Novembro de 2025 – Vol. 31 – Nº 11

Comentário editorial de Walmor J. Piccinini sobre a entrevista e o artigo de Thomaz Wood Jr.

1. Introdução – O pilar abalado

Em 2018, Thomaz Wood Jr., professor da Fundação Getúlio Vargas, publicou em Triple Helix Brasil o provocativo texto “O fim do artigo científico”, no qual descreve o atual sistema de publicações acadêmicas como um “pilar transformado em zumbi”.
A imagem é contundente — e talvez precisa: um modelo outrora revolucionário, que acelerou o avanço da ciência, agora parece à beira da obsolescência.

Em entrevista à Revista Adusp (2017), o mesmo autor descreve a “mentalidade mercantilista” que domina o mundo acadêmico: professores e alunos pressionados a produzir em série, fragmentando suas pesquisas, repetindo fórmulas e multiplicando textos que poucos lerão. O que era expressão de vocação científica tornou-se linha de montagem de pontuações, e o que era publicação virou moeda de troca curricular.

2. A crítica de Wood Jr. – o produtivismo como taylorismo acadêmico

Wood Jr. compara o sistema universitário contemporâneo a uma fábrica taylorista, guiada por metas quantitativas, índices de impacto e prazos de produtividade. A metáfora é cruel, mas eficaz.
Nessa lógica, orientadores cobram artigos de orientandos como quem cobra peças de produção; fragmenta-se uma mesma pesquisa em partes mínimas (“ciência salame”) e compartilha-se autoria de forma automática.
O resultado é uma torrente de textos que não ampliam o conhecimento, apenas preenchem tabelas de desempenho.

Segundo o autor, o fenômeno é global: nos Estados Unidos, o produtivismo isolou a academia numa “torre de marfim” onde os pares escrevem apenas para os pares. No Reino Unido, tenta-se reagir medindo o impacto social da pesquisa.
Mas o Brasil, diz ele, segue mais os maus exemplos do que as boas inovações, adotando o culto aos indicadores sem adotar os mecanismos de correção ética ou de relevância pública.

3. O caso da psiquiatria – a lição para a medicina e as ciências humanas

Na psiquiatria, esse modelo também se instalou. A busca por publicações indexadas, a pressão por impact factor e a obsessão por métricas substituíram a investigação clínica, o debate conceitual e o pensamento crítico que marcaram os mestres do século XX.
O fenômeno repete o que Wood Jr. chama de “fetiche estatístico”: trabalhos cada vez mais longos, formalizados e herméticos, afastando-se da prática e da sociedade que deveriam servir.

No Brasil, assistimos a uma proliferação de revistas “científicas” que, muitas vezes, não são lidas por ninguém — e a uma retração das revistas de reflexão e debate interdisciplinar, como a Revista Brasileira de Psiquiatria em sua fase clássica ou, em outro registro, a Psychiatry Online Brazil, que mantém viva a comunicação direta, acessível e crítica.

4. A proposta – resgatar o sentido do conhecimento

Wood Jr. sugere substituir o modelo do artigo por módulos de conhecimento, curtos, objetivos e interativos — conectados por hiperlinks, dados e recursos multimídia.
Mais importante que a forma, contudo, é o conteúdo: a ciência deve voltar-se para problemas reais — pobreza, desigualdade, saúde mental, ambiente — e não para os índices de produtividade que alimentam carreiras.

Sua advertência vale especialmente para nós, que trabalhamos em áreas aplicadas: a medicina e a psiquiatria não podem perder de vista o paciente em nome da publicação.

5. Conclusão – Entre o artigo e a vida

O texto de Thomaz Wood Jr. é uma convocação. Ele denuncia, mas também inspira.
Não propõe o “fim” do artigo científico, mas seu renascimento, despido de burocracia e reconectado com a realidade.
Cabe a nós — psiquiatras, clínicos, pesquisadores — reconstruir essa ponte entre ciência e humanidade.

Talvez o verdadeiro artigo científico do futuro não seja o que cita cem autores, mas o que ajuda um único leitor a compreender melhor o sofrimento humano.

Referências:

  • Wood Jr., T. (2018). O fim do artigo científico. Triple Helix Brasil, 16/10/2018.
  • Hebmüller, P. (2017). Entrevista com Thomaz Wood Jr. Revista Adusp, 20/06/2017.
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