moléstias distintas,
o beribéri e a coréia epidêmica, que de ordinário se oferecem à sua observação
intimamente associadas. Os
práticos que estão habituados a observar as duas moléstias isoladas, facilmente
farão a parte que na descrição cabe a cada uma delas. Posto
que tivesse referido ao ano de 1878 na carta a que com bondosa aquiescência
prontamente respondeu o Sr. Dr. Saulnier de Pierrelevée, verifiquei
posteriormente em jornais noticiosos e políticos de São Luís, daquela época,
que já em A
história da manifestação epidêmica na Bahia, observada 4 ou 5 anos depois,
repousa em documentos circunstanciados que desde então estão dados à
publicidade. Se neles a contribuição para o estudo clínico é pouco
considerável, a parte puramente histórica ficou desde logo concluída. No
número de outubro de 1882, da Gazeta Médica da Bahia, lê-se no noticiário, sob o título de Moléstias Reinantes: Uma moléstia singular
tem sido observada há alguns meses no subúrbio de Itapagipe, mais raramente na
cidade. Os sintomas principais, ou pelo menos os mais aparentes são movimentos
coreiformes à primeira vista, mas que parecem antes depender de súbita fraqueza
de certos grupos de músculos de um ou de ambos os membros inferiores, ou do
tronco. As pessoas afetadas depois de caminharem naturalmente em aparência
por algum tempo, dobram de repente uma ou ambas as pernas, ou o tronco para um
dos lados por alguns minutos, como se fossem coxos, paralíticos ou
cambaleassem, continuando depois a marcha regular. Entretanto não caem e podem
subir e descer ladeiras e escadas sem grande dificuldade. Algumas sofrem há meses com mais ou menos intensidade; mas além
destas perturbações freqüentes dos movimentos durante a marcha, não acusam
alteração notável nas demais funções. Contam-se já, segundo ouvimos, para mais de quarenta casos desta
singular moléstia, originada em um dos mais saudáveis subúrbios e
manifestando-se em pessoas de um e outro sexo e pouco adiantadas em idade. Em
março do ano seguinte (1883), foi publicado no número 10 da Gazeta Médica da Bahia, sob o título de
Coreomania1*, o relatório de uma comissão médica nomeada pela Câmara
Municipal para estudar a moléstia de Itapagipe, já então generalizada por toda a
cidade. Esta
comissão, composta de distintos clínicos desta cidade, depois de minucioso
exame, concluiu que “a moléstia reinante em Itapagipe era a coréia epidêmica
sob suas mais benignas formas.” O
caráter epidêmico, atribuído principalmente ao contágio por imitação, teve por
motivos as circunstâncias enumeradas no seguinte tópico do relatório: As
primeiras manifestações conservaram-se durante algum tempo limitadas,
circunscritas; logo, porém,que a afluência de moradores e visitantes àquele
bairro foi crescendo com a aproximação do tempo de festa, logo que a moléstia
foi chamando a atenção sobre si, os casos foram se multiplicando e o mal se
estendeu como atualmente o conhecemos. O trânsito de pessoas atacadas pelas
ruas daquele arrabalde e mais tarde pelas ruas da cidade, o ajuntamento delas,
quer na fábrica de fiação onde trabalhavam muitos dos enfermos, quer nas ruas
contíguas à capela do Rosário onde residia o maior número, além disso, a
circunstância de se acharem em Itapagipe pessoas convalescentes de diversas
moléstias e conseguintemente em estado de maior impressionabilidade, e demais
convergindo para aquela localidade em uma série de festas, a maioria da
população da cidade, que em tais dias sempre se entrega a toda a sorte de
fadigas de corpo e impressões de espírito, tudo isso concorreu para a
disseminação da moléstia e para dar-lhe o caráter epidêmico. 1 * Como menciona Artur Ramos, o parecer da comissão médica foi
publicado na Gazeta Médica da Bahia, série II, vol.7, n. 10, abril de 1883.
Está ainda republicado como anexo em As coletividades anormais (1939, p.
219-231). (Nota da revisora).) Pg5 A comissão dispõe, por ordem de freqüência,
as formas clínicas observadas na seriação A seguinte: maleatória, saltatória,
vibratória, rotatória, procursiva, e nega qualquer influência etiológica à
intoxicação ou infecções possíveis. Nos
conselhos dados à população preconiza o isolamento, proscrevendo a visita e
freqüência das pessoas atacadas, assim como proíbe a estas os longos passeios
que bem podiam levar a moléstia aos lugares por onde passassem. Sobriedade nos
exercícios corpóreos para evitar a fadiga muscular, e distrações moderadas que
dissipassem o estado apreensivo tão favorável à eclosão da moléstia, eram os outros
conselhos a que mandava associar uma alimentação tônica e regulada. Manifestações
epidêmicas, muito menos importantes, se deram também em outros estados do
Norte, na cidade de Belém do Pará, por exemplo, segundo me informam alguns
colegas. Ali como no Maranhão andou a coréia epidêmica associada ao beribéri. Em
todos esses pontos, por via da regra a abasia coreiforme circunscreveu-se às
capitais e subúrbios e, segundo creio, só como casos esporádicos foi observada
em algumas pequenas cidades do interior das províncias. Atualmente
o caráter epidêmico geral desapareceu de todo. Casos esporádicos, pequenas
epidemias circunscritas, familiares, às vezes são ainda observadas uma vez por
outra. A carta do Dr. Afonso Saulnier refere-se a manifestações anuais da
moléstia no Maranhão com um cunho de endemicidade. Na
Bahia, em certas festas populares, principalmente religiosas, não é raro ver-se
a presença de um coréico provocar a moléstia em um certo número de pessoas. Uma
vez por outra, coréicos vão ainda à romaria à ermida de Santo Antônio da Barra
Mansa buscar na sugestão da fé religiosa a cura dos seus sofrimentos.
Em todos estes casos são as manifestações de extrema benignidade e de todo
transitórias. Lento
foi o decrescimento da epidemia para chegar ao estado normal. Na Bahia, o
máximo de intensidade correspondeu a fins de 1882 e aos dois anos seguintes,
1883 e 1884. Esta
epidemia, apesar da sua extensão, parece ter-se circunscrito ao Norte do país.
Não me consta que no Sul se tenha observado a moléstia ou coisa que lhe fosse
equivalente. Do Rio de Janeiro, a afirmação pode ser categórica, pois o
conhecimento do passado epidemiológico daquela cidade sobe dos nossos dias a
mais de século. Por aí se pode também inferir que a epidemia que historio não
teve predecessor nos nossos anais patológicos. Se
forem epidemias isoladas e inteiramente independentes as dos diversos estados,
ou se subordinam umas às outras, coisa é essa que atualmente se torna impossível
responder com bons fundamentos. II- Natureza Foi
seguramente o Dr. Souza Leite quem pela primeira vez em 1888 capitulou de
astasia-abasia casos da moléstia epidêmica da Bahia. Desconhecendo,
entretanto, o relatório da comissão médica, publicado desde 1883, este autor
avançou com manifesta injustiça que os médicos desta haviam desconhecido a
natureza histérica da afecção, tomando-a pela coréia de Sydenham. A
leitura do relatório é suficiente para desfazer o engano. Não podia ser mais
positiva a filiação da moléstia de Itapagipe ao grande grupo das coréias
epidêmicas, coréia major. Pg6.B Impossível seria, porém, exigir dos médicos
da Bahia que já em 1883 classificassem de astasia-abasia a manifestação
histérica observada nesta cidade, quando, como diz o professor Charcot, só
nesse ano publicou ele, em colaboração com Richer, na Medicina Contemporânea,
dirigida pelo professor Semmola, o primeiro ensaio de uma descrição regular
daquela afecção, ainda sob o título “Sur une forme spéciale d’impuissance
motrice des membres inférieurs par défaut de coordination relative à La station
et à la marche”, e só alguns anos depois, em 1888, foram empregados pelo Dr.
Blocq no seu esplêndido trabalho os termos astasia e abasia que lhe sugerira
Girard, do Instituto. Tomando
a denominação de abasia coreiforme, já hoje clássica, para designar a moléstia
epidêmica,só tive em mira consagrar a preponderância que na epidemia assumiu
esta forma sobre todas as outras manifestações histéricas. Todos
os que tiveram ocasião de observá-la, reconheceram certamente à primeira vista,
na seguinte descrição magistral do professor Charcot2*, a nossa coréia
epidêmica: Em uma doente,
astásica e abásica ao mesmo tempo, que observei em 1886 – e este fato tem se
reproduzido em muitos outros indivíduos da mesma espécie que encontrei depois –
a posição ereta era a cada instante perturbada por flexões bruscas da bacia
sobre as coxas e das coxas sobre as pernas,muito semelhantes às que se produzem
quando, estando uma pessoa em pé e !rme, recebe sem esperar uma pancada brusca
nas curvas; este fenômeno recorda também os efondrements (giving way of the
legs), tão freqüentes no período pré-atáxico do tabes. No andar tais desordens atingem o máximo. De
fato, a cada passo que a doente dá, diz a observação,ela se abaixa e se ergue
alternativamente por movimentos bruscos e rápidos e, à medida que
progride,esses movimentos (secousses) se mostram mais e mais violentos, de mais
a mais precipitados. Momentos há em que, à vista da intensidade deles, parece
que a doente vai cair por terra; vê-se-á então dar alguns passos para trás, a
modo de pessoa que tendo esbarrado de encontro a um obstáculo busca recobrar o
equilíbrio. Os movimentos (secousses) de que se trata, rítmicos como a marcha
normal cuja caricatura, por assim dizer, eles são, não consistem somente em
movimentos de abaixamento e elevação do tronco. Procurando analisá-los, verifica-se desde logo
o que se segue: no momento em que a doente se abaixa, as coxas dobram sobre as
pernas e o tronco sobre a bacia; a cabeça experimenta em relação ao tronco um
movimento de flexão e de rotação e os antebraços dobram-se por seu turno sobre
os braços. Parece claro que são esses movimentos de flexão, exagerados e
bruscos, dos membros inferiores,que substituindo-se aos da marcha normal,
ameaçam a cada passo o equilíbrio, ocasionam os movimentos do tronco, da
cabeça, dos membros superiores e também esses movimentos de recuo,que até certo
ponto podem ser considerados atos de compensação. A doente em questão, como todas as
representantes do grupo, podia sem a menor dificuldade saltar de pés juntos,
sobre um pé só, andar de quatro patas, etc. Nesta forma, os movimentos anormais dos membros
inferiores quando o indivíduo está de pé, ou quando anda, lembram
perfeitamente, em razão da amplitude, as grandes gesticulações de certas
coréias; mas imediatamente se distinguiriam logo que a doente deixasse de se
conservar em pé, ou de andar. Em caso algum, se manifestam eles, estando a
doente sentada ou deitada. Na realidade, em tais casos estão eles
exclusivamente ligados ao mecanismo da posição em pé e da marcha, de
conformidade com a definição da astasia e abasia. Para caracterizar os casos deste grupo, eu
proporei que se adote a denominação de abasia coreiforme (tipo de flexão). Como
era fácil prever, as manifestações histéricas nesta epidemia não se limitavam à
abasia coreiforme pura. A comissão médica refere casos de verdadeira coréia
rítmica e tive ocasião de observar diversos casos da forma maleatória. Porém,
sobretudo com grande freqüência viam-se associados à abasia coreiforme 2 * O trecho de Charcot está em português, no original. (Nota da
revisora). Pg7 fenômenos
estranhos e de todo ponto análogos aos espasmos saltatórios. O Dr.Souza Leite
os menciona; mas em época anterior à sua observação e principalmente no
Maranhão,foram muito freqüentes. Doentes
que amparados por duas pessoas progrediam lentamente no seu andar rítmico,
estacavam de repente e punham-se a saltar sucessivamente no mesmo lugar, até
que no !m de algum tempo aquele estado cedia e prosseguiam a marcha por
momentos interrompida. Assim
devia ser. A astasia e a abasia são apenas manifestações de uma nevrose
complexa e, embora freqüentemente monossintomáticas, podia se prever que a
nitidez e a pureza dos primeiros casos muito se viriam a apagar com os estudos
subseqüentes. As novas formas descritas e as tentativas de novas classificações
principiam a confirmar essa previsão racional. Como
era natural, a epidemia tornou entre nós esses fatos de observação diária, sendo
muito freqüente,na Bahia como no Maranhão, encontrar ao lado de sintomas
ordinários da pequena histeria,ataques convulsivos ou outros acidentes,
episódios mais ou menos francos da abasia coreiforme. Deve-se
considerar a abasia coreiforme uma coréia histérica? Sustentei essa opinião nas
discussões que o estudo da afecção provocou no terceiro Congresso Médico
Brasileiro a que foi apresentado esse trabalho.3* É exato
que o caráter por excelência da astasia-abasia – desaparecimento completo de
todo o movimento no estado de repouso – parece excluir a abasia coreiforme do
número de coréias, porquanto contraria ele um dos três elementos exigidos até
aqui para a constituição do grupo nosográfico das afecções coreiformes, a
saber: movimentos de grande raio, movimentos involuntários embora conscientes, e
persistência dos movimentos ainda em estado de repouso. Mas, se
se atender por um lado a que, afora esse fato único, a abasia coreiforme é uma
verdadeira coréia rítmica, como o indica o qualificativo empregado pelo
professor Charcot para designar a espécie, e se se atender por outro lado a que
o caráter da persistência dos movimentos coreiformes, não só tem
oferecido modificações como faltado mesmo em muitas outras afecções tidas por
verdadeiras coréias;não me parece que seja lícito separar a abasia coreiforme
do grupo das coréias rítmicas histéricas. Efetivamente,
o Dr. Lannois já havia feito notar que um certo número de casos de coréia
rítmica,observados por Charcot e outros, exigia a admissão de um grupo à parte,
pois que esta variedade “se manifesta por acessos, espontâneos ou provocados,
no intervalo dos quais a tranqüilidade pode ser absoluta, ao passo que no
primeiro caso (verdadeiras coréias rítmicas), a coréia rítmica é regularmente
contínua, cortada somente por exacerbações passageiras”. Além
disso, Lannois coloca no grupo das coréias rítmicas propriamente ditas, ao lado
da coréia rítmica histérica, ou grande coréia, os espasmos reflexos saltatórios
em que os saltos involuntários só se manifestam quando os pés tocam o chão e
não existem em qualquer outra circunstância. Mais
que tudo, porém, o Dr. Lannois transcreve uma observação de Paget, da coréia
rítmica saltatória,em que os movimentos desapareciam desde que a doente se
sentava, embora fosse então presa de um sentimento de angústia que a obrigava a
levantar-se logo. Creio,
portanto, que conviria subdividir o grupo da grande coréia rítmica por acessos
e coréia descontínua, ou abasia coreiforme. Teríamos,
assim, a concepção geral do grupo ou das coréias de Lannois, modificado por
este modo: Coréias, rítmicas e arrítmicas A.
Coréias arrítmicas: I.
Coréia de Sydenham, coréia mole, coréia da gravidez, coréia dos velhos, coréia
hereditária. II.
Hemicoréia e hemiatetose sintomáticas, atetose dupla. B.
Coréias rítmicas: I.
Coréias epidêmicas; dança de São Guido, tarentismo, tigrético, jumpers,
revivals, etc. 3 * A transcrição desse extenso debate consta como anexo em As
coletividades anormais (1939, p. 232-332). (Nota da revisora). Pg8. II.
Coréias rítmicas propriamente ditas: a)
Coréia rítmica histérica, ou grande coréia compreendendo: a coréia rítmica
contínua, a coréia rítmica
por acessos e a coréia rítmica descontínua, ou abasia coreiforme. b)
Espasmos re!exos saltatórios. III- Causas Não é fácil enumerar com plena certeza
todas as causas que atuaram com eficácia no sentido de conferir um caráter
epidêmico a estas manifestações histéricas. O papel salientíssimo que teve nela o
contágio por imitação foi suficientemente apreciado quer pela comissão médica
da Bahia, quer pelo Dr. Souza Leite. Parece-me, porém, que ficou de aplicação
muito restrita e local a apreciação das causas que prepararam o terreno, sem o
qual de nenhum efeito teria sido a imitação, o que naturalmente foi devido a
que o Dr. Souza Leite observara casos isolados e a comissão médica só se podia
referir àquela parte da epidemia cujo estudo lhe havia sido cometido. Pressente-se, entretanto, que para
estabelecer um laço comum entre essas epidemias esparsas pelas diversas
províncias, é necessário remontar a causas mais gerais e admitir que pairava no
ambiente brasileiro alguma coisa de anormal que, atuando sobre a população do
país de modo a enfraquecer o organismo e exaltar as faculdades psíquicas, a
predispôs a ponto de casos isolados de abasia coreiforme poderem
tomar de um momento para outro as proporções de uma epidemia tão extensa,
embora muito benigna. Em outro trabalho e a propósito de outra
moléstia, eu avancei que na minha opinião essa epidemia devia buscar a sua
origem em influências mesológicas de ordem física e nos fenômenos sociais
complexos que se prendem à fase histórica por que passa o nosso país. A revolução política a que hoje assistimos
teve necessariamente o seu período de preparo e elaboração. Ela, que se assinalou
pela aceitação tácita e sem protesto, com que foram recebidas todas as grandes
reformas bruscamente realizadas, demonstra forçosamente que a nação não tinha
vida calma e regular. E, quer se interpretem os fatos no sentido de uma
condenação e surda revolta de longa data preparada contra os erros e defeitos
das instituições anteriores, quer no sentido de um indiferentismo e descrença
necessariamente mórbidos, porque partiam de um povo ainda no berço, do ponto de
vista médico em que me coloco têm eles um valor sensivelmente igual. Ainda
mais, ninguém poderá apartar da explicação de todos os acontecimentos da época,
a perniciosa influência do escravismo que,depois de ter concorrido para
corromper os costumes e entibiar os ânimos, devia trazer com a vitória do
abolicionismo as suas desastradas conseqüências econômicas. O terreno não estava menos bem preparado
pelo lado religioso. Sabem os que estudam a nossa sociedade com observação
imparcial que a população brasileira não prima pela pureza e segurança das
crenças religiosas. O fato tem a sua explicação racional e científica no
mestiçamento, ainda em via de se completar, de um povo que conta como fatores
componentes raças em graus diversos de civilização por que
se achavam ao tempo de fusão em períodos muito desiguais da evolução
sociológica. Daí resultou que no Brasil o monoteísmo europeu teve de entrar em
conflito com o fetichismo africano e a astrolatria do aborígene. Por isso diz
com razão o Dr. Sílvio Romero que ainda na psicologia estamos longe de uniformidade.
Para mostrar como entre nós a irreligião acotovela-se a cada passo com o
fanatismo fetichista,
não precisa mais do que recordar as práticas supersticiosas que mesmo nesta
cidade lavram com intensidade nas classes inferiores e a influência mais ou
menos direta nos costumes do nosso povo de usanças africanas, ainda mal
dissimuladas na diferença do meio. Nas classes superiores, estamos habituados a
ouvir profligar diariamente as conseqüências desastradas dos métodos de
educação seguidos no país. Pg9 Se agora, destas influências que são de
caráter e aplicação geral a todo o Brasil, se aproximar o fato de se ter
circunscrito a epidemia ao Norte, involuntariamente se terá invocado todos os
fatores da decadência notória em que se acha esta porção da República. Em primeiro lugar o clima abrasador que,
com a mesma liberalidade, prodigaliza às populações do Norte a indolência e a
anemia. Em segundo lugar, a repercussão muito mais
forte das revoluções político-sociais, por isso mesmo que estavam menos
aparelhadas para recebê-las e ofereciam menor resistência. E entre elas figuram
o pauperismo, a falta de iniciativa, a emigração, o desalento, a descrença, a
decadência enfim. Em terceiro lugar, as condições sanitárias
pouco lisonjeiras das duas cidades em que a epidemia atingiu maiores
proporções. A comissão médica não esqueceu a afluência de convalescentes para
Itapagipe como causa da extensão da epidemia na Bahia. Não foi debalde que, no Maranhão como na
Bahia, se confundiu a coréia com o beribéri. Como o Dr. Afonso Saulnier, ainda
o ano passado o Conselheiro Rodrigues Seixas afirmava na Academia Nacional de
Medicina do Rio de Janeiro, que o treme-treme da Bahia, que não é mais do que
coréia epidêmica, era uma forma apenas do beribéri, o beriberóide. Esta opinião
teve realmente curso aqui na Bahia. O erro de apreciação que, partindo da
grosseira semelhança entre a marcha em steppage do beribéri e as desordens
motoras rítmicas da coréia epidêmica, confundiu e unificou os dois estados mórbidos,
tornou-se no Maranhão uma crença geral para o povo, como mais tarde a
coincidência das duas moléstias
em um mesmo indivíduo devia induzir aos próprios médicos. Ora, é prática corrente entre nós
aconselhar passeios higiênicos aos beribéricos e freqüente, portanto,nas
recrudescências da epidemia encontrá-los pelas ruas. Em virtude deste hábito,
os abásicos supostos beribéricos foram conduzidos em exibição pela cidade,
tornando-se uma ocasião freqüente de contágio por imitação e concorrendo por conseguinte
para incrementar consideravelmente a epidemia. Por força exclusivamente desta sugestão
enraizada, creio eu, se explicam as coincidências das manifestações da coréia
com a época habitual do ano em que regularmente aparece o beribéri, pois não
foi sem razão que a comissão médica da Bahia, a propósito da influência que
exerceram nas epidemias da Idade Média os vagabundos que exploravam a caridade
pública simulando a coréia, julgou oportuno citar o
seguinte judicioso conceito: “Para os indivíduos predispostos à moléstia, tão
facilmente exerce a sua influência a realidade como a aparência do mal.” Por outro lado, os beribéricos debilitados
pela doença e trabalhados pela sugestão que lhes vem da crença na identidade
das duas afecções e da vista freqüente de coréicos copiam naturalmente destes a
forma que devem dar à sua moléstia enquanto ainda o permitem os progressos
pouco adiantados do mal. Daí nasceram sem dúvida esses casos mistos que tanto
impressionaram o Dr. Afonso Saulnier e o levaram a acreditar que os fenômenos
coreiformes eram simples manifestações beribéricas. Invocando, para a explicação desta
epidemia, as influências que, em epidemias de outra gravidade e importância,
todos os autores têm tido por eficazes, não procuro copiar para o meu país o
quadro das calamidades que afligiram a Europa na Idade Média. A pouca intensidade da epidemia marcou a
proporção que guardam entre si as coisas daqueles tempos e as que enumero, e
bem avisada andou a comissão médica quando disse “que muitas das causas que
influíram naqueles tempos para dar a estas afecções (coreomanias) muito mais
gravidade do que tem a epidemia de Itapagipe não existem felizmente mais hoje,
ou pelo menos são entre nós atenuadas.” Como estas causas e circunstâncias puderam
exercer a sua ação indireta sobre a população de modo a ter na nevrose
coreiforme a sua conseqüência, é o que explicam as observações e o ensino da
Salpêtrière: “Já vimos – escreve Paul Richer – a influência que exercem na
etiologia da histeria major as emoções vivas, que em certos casos bastam para
determinar a forma dos principais acidentes. O que é, pois, para admirar que a
excitação religiosa tenha provocado em certos períodos de exaltação esses
efeitos sobre o sistema nervoso, que em última análise dão nascimento à grande
histeria!”. O
contágio por imitação de uma síndrome nervosa estranha, que as proporções
crescentes da epidemia ainda tornaram mais insólita, operando num meio que
circunstâncias múltiplas, meteorológicas,étnicas, político-sociais e
patológicas, tinham grandemente preparado, tais foram em suma as causas da
epidemia coreiforme que percorreu nestes últimos quinze anos o Norte do Brasil
e nele reina ainda hoje sob forma de uma endemia muito benigna. Pg10 A loucura epidêmica de Canudos: Antonio Conselheiro e os jagunços (1897)* Raimundo
Nina-Rodrigues Para a narração fiel dos
sucessos de Canudos forçosamente estará obrigado o historiador a aguardar o
termo das lutas que ali se pelejam atualmente.1 Os
antecedentes daquela situação, a estratificação social e étnica em que a
loucura de Antonio Maciel cavou os fundos alicerces do seu poderio material e
espiritual quase indestrutível, desde já abrem-se ao contrário de par em par em
franco acesso a todas as investigações científicas. No quadro a traçar daquela situação, não
será por certo a figura anacrônica de Antonio Conselheiro,o louco de Canudos,
que há de ocupar o primeiro plano. Bem conhecida em seus menores detalhes está
a vesânia que o aflige, sempre perfeitamente diagnosticável, mesmo com dados
truncados e deficientes como os que possuímos sobre a história pessoal deste
alienado. Na fase sociológica que atravessam as
populações nômades e guerreiras dos nossos sertões, na crise social e religiosa
por que elas passam se há de escavacar o segredo dessa crença inabalável, dessa
fé de eras priscas em que a preocupação mística da salvação da alma torna
suportáveis todas as privações,deleitáveis todos os sacrifícios, gloriosos
todos os sofrimentos, ambicionáveis todos os martírios. Ainda a ela há de vir
pedir o futuro o segredo desse prestígio moral que desbanca, a ligeiro aceno,
toda a influência espiritual do clero católico, assim como dessa bravura
espartana que faz quebrarem-se de encontro à resistência de algumas centenas de
rústicos campônios a tática, o valor e os esforços de um exército regular e
experimentado. Antonio
Conselheiro é seguramente um simples louco. Mas a sua loucura é daquelas em que
a fatalidade inconsciente da moléstia registra com precisão instrumental o
reflexo, se não de uma época, pelo menos do meio em que elas se generaram: 1 Não altera de uma linha as considerações
deste estudo a notícia que nos acaba de transmitir o telégrafo de que a 5 de
outubro o general Artur Oscar, que desde junho se achava em Canudos à frente de
mais de 12 mil homens, apoderou-se finalmente daquele reduto, batendo
completamente o bando de fanáticos que ali se achavam entrincheirados. Foi
encontrado o cadáver de Antonio Conselheiro, já sepultado no santuário de uma
igreja que ali estava construído, com tais proporções que se havia transformado
em uma fortaleza inexpugnável. A conduta de Antonio Conselheiro, mantendo-se
até a morte no seu posto, quando lhe teria sido facílimo retirar-se de Canudos para
ponto mais estratégico, é a confirmação final da sua loucura na execução integral do
papel do Bom Jesus Conselheiro, que lhe havia imposto a transformação de
personalidade do seu delírio crônico. (Nota de Nina-Rodrigues). * Este ensaio foi publicado em novembro de 1897
na Revista Brasileira e republicado em volume póstumo organizado por Artur Ramos (As coletividades anormais, Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1939, p. 50-77), de onde o transcrevemos
para esta Antologia. Na presente edição, a ortogra!a foi atualizada, as
referências bibliográficas citadas no corpo do texto foram completadas quando possível e seu registro modernizado. Revisão da
transcrição e traduções de Ana Maria G. R. Oda. (Nota da revisora). Pg11 Le facteur
sociologique,souvent négligé en pathologie mentale – escrevem mui
judiciosamente dois conhecidos psiquiatras – nous semble avoir une importance
non moindre en ce qui concerne l’aliéné qu’en ce qui concerne le criminel. Les
progrès de l’anthropologie ont démontré son importance majeure. Cette influence
des milieux sur les psychoses nous parait nettement demontré en particulier par
les psychoses mystiques; les caractéres differentiels que le délire emprunte
aux temps, aux lieux et aux croyances ambiantes, loin d’être super#tiels et de
pure forme, apparaissent d’autant plus profonds qu’on les etudie de plus près.2* 3 É examinada por este prisma que a cristalização do delírio de
Antonio Conselheiro, no terceiro período da sua psicose progressiva, reflete as
condições sociológicas do meio em que se organizou. No caso de Antonio Maciel, o diagnóstico de
delírio crônico (Magnan), de psicose sistemática progressiva (Garnier), de
paranóia primária dos italianos etc., em rigor não requer para se afirmar mais
do que a longa sistematização de quase trinta anos e a transformação
contemporânea do simples enviado divino no próprio filho de Deus. No entanto, as três fases que tem
atravessado a história de Antonio Conselheiro coincidem rigorosamente com os
três períodos admitidos na marcha da psicose primitiva. A vida de Antonio Maciel até a sua
internação na Bahia, tal como a conta o Sr. João Brigido, do Ceará, constitui o
primeiro período. Antonio Conselheiro é natural de Quixeramobim, no estado do
Ceará, e chama-se Antonio Vicente Mendes Maciel. Seu pai, que havia sido
proprietário e negociante abastado, legou-lhe com o encargo de três irmãs
solteiras, a direção de uma casa comercial pouco consolidada. Casadas as irmãs,
por sua vez Antonio Maciel toma estado desposando uma prima. “O casamento de
Antonio Maciel – diz um informante – foi um desastre. Pouco tempo depois vivia
na mais
infrene desinteligência com a sogra, por isso que açulava a filha a
maltratá-lo”. Nesta situação,Antonio Maciel fez ponto no seu comércio,
liquidando os seus negócios. Em 1859, mudou-se de Quixeramobim para Sobral,
onde foi caixeiro de um negociante, daí passou-se a Campo Grande,onde por algum
tempo exerceu o cargo de escrivão de juiz de paz. Mudou-se ainda para a vila do
Ipú,onde um sargento de polícia raptou-lhe a mulher. Retirou-se imediatamente
para a cidade do Crato, e desta
para os sertões da Bahia. Contam que em caminho para o Crato, ao passar Dissensões contínuas com a mulher e com a
sogra, mudanças sucessivas de emprego e de lugar,revolta agressiva com vias de
fato e ferimento de um parente que o hospeda, não é preciso mais para
reconhecer os primeiros esboços da organização do delírio crônico sob a forma
do delírio de perseguição. A fase inicial da sua loucura, o período de
inquietação, de análise subjetiva, ou de loucura hipocondríaca,em rigor nos
escapa na história de Antonio Maciel à míngua de um conhecimento mais íntimo de
sua vida no lar. É, porém, fácil perceber a influência das alucinações e a
procura da fórmula do seu delírio no que sabemos das suas lutas conjugais e,
sobretudo, nessas mudanças repetidas. Por tal forma característica dos
delirantes crônicos é este modo de reação que Favilla crismou de alienados
migradores, aqueles que as repetidas e sucessivas mudanças pedem debalde um
refúgio, uma proteção contra a implacável perseguição que lhes movem as
próprias alucinações, das quais nada os poderá libertar senão libertando-os da
mísera mente enferma. Penetrando nos sertões da Bahia, para o ano
de 1876, Antonio Maciel levava finalmente descoberta a fórmula do seu delírio.
O batismo de Antonio Conselheiro, pelo qual o ministro ou enviado de Deus
inicia a sua carreira de missionário e propagandista da fé, era o átrio apenas
de onde a loucura religiosa o havia de elevar ao Bom Jesus Conselheiro da fase
megalomaníaca da sua psicose. 2 * “O fator sociológico, freqüentemente negligenciado em
patologia mental, nos parece ter igual importância no que concerne tanto ao
alienado quanto ao criminoso. Os progressos da antropologia demonstraram sua
capital importância. Esta influência do meio sobre as psicoses nos parece claramente
demonstrada em particular pelas psicoses místicas; os caracteres diferenciais
que o delírio toma segundo o tempo, o lugar e as crenças circundantes, longe de
serem superficiais e puramente formais, mostram-se bem mais profundos se os
estudamos de mais perto”. (Nota da revisora). 3 Marie, Auguste e Vallon,
Charles. Des psychoses religieuses à évolution progressive et à systématisation
dite primitive. Archives de Neurologie,
2a. série, tomo III, p. 419, 1897. (Nota de Nina-Rodrigues). Pg12pB Antonio Conselheiro revestido, a modo dos
monges, com longa túnica azul cingida de grossa corda, descalço, arrimado a
tosco bordão, empreende missões ou “desobrigas” copiadas das que nos nossos
sertões realizam todos os anos religiosos de todas as ordens sacras, e que
diferem tanto do que devia ser uma verdadeira prática cristã quanto achava
Alimena que “un vechio volume ascetico pieno di !gure di diavoli e di dannati
di"erisce del profumato e ricco libro di preghiere di uma bela signora,
quanto le prediche melodrammatiche di un missionário diferiscono delle conferenze
spirituali del padre Agostino de Montefeltro.” 4*5 Pregando contra o luxo, contra os maçons,
fazendo queimar nas estradas todos os objetos que não pudessem convir a uma
vida rigorosamente ascética, Antonio Conselheiro anormaliza extraordinariamente
a vida pacífica das populações agrícola e criadora da província, distraindo-as
das suas ocupações habituais para uma vida errante e de comunismo em que os
mais abastados cediam parte dos seus recursos em favor dos menos protegidos da
fortuna. Bem aceito por alguns vigários, em luta
aberta com outros, no fim de alguns meses de propaganda Antonio Conselheiro é
preso e enviado para o Ceará, sob a suspeita de ter sido criminoso na sua
província natal. Já por essa ocasião, em pleno segundo período, bem se revelava
a coerência lógica do delírio na transformação da personalidade do alienado. A
turba que seguia Antonio Conselheiro quis opôr-se à sua prisão, mas, à
semelhança de Cristo, ordena-lhes Conselheiro que não se movam e
entrega-se à guarda, afirmando aos discípulos que iria, mas havia de voltar um
dia. Imperturbável a serenidade com que se comportou então. Fatos bastantes
significativos são referidos por testemunhas do interrogatório que aí sofreu. À autoridade que inquiria dele, para
fazê-los punir, quais dos guardas o haviam maltratado fisicamente em viagem,
limitou-se Antonio Conselheiro a responder que mais do que ele havia sofrido o
Cristo. E por única resposta às múltiplas perguntas sobre a sua conduta, sobre
seus atos retorquiu com uma espécie de sentença evangélica que “apenas se
ocupava em apanhar pedras pelas estradas para edificar igrejas”. Verificado no Ceará que Antonio Conselheiro
não era criminoso, e posto em liberdade imediatamente,regressou ao seio das
suas ovelhas, coincidindo precisamente, segundo crença geral, o dia que de
repente aí surgiu com aquele que havia marcado para a sua reaparição. E cada
vez mais encarnado no papel de enviado de Deus, desde então Antonio Conselheiro
prosseguiu imperturbável nas suas missões,
até o advento da República em 1889. Este acontecimento político devia influir
poderosamente para incrementar o prestígio de Antonio Conselheiro, levando-o ao
terceiro período da psicose progressiva. Veio ele desdobrar o delírio religioso
do alienado, salientando o fundo de perseguição que, tendo-lhe acompanhado
sempre, como é de regra na sua psicose, como reação contra os maçons e outros
inimigos da religião, por essa ocasião melhor se concretizou na reação contra a
nova forma de governo em que não podia ver se não um feito dos
seus naturais adversários. As grandes reformas promulgadas pela República
nascente, tais como separação da Igreja do Estado, secularização dos
cemitérios, casamento civil, etc. estavam talhadas de molde a justificar essa
identificação. Personificado
no governo republicano o adversário a combater, Antonio Conselheiro declarou-se
monarquista. Nas regiões onde ele predominava continuaram a prevalecer as leis
e os atos do tempo da Monarquia. Recusou-se a receber moeda que tivesse dizeres
da República, só tendo curso como valiosa a que trazia a efígie do monarca
deposto; aconselhou francamente que não se pagasse impostos ao governo
republicano e nem consentia que se tivessem por válidos os atos do estado civil
que não fossem realizados de acordo com as leis religiosas. Secundado pela luta
que o clero católico do país abriu contra essas reformas, amparado pelas
crenças 4 * “um velho volume ascético cheio de figuras de demônios e de
danados difere do perfumado e rico livro de orações de uma bela dama, quanto as
prédicas melodramáticas de um missionário diferem das conferências espirituais
do padre Agostino de Montefeltro”. (Nota da revisora). 5 Alimena, Bernardino. I limiti e i modificatori della
imputabilitá. Vol. 1. Torino: Bocca, 1894, p. 23. (Nota de Nina-Rodrigues). Pg13 monárquicas
e religiosas da população sertaneja, o prestígio de Antonio Conselheiro atingiu
o apogeu. O atestado da sua atividade nesse prazo e da força da convicção
religiosa que despertava está escrito ao vivo pelas paróquias do interior deste
Estado, nos inúmeros cemitérios, capelas e igrejas que nelas edificou. O
rebanho de fiéis que o acompanhava, e para o qual a fé cega na sua santidade já
era dogma incontrovertível, contou com milhares de pessoas. E derramada a fama dos seus milagres pelos
infindos sertões dos estados do Norte e do Centro do país acorreram, dos pontos
mais remotos, em contínuas e intermináveis caravanas, multidões de crentes e
devotos, a ouvir a palavra inspirada do profeta, a buscar a desobriga dos seus pecados,
a receber na fase tormentosa e agitada porque está passando o país a senha da
conduta e dos "agícios que melhor abrandem e desarmem a cólera divina
provocada pela ingratidão usada com o velho monarca decaído, e que lhes haja de
granjear pelo menos a felicidade celeste, já que na terra vai perdida a
esperança de reavê-la. A coerência do seu delírio se demonstra na
correção com que desempenha o papel de enviado de Deus. A sua vida, em que o
desprezo das preocupações mundanas o leva a prescindir de todos os cuidados
higiênicos do corpo, se prende o menos possível à contingência dos mortais.
Antonio Conselheiro não dorme, não come ou não come quase. O seu viver é uma
oração contínua e contínuo é o seu convívio com Deus, provavelmente de origem
alucinatória. São todos acordes em confessar que na
população que o seguia jamais consentiu ou patrocinou desmandos ou atentados
contra a propriedade ou contra pessoas. À
insubordinação contra o governo civil seguiu-se a revolta contra os poderes
eclesiásticos. Foi,ainda, o reconhecimento do governo pelo clero que mais
acentuou as desinteligências desacordo
entre eles. Conta-se que, tendo-lhe alguém objetado que tanto não era maçônico
o governo republicano que o Papa tinha aconselhado o clero francês a
reconhecê-lo, Antonio Conselheiro declarou que se o Papa tinha, de fato, dado
semelhante conselho, o Papa tinha andado mal. Por último, o cisma tornou-se
franco e não pôde mais haver acordo possível entre ele e as autoridades
eclesiásticas. Tentou-se
nestes últimos anos uma missão de catequese entre os adeptos de Antonio
Conselheiro. Mas os
frades capuchinhos a que fora cometida essa missão, apesar da recepção senão de
todo hostil pelo menos reservada do Conselheiro, tiveram de fugir diante da
atitude ameaçadora dos discípulos e da turba do profeta, declarando formalmente
ao regressar que só a intervenção armada dos poderes civis poderia por bom
termo àquela anomalia. Parece
que aquilo que a catequese de tempos idos obteve do índio feroz e canibal, no
recesso das matas virgens do Novo Mundo, na ignorância completa dos costumes,
da língua do aborígine a quem mais irritavam e tornavam ferozes as perseguições
cruéis do conquistador, a catequese dos tempos que correm não pôde conseguir de
uma população naturalmente inclinada à generosidade e à religião. E é tarefa
mais fácil e expedita destruir os recalcitrantes à bala do que convertê-los
pela lenta persuasão religiosa.
No entanto, a necessidade de chamar a grande massa de povo que o seguia à
obediência das leis da República, que nem ele nem os seus sequazes queriam
admitir, fez prever desde logo a todo o mundo que a luta havia de passar
forçosamente da simples propaganda pela palavra para o terreno da ação pelas
armas. Em seguida
a diversos insucessos de pequenas expedições policiais, Antonio Conselheiro
deixou a vila de Bom Jesus quase por ele edificada e internando-se pelo sertão
foi estabelecer o quartel general da propaganda em Canudos, reduto de difícil
acesso e que em curto prazo Antonio Conselheiro havia transformado de estância
deserta e abandonada em uma vila florescente e rica. Pg14 Quando a necessidade obrigou a tornar
efetiva a obediência à lei, Antonio Conselheiro achava-se admiravelmente
aparelhado para a resistência pela natureza do local ocupado. As conseqüências
dessa luta são conhecidas.B Sucessivamente três expedições militares,
cada qual mais poderosa, têm naufragado em Canudos,infligindo ao exército
brasileiro dolorosas perdas e lamentáveis revezes. Cem praças comandadas pelo
alferes Pires Ferreira foram destroçadas em Uauá; cerca de quinhentos soldados
da expedição do major Febronio de Brito foram batidos na serra do Cambaio e
tiveram de efetuar uma retirada perigosíssima. Cerca de 1.500 homens da expedição
comandada pelo coronel Moreira Cezar foram destroçados em Canudos, sucumbindo o
chefe da expedição. Hoje o exército brasileiro em peso bate-se já há três meses
em Canudos, os hospitais regurgitam de feridos, é elevado o número de oficiais
mortos, e não se sabe ao certo quando terminará a luta. Alguma coisa mais do que a simples loucura
de um homem era necessária para este resultado e essa alguma coisa é a
psicologia da época e do meio em que a loucura de Antonio Conselheiro achou
combustível para atear o incêndio de uma verdadeira epidemia vesânica. As leis que regem a manifestação epidêmica
da loucura são precisamente as mesmas que Lasègue e Falret formularam, desde
1877, para o caso mais simples do contágio vesânico, o caso do delírio a dois.
Três momentos básicos reconhecem essas leis. Em primeiro lugar, a existência de um
elemento ativo que cria o delírio e o impõe à multidão que passa a representar
o elemento passivo do contágio6. Aceitando embora as idéias delirantes, a multidão reage por seu
turno sobre o elemento ativo, retificando, emendando, coordenando o delírio que
só então se torna comum. Em segundo lugar, é indispensável uma
convivência prolongada das duas ordens de espíritos,“vivendo uma vida comum, no
mesmo meio, partilhando o mesmo modo de interesses, os mesmos temores, as
mesmas esperanças e estranhos a qualquer outra influência exterior”. Em terceiro e último lugar, o contágio do
delírio requer nele “um caráter de verossimilhança à sua manutenção nos limites
do possível, repousando em fatos ocorridos no passado ou em temores e
esperanças concebidas para o futuro”. Em Canudos representa de elemento passivo o
jagunço que, corrigindo a loucura mística de Antonio Conselheiro e dando-lhe
umas tinturas das questões políticas e sociais do momento, criou,tornou
plausível e deu objeto ao conteúdo do delírio, tornando-o capaz de fazer vibrar
a nota étnica dos instintos guerreiros, atávicos, mal extintos ou apenas
sofreados no meio social híbrido dos nossos sertões, de que o louco como os
contagiados são fiéis e legítimas criações. Ali se achavam de fato,
admiravelmente realizadas, todas as condições para uma constituição epidêmica
de loucura. O jagunço é um produto tanto mestiço no
físico que reproduz os caracteres antropológicos combinados das raças de que
provém quanto híbrido nas suas manifestações sociais, que representam a fusão
quase inviável de civilizações muito desiguais. Pelo lado etnológico, não é jagunço todo e
qualquer mestiço brasileiro. Representa-o em rigor o mestiço do sertão, que
soube acomodar as qualidades viris dos seus ascendentes selvagens, índios ou
negros, às condições sociais da vida livre e da civilização rudimentar dos
centros que habita. Muito diferente é o mestiço do litoral que a aguardente, o
ambiente das cidades, a luta pela vida mais intelectual do que física e uma
civilização superior às exigências da sua organização física e mental
enfraqueceram,abastardaram, acentuando a nota degenerativa que já resulta do
simples cruzamento de raças antropologicamente muito diferentes, e criando,
numa regra geral que conhece muitas exceções,esses tipos imprestáveis e sem
virilidade que vão desde os degenerados inferiores, verdadeiros produtos
patológicos, até esses talentos tão fáceis, superficiais e palavrosos quanto
abúlicos e improdutivos, nos quais
os lampejos de uma inteligência vivaz e de curto vôo correm parelhos com a
falta de energia e até de perfeito equilíbrio moral. Pg15 No
jagunço, ao contrário, revelam-se inteiriços o caráter indomável do índio
selvagem, o gosto pela vida errante e nômade, a resistência aos sofrimentos
físicos, à fome, à sede, às intempéries, decidido pendor pelas aventuras da
guerra, cuja improvisação eles descobrem no menor pretexto, sempre prontos e
decididos para as razias das 6 Em rigor, no elemento passivo do contágio vesânico a loucura é
toda superficial e sem raízes. Para fazê-la desaparecer de todo basta retirar
os indivíduos do ambiente sugestivo em que se acham. (Nota de Nina-Rodrigues). vilas e
povoados, para as depredações à mão armada, para as correrias de todo o gênero
que os interesses do mando, as exigências da politicagem e as ambições de
aventureiros fazem suceder-se de contínuo por toda a vasta extensão das zonas
pouco habitadas do país. Seria desconhecer o nosso próprio país
acreditar que nessas vastas regiões seja mais do que nominal a existência da
civilização européia. O que ali impera é um compromisso entre as tendências
para uma organização feudal por parte da burguesia abastada e a luta das
represálias de tribos bárbaras ou selvagens por parte da massa popular. Todas as grandes instituições que na
civilização deste fim de século garantem a liberdade individual e dão o cunho
da igualdade dos cidadãos perante a lei, sejam políticas como o direito do
voto, o governo municipal autônomo etc., sejam judiciárias como o funcionamento
regular dos tribunais, tudo isso é mal compreendido, sofismado e anulado nessas
longínquas paragens. O que predomina soberana é a vontade, são os sentimentos
ou os interesses pessoais dos chefes, régulos ou mandões, diante dos quais as
maiores garantias da liberdade individual, todas as formas regulares de
processo, ou se transformam em recurso de perseguição contra inocentes, se
desafetos, ou se anulam em benefício de criminosos quando amigos. E a mais das
vezes a execução dessa vontade soberana é sumaríssima, e em nada diferem os
processos escolhidos do que eram os adotados pelo selvagem que antes do europeu
possuiu este país. Antigamente eram estes senhores feudais os
grandes estancieiros, os criadores abastados, os proprietários de engenho;
atualmente são principalmente os chefes políticos locais, os amigos do governo,
os fabricantes de eleitores fantásticos. A luta entre os que estão de posse do poder
e os que disputam essa posse, admiravelmente favorecida nos tempos monárquicos
pelo revezamento no governo dos dois partidos constitucionais, mas então como
ainda hoje melhor favorecida ainda pelas intrigas e arranjos das camarilhas que
cercam os governos centrais, sempre trouxe dividida a população sertaneja em
dois grupos opostos e rivais, em dois
campos inimigos e irreconciliáveis, capitaneados por verdadeiros régulos, de
que os jagunços representavam apenas o exército, a força material. Esta situação que o jagunço não chega mesmo
a compreender mas de que acaba sempre sendo o responsável legal, oferece-lhes
todavia o melhor ensejo para satisfação dos seus instintos guerreiros. Foi sempre nessas lutas, políticas ou
pessoais, que se revelaram todas as qualidades atávicas do mestiço. Dedicado
até a morte, matando ou deixando-se matar sem mesmo saber por que, foi sempre
inexcedível o valor com que se batiam, consumada a tática, a habilidade de
guerrilheiros que punham em prática, relembrando as lutas heróicas do aborígine
contra o invasor europeu. Essas qualidades, que tão grande realce dão
hoje às guerras que se pelejam em Canudos, não são,pois, peculiares às tropas
de Antonio Conselheiro; são característicos do jagunço. Como Vila-Nova, como João Abade, era
jagunço Gumercindo Saraiva, o terrível cabo de guerra que dos pampas do Rio
Grande, à frente das suas hostes veio bater às portas de São Paulo; é jagunço
Montalvão, o destemido general das guerrilhas de Andaraí e o foram os Araújos e
Maciéis do Ceará,os Ledos e Leões do Grajaú, no Maranhão, e um pouco por toda
parte, todos os guerrilheiros dos sertões do Brasil inteiro. Belicamente, Canudos é, pois, um caso
apenas, e mais nada, dos ataques de Xique-Xique, Andaraí,Cochó, Brejo-Grande,
Lençóis, Belmonte, Canavieiras etc., neste estado; de Carolina e Grajaú, no
Maranhão; de mil outras localidades de Goiás, Pernambuco, Minas Gerais, etc.
Mas para que bem se possa compreender a importância que neste elemento belicoso
devia tornar o caso de Canudos, é preciso atender a que era Canudos a primeira
luta pelejada no Brasil em nome das convicções monárquicas, que são as
convicções do sertanejo.Para acreditar que pudesse ser outro o sentimento
político do sertanejo, era preciso negar a evolução política e admitir que os
povos mais atrasados e incultos podem, sem maior preparo, compreender,aceitar e
praticar as formas de governo mais liberais e complicadas. Pg16Pg20B A população sertaneja é e será monarquista
por muito tempo, porque no estádio inferior da evolução social em que se acha,
falece-lhe a precisa capacidade mental para compreender e aceitar a
substituição do representante concreto do poder pela abstração que ele encarna,
– pela lei. Ela carece instintivamente de um rei, de um chefe, de um homem que
a dirija, que a conduza, e por muito tempo ainda o presidente da República, os
presidentes dos estados, os chefes políticos locais serão o seu rei,como, na
sua inferioridade religiosa, o sacerdote e as imagens continuam a ser os seus
deuses. Serão monarquistas como são fetichistas, menos por ignorância, do que
por um desenvolvimento intelectual,ético e religioso, insuficiente ou
incompleto. O que é pueril é exigir que essas
populações compreendam que a federação republicana é a condição,a garantia da
futura unidade política de um vasto país em que forçosamente hão de concorrer
povos, muito diferentes de índole, de costumes e de necessidade, o que requer
uma elasticidade de ação que não poderia oferecer a centralização governamental
da Monarquia. O que
não se pode exigir delas é que reconheçam que as dificuldades do momento são a
conseqüência lógica e natural dos ensaios, tentativas e experiências de
adaptação do povo que procura a orientação toda pessoal que mais lhe há de
convir na nova organização política. Para essa população, o raciocínio não pode
ir além da comparação da situação material do país antes e depois da República. A
Monarquia era os víveres baratos, a vida fácil; a República é a vida difícil, a
carestia dos gêneros alimentícios, o câmbio a zero. Por seu turno, não é peculiar a Canudos a
tendência a se constituir em uma epidemia vesânica de caráter religioso. Se os estudos que tenho publicado sobre a
religiosidade fetichista da população baiana7 não ministrassem já documentos suficientes para
se julgar da crise em que se encontra o seu sentimento religioso no conflito
entre a imposição pela educação que recebe a população, de um ensinamento
religioso superior à sua capacidade mental, e a tendência para as concepções
religiosas inferiores que requer a sua real capacidade efetiva, nós poderíamos
corroborá-las com a prova do que neste momento se passa nesta cidade com
relação à interna epidemia de varíola que desapiedadamente a flagela. Por menos
observador que seja o espírito, por mais que o disfarce o lixo que cobre as
ruas da cidade, não é possível percorrê-la sem notar a singularidade de haver
em cada canto de rua milho estalado ao fogo,de mistura com azeite de dendê. Em
um só dia que as exigências da clínica me fizeram percorrer grande parte da
zona mais vitimada pela varíola, tive ensejo de contar vinte e tantos desses
estranhos depósitos
feitos da noite precedente. Prende-se este fato a uma crença fetichista
africana profundamente enraizada na nossa população.A erupção variólica
representa para ela apenas uma manifestação da possessão pelo orixá
Saponan,Homonolú ou Abaluaê.8* Decorrem desta concepção crenças populares
que se transformam em obstáculos insuperáveis à aplicação regular das medidas
sanitárias profiláticas. A população de cor despreza a vacina porque está
convicta de que o melhor meio de abrandar a cólera do orixá é fazer-lhe
sacrifícios que consistem em lançar nos cantos das ruas em que ele habita a sua
iguaria favorita – milho estalado em azeite de dendê. Pg17 Muitos acreditam que trazendo milho assim
preparado nos bolsos ou debaixo do leito estão suficientemente preservados. E
pior do que tudo isso é a convicção imposta pelo rito iorubano, de que o santo
ou orixá exige que longe de fugir, todos se aproximem dele. Não é mais complicada a terapêutica que
deriva crenças. Basta dar ao doente o que é preciso para alimentar o santo,
farinha de milho e azeite de dendê. Dizem que as negras chegam a untar o corpo
dos seus doentes com o azeite divino. Referiram-me, como prova da eficácia da
terapêutica animista, 7 Veja O animismo fetichista dos negros baianos na Revista
[Brasileira] de 15 de abril, l de maio, 15 de junho, 1 e 15 de julho, l de
agosto e 4 de setembro de 1896. (Nota de Nina-Rodrigues). 8 * A grafia usada por Nina-Rodrigues é “orisá”. As grafias atuais
dos nomes deste orixá são: Xapanã, Omulú ou Obaluaê (Nota da revisora). que na
convalescença de uma varíola confluente grave, a filhinha de um médico mestiço
descia do leito e ingeria impunemente a farofa de milho e azeite de dendê
depostos debaixo da cama em oferta a Saponan. Ora, se na população da capital têm curso
práticas e doutrinas desta natureza, pode-se prever o que há de ser a religião
dos sertanejos. Para esta população, as abstrações religiosas são fortes
demais. A necessidade de uma divindade tangível e
material se impõe com força suficiente para destruir todo o prestígio de uma
crença cuja história ela aprendeu de cor, mas que transcendente demais, não lhe
pode criar a emoção do sentimento religioso. A chacun des degrés de
leur évolution – escreveu Spencer – les hommes doivent penser avec les idées
qu’ils possèdent. Tous les changements qui attirent leur attention et dont ils
peuvent observer les origines ont des hommes et des animaux pour antécédents;
par suite, ils sont incapables de se "gurer les antécédents en général
sous d’autres formes, et ils donnent ces formes aux puissances créatrices. Si
l’on veut alors leur enlever ces conceptions concrètes, pour leur donner à la place
des conceptions comparativement abstraites, leur esprit n’aura plus de
conceptions du tout, puisque ces conceptions nouvelles ne pourront être
representées dans l’entendement. Il aura été de même à chaque époque de
l’histoire des croyances religieuses, depuis la première jusqu’à la dernière.9* 10 Alimento a suposição de ter demonstrado com fatos que a população
brasileira é puramente fetichista,ainda mesmo na afirmação das suas crenças
católicas. A divinização de Antonio Conselheiro devia,
pois, dar plena satisfação às necessidades do seu sentimento religioso. Era a
satisfação do seu fetichismo instintivo dentro da educação religiosa cristã que
essa população recebe desde o berço, embora sem poder assimilá-la
suficientemente. Explica-se assim a facilidade com que
Antonio Conselheiro suplantou o prestígio do clero católico. Mas antes de
Antonio Conselheiro já este prestígio tinha sido invariavelmente suplantado
todas as vezes que o clero teve de combater uma tournure fetichista mais
escandalosa dada pela população a práticas do culto católico. Já demonstramos uma vez11 a ineficácia das
condenações do clero como recurso contra uma verdadeira romaria fetichista a
Santo Antonio da Barra, aqui nesta capital. Igualmente
ineficazes foram as medidas repressivas empregadas para obstar que a população
continuasse a afluir aos atos divinos realizados na igreja interdita de Nossa
Senhora das Candeias e por um sacerdote suspenso de ordens. De todos esses
exemplos, porém, o mais grave é o do padre Cícero,em Juazeiro no Ceará. Eis
como o descreve em um artigo sob o título expressivo de ‘Contumácia’, [o
jornal] a Cidade do Salvador, conceituado órgão católico desta cidade: O povo diz que vê a sagrada hóstia desfazer-se
em sangue na boca da beata, e jura que Deus faz sentir o seu poder e a sua
misericórdia naquelas paragens. Bandos e bandos de peregrinos de todas as
circunvizinhanças abandonaram os seus lares e correram a presenciar o milagre.
Intervém a autoridade eclesiástica, examina maduramente a questão, aprecia-a
sob todas as suas faces, estuda com atenção, e depois de aturado exame, resolve
que o fato que tanto ruído fizera, não passa de uma farsa, de um ardil, que é
preciso desmascarar. Grandes são os trabalhos, enormes os esforços do diocesano
para fazer calar no ânimo daquele povo crédulo e exaltado a falsa persuasão do
milagre. Segue a Roma a questão, é confirmado o veredictum do bispo da
Diocese. Recolhe-se a uma casa religiosa a beata, suspende-se o padre que se
torna contumaz no seu erro, proíbe-se a crença do fato milagroso. Mas o povo
continua a crer no seu milagre; o padre suspenso continua a residir na mesma
localidade e em seus arredores; é considerado uma vítima de insidiosa
intolerância: e tudo isto serve de fermento para novos inconvenientes. E aqui
está um sacerdote, obrigado a acatar e respeitar a voz da Igreja, a zelar e
defender a inteireza de sua doutrina, a obedecer e submeter-se às determinações
de seus superiores hierárquicos, a ser a pedra de escândalo de uma paróquia,
quiçá do Brasil inteiro,o cabeça de uma revolta funesta e fatal, o provocador
de um cisma latente e perigoso, que se não for sopitado e abafado, virá a
trazer dias de amarguras para a santa Igreja e para a Pátria brasileira. Nesta população de espírito infantil e inculto, assim atormentada
por uma aspiração religiosa não satisfeita, forçosamente havia de fazer
profunda sensação a figura impressionante de um profeta ou enviado divino
desempenhada por um delirante crônico na fase megalomaníaca da psicose. “Tous ces malades sont
!ers, dignes et magesteux dans leur atitude – escreve Régis – et ils ne
départent pas un seul instant de leur serieux et de leur solemnité. On dirait
les acteurs de tragédie chargés de quelque rôle royal qui continueraient en
public et dans le costume de leur emploie à jouer leurs personnages.” 12* Tal é a origem e a explicação da força
sugestiva do Conselheiro no papel de elemento ativo da epidemia de loucura de
Canudos. Mas foi
o instinto belicoso, herdado por essa população do indígena americano, que,
para dar satisfação pelas armas às suas aspirações monarquistas, se apoderou do
conteúdo do delírio de perseguição de Conselheiro que, nas suas concepções
vesânicas tinha acabado identificando a República com a maçonaria. E foi este o segredo da bravura e da
dedicação fanatizada dos jagunços que, de fato, se batiam pelo seu rei e pela
sua fé. 12 * Sem referência da obra de Régis. “Todos esses doentes são
orgulhosos, dignos e majestosos em sua atitude, e não deixam por um só instante
sua seriedade e sua solenidade. Diria-se que são atores de tragédia
encarregados de um papel de rei que continuassem, em público e ainda vestidos a
caráter, a representar seus personagens”. (Nota da revisora). 9 * “A cada grau de sua evolução, os homens devem pensar com as
suas próprias idéias. Todas as mutações que atraem sua atenção, e de que eles
podem observar as origens, têm homens e animais como antecedentes; por
conseqüência, são incapazes de representar os antecedentes em geral de outra
maneira, e dão essas formas aos poderes criadores. Caso se queira retirar-lhes
estes conceitos concretos, para substituí-los por conceitos comparativamente
abstratos, seu espírito não terá mais a concepção do todo, pois estes novos
conceitos não poderão ser representados mentalmente. Terá sido assim a cada época da história das crenças religiosas, desde a primeira até a
última delas.” (Nota da revisora). 10 Spencer, Herbert. Les premiers principes. 5a. ed. Paris: Félix
Alcan, 1888, p. 87. (Nota de Nina-Rodrigues). 11 Ilusões da catequese no Brasil. Revista [Brasileira] de 15 de
março de 1897. (Nota de Nina-Rodrigues). B
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