Capítulo 8: Aspectos neurológicos

Hilda Morana

O psiquiatra britânico Adrian Raine, da Universidade da Pensilvânia, já dedicou mais de 30 anos de sua vida a tentar entender o cérebro dos criminosos. Em seus estudos, ele analisa desde crianças para saber como o comportamento se desenvolve, até presos em cadeias de segurança máxima”

Adrian Raine, da Universidade da Pensilvânia, por exemplo, defende que mães com má nutrição que bebem ou fumam durante a gestação têm o dobro de chances de gerar um filho violento. Ele também participou de uma pesquisa realizada na cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul, na qual a propensão à violência foi relacionada à baixa frequência cardíaca.

Para o pesquisador, os estudos têm demonstrado que é possível reduzir a criminalidade oferecendo atividades físicas e melhor alimentação (a ingestão de ômega 3 é destaca por ele como essencial). Segundo Raine, o estudo realizado em Pelotas mostrou que fazendo isso com crianças de três a cinco anos, a criminalidade quando elas chegaram aos 23 anos foi reduzida em 34%. “Claro que não estamos solucionando a criminalidade, mas é possível reduzi-la”, diz Raine

Raine, que esteve no Brasil em junho, participando do 14° World Congress on Brain, Behavior and Emotions, em Porto Alegre, sugere que a propensão à violência ocorre pela soma de alterações nas funções cerebrais causadas pela genética –a amígdala dos psicopatas seria até 18% menor do que o normal– e pelo ambiente –como mães que fumam durante a gravidez e má alimentação nos primeiros anos de vida. ” Jornal Folha de São Paulo dia 06 de novembro de 2017. Caderno Ciências

Os lobos frontais criam o cérebro social, combinando emoções, conhecimento, detecção de erros, o corpo, a vontade e um senso autobiográfico de identidade. Circuitos especiais contendo células comunicadoras parecem transmitir mensagens -sinto que isso é certo, sinto que isso é errado- ao restante do cérebro (Ricardo de Oliveira Souza).

As pesquisas referentes a achados neurológicos baseiam-se mais em estudos com sujeitos que cometeram crimes violento como também com sujeitos portadores de transtorno antissocial, do que com psicopatas, segundo definição precisa.

Contudo similaridades de comportamentos entre psicopatas, sem evidências de lesão cerebral e pacientes com dano no córtex pré-frontal que apresentam comportamento pseudo-psicopático são referidos em diversos estudos. Sabe-se hoje que distúrbios na região citada podem modificar radicalmente o comportamento do adulto, e que a disfunção do lobo frontal pode contribuir para o comportamento criminoso. (The Executive Brain: Frontal Lobes and the Civilized Mind by Elkhonon Goldberg. Oxford, University Press).

Imagens funcionais do cérebro, tais como aquelas produzidas por PET (positron emission tomography) têm sido usadas para corroborar a existência de déficit funcionais no lobo frontal em psicopatas.

Desde 1858 com o célebre caso de Phineas Gage, um trabalhador de ferrovia, que teve uma lesão na região do córtex pré-frontal ventromedial, provocada por uma barra de ferro e que antes uma pessoa consensual, se tornou agressivo e com comportamento psicopático.

WELT (1888), apud MARIETÁN (1998) observou uma evidente mudança de caráter, consecutivo a traumatismos que produziam lesão dos setores médios da superfície inferior do cérebro frontal, ou seja, da região orbitaria. Refere que um homem anteriormente bondoso y alegre, se tornou, logo depois das lesões, irascível, malvado, perverso e indiferente. A memória não sofreu nenhuma alteração, segundo o autor.

Segundo KLEIST (1931), o psicopata antissocial seria um enfermo orbitário vítima de alguma malformação ou disfunção orbitária (MARIETÁN. 1998 )

RAINE, (1994) descobriu que bebês do sexo masculino que sofreram complicações no parto têm probabilidade três vezes maior de praticar crimes violentos que aqueles que não se expuseram a este fator. Estudou 4.629 bebês dinamarqueses nascidos entre setembro de 1959 e dezembro de 1961. As crianças afetadas representavam apenas 4,5% do grupo, mas praticaram 18% dos crimes violentos da cidade.

RAINE (1994) havia estudado um grupo de 22 sujeitos acusados de assassinato e 22 sujeitos controles de mesmo sexo e idade, através da medida local do consumo de glicose usado em tomografia por emissão de pósitrons, durante a execução de uma tarefa contínua. Os resultados mostraram que os assassinos tiveram significativa redução do metabolismo da glicose em ambos os córtex pré-frontais, lateral e medial, em relação aos controles.

Outro estudo do mesmo autor (RAINE,2000) revelou que pacientes com transtorno antissocial da personalidade e sem evidências de lesão cerebral tiveram uma redução de 11% no volume da substancia cinzenta no córtex pré-frontal e reduzida atividade autonômica em resposta ao estresse.

As áreas pré-frontais, que atingem no homem o seu máximo desenvolvimento, são áreas cerebrais de maturação mais tardia em relação a outras áreas. Relacionam-se com funções do pensamento abstrato e simbólico. Desempenham papel fundamental na formação de intenções e programas, funções estas relacionadas com o planejamento do futuro. São áreas responsáveis por dirigir a atenção para uma tarefa, bem como na regulação e verificação dos comportamentos humanos mais complexos. Está também, ao que se sabe, associado ao comportamento de recompensa, em suas regiões mediais, modulando o afeto e as emoções, assim como modulando a capacidade de adiar gratificações e a de lidar com as frustrações. (DALGALARRONDO, 2000).

Herpertz e colaboradores (2001) estudaram 25 psicopatas definidos pelo PCL-R, para avaliar as respostas emocionais destes sujeitos. Utilizaram-se de resposta electrodermal, modulação reflexiva e atividade eletromiográfica. Concluíram que os psicopatas são caracterizados por uma pronunciada ausência de respostas de medo aos estímulos aversivos. Além disso, os resultados desta pesquisa sugerem, segundo os autores, um defeito em processar a informação afetiva independentemente do estímulo afetivo ser positivo ou negativo. Sugerem ainda que os psicopatas estariam sujeitos a violência por não serem capazes de sentir emoções e desta forma não conterem o impulso violento.

Desta forma, o baixo envolvimento emocional destes sujeitos com os estímulos aversivos, correlacionados ao nível neurológico funcional com baixa captação de glicose nas regiões pré-frontais e aumento de atividade de regiões sub-corticais como amígdala, poderia também se correlacionar com a falta de preocupação com as consequências de seus atos, ou seja, com o fato de poderem vir a ser presos, além é claro, com o fato de não sentirem remorso ou culpa por seus atos.

Vários outros autores fazem referência à incapacidade dos psicopatas em responderem às imagens com apelos emocionais. Desta forma entendemos o porquê destes sujeitos não serem passíveis de recuperação através da orientação psicológica e mesmo psicoterápica. É improdutivo dizer ao psicopata que deve ter consideração pelos demais e/ou palavras desta ordem.

Os diversos estudos sobre o funcionamento cerebral de sujeitos com TEP vão ao encontro dos dados neuropsicológicos que indicam a dinâmica de regulação e controle dos impulsos. O circuito envolvido percorre do córtex medial, basolateral, temporal e orbitário, às regiões pré-frontais. São sistemas cerebrais inter-relacionados, aos quais se pode atribuir um papel proeminente no comportamento diferenciado, que envolve senso ético, moderação dos impulsos e ascendência dos sentimentos (LA-PIERRE e cols,1995).

Quanto aos achados neuroquímicos, vários estudos têm demonstrado a deficiência de atividade de neurotransmissores e seus precursores no cérebro de indivíduos considerados psicopatas. O mesmo ocorre em sujeitos que cometeram crimes violentos e com descontroles impulsivos.

Best e colaboradores (2002), sugerem que pacientes com transtorno explosivo intermitente da personalidade, cuja característica é agressão por impulso, poderiam ter níveis reduzidos de atividade serotoninérgica do circuito córtex pré-frontal orbital/medial.

Cocarro e colaboradores (1997) em estudos com PET scan têm demonstrado que indivíduos com transtorno explosivo intermitente da personalidade apresentam menor atividade da serotonina no córtex fronto-orbitário do que em controles. Verificaram que no líquor, níveis de vasopressina aparecem positivamente relacionados com impulso agressivo, enquanto ocorre uma relação inversa entre a ação da serotonina e vasopressina.

Alm e colaboradores (1996) notaram baixos níveis da atividade da enzima MAO (monoaminoxidase) em sujeitos bem ajustados e criativos e em sujeitos não criminosos. Especularam que a redução da atividade da MAO poderia estar ligada a traços de personalidade assim como “busca de sensação” e impulsividade, mais do que diretamente à criminalidade. Ressaltam que outros estudos, contudo demonstraram haver evidência de redução da MAO em sujeitos com estilo de vida psicopático ou antissocial.

McBurnett (2000) encontrou baixo nível de cortisol salivar associado com precoce e persistente agressividade em crianças de 7 a 12 anos.

Stone (1999) concluiu, depois de analisar diversas pesquisas neurofisiológicas, que:

(…) À medida que os níveis de serotonina diminuem, a agressividade normal transforma-se em destemor ou “coragem” incomum, ou seja, em impulsividade e agressividade anormais com tendências violentas” Nessa extremidade do continuum, existem implicações forenses, uma vez que pessoas exibindo esses baixos níveis de serotonina têm maior risco para envolvimento em problemas com a lei ”.

A testosterona salivar foi também implicada na criminalidade. BANKS (1996), verificou em um estudo comparativo que a dosagem de testosterona salivar foi maior para o grupo de delinquentes do que para estudantes que não apresentaram antecedentes de delinquência.

Resumindo, verifica-se uma correlação entre diversos agentes neuroquímicos com comportamento de violência, agressividade, impulsividade. Contudo, nenhuma destas tendências configura um quadro específico de TEP. Tais fatores não são determinantes dos TEP, apenas buscam correlacionar achados neurobiológicos que ocorrem em sujeitos mais ou menos excitáveis, ativos, ou que apresentem comportamento disruptivo.

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