Setembro de 2025 – Vol. 31 – Nº 9

Walmor J. Piccinini

A história da psiquiatria brasileira revela contrastes significativos entre a experiência do Hospício Pedro II, fundado no Rio de Janeiro em 1852, e a do Hospício São Pedro, inaugurado em Porto Alegre em 1884. Apesar de ambos terem surgido com a função declarada de tratar a loucura e organizar a assistência aos alienados, suas trajetórias institucionais seguiram caminhos bastante distintos, com repercussões diretas para o desenvolvimento da psiquiatria em cada região.

O Hospício Pedro II, concebido sob a égide da Coroa e vinculado à Santa Casa da Misericórdia, foi entregue à administração das Irmãs de Caridade de São Vicente de Paulo. O modelo inicial estava impregnado da lógica assistencial religiosa, em que o cuidado aos alienados era compreendido como ato de caridade cristã. Essa forma de organização gerou constantes atritos entre médicos alienistas e religiosas, pois a autoridade administrativa e terapêutica não estava claramente definida. Enquanto os médicos buscavam aplicar princípios científicos emergentes, as irmãs mantinham práticas mais tradicionais e resistiam a mudanças. Assim, o Pedro II representou um marco pioneiro, mas sua natureza híbrida — ao mesmo tempo religiosa e médica — retardou a plena afirmação da psiquiatria como disciplina autônoma.

O Hospício São Pedro, ao contrário, nasceu em contexto diverso. Fundado em um ambiente político marcado pelo avanço de ideias republicanas e positivistas no Rio Grande do Sul, o hospital foi concebido desde o início como uma instituição médica e laica, sob a direção do Dr. Carlos Lisboa. Nele, não se verificou a participação de ordens religiosas na administração ou no cuidado direto dos pacientes, o que eliminou a fonte de tensões presente no Pedro II. Lisboa organizou o hospício com base em critérios científicos, criando um Serviço de Admissão para diferenciar a doença mental de problemas sociais, defendendo a abolição da contenção física (no restraint, de John Conolly) e exigindo histórias clínicas adequadas para cada interno.

Essa diferença institucional é fundamental: no Rio de Janeiro, a psiquiatria teve que disputar espaço com a Igreja, afirmando-se lentamente em meio a um modelo assistencial religioso; no Rio Grande do Sul, ao contrário, a psiquiatria já nasceu como campo profissionalizado e autônomo, estruturado em torno da autoridade médica. O resultado é que, enquanto o Pedro II simbolizou o pioneirismo da assistência, o São Pedro tornou-se rapidamente um espaço de experimentação de práticas inovadoras, mais próximas do ideário científico europeu da época.

Em síntese, podemos afirmar que a psiquiatria no Brasil seguiu caminhos diferentes em função da matriz institucional de cada hospício: no Rio de Janeiro, seu desenvolvimento foi condicionado pela convivência conflituosa com a Igreja; no Rio Grande do Sul, pela afirmação precoce de um modelo médico-científico. Essa distinção ajuda a compreender por que, desde cedo, a psiquiatria gaúcha adquiriu feições mais administrativas, clínicas e científicas, enquanto a psiquiatria carioca permaneceu por décadas enredada em tensões entre a assistência religiosa e a autoridade médica.

O Hospício Pedro II e o Hospício São Pedro: duas trajetórias institucionais

A história da psiquiatria brasileira revela contrastes significativos entre a experiência do Hospício Pedro II, fundado no Rio de Janeiro em 1852, e a do Hospício São Pedro, inaugurado em Porto Alegre em 1884. Apesar de ambos terem surgido com a função declarada de tratar a loucura e organizar a assistência aos alienados, suas trajetórias institucionais seguiram caminhos distintos, revelando diferentes arranjos entre poder público, Santas Casas e médicos alienistas.

O Hospício Pedro II, concebido sob a égide da Coroa e vinculado à Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, foi entregue à administração das Irmãs de Caridade de São Vicente de Paulo. O modelo inicial estava impregnado da lógica assistencial religiosa, em que o cuidado aos alienados era compreendido como ato de caridade cristã. Essa forma de organização gerou constantes atritos entre médicos alienistas e religiosas, pois a autoridade administrativa e terapêutica não estava claramente definida. Enquanto os médicos buscavam aplicar princípios científicos emergentes, as irmãs mantinham práticas mais tradicionais e resistiam a mudanças. Assim, o Pedro II representou um marco pioneiro, mas sua natureza híbrida — ao mesmo tempo religiosa e médica — retardou a plena afirmação da psiquiatria como disciplina autônoma.

O Hospício São Pedro, ao contrário, nasceu em contexto diverso. Sua construção foi conduzida por uma comissão ligada à Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, responsável por captar doações privadas e recursos públicos — estratégia comum das Santas Casas no século XIX, que viam na criação de hospitais especializados uma forma de ampliar patrimônio, prestígio e influência. No entanto, ao contrário do que ocorreu no Rio de Janeiro, a Santa Casa não assumiu o controle cotidiano do hospício, transferindo a administração desde o início à direção médica do Dr. Carlos Lisboa.

Esse arranjo teve consequências decisivas. No Rio de Janeiro, a psiquiatria teve de disputar espaço com a Igreja, num campo de tensões entre médicos e religiosas; no Rio Grande do Sul, o São Pedro nasceu como instituição médica e laica, em sintonia com o ambiente político local, marcado pelo avanço de ideias republicanas e positivistas. Lisboa pôde organizar o hospital segundo critérios científicos, criando um Serviço de Admissão, exigindo histórias clínicas adequadas e adotando práticas reformadoras como o no restraint de John Conolly.

Assim, se no Rio de Janeiro a psiquiatria foi condicionada pela convivência conflituosa com a assistência religiosa, em Porto Alegre ela pôde afirmar-se desde cedo como profissão autônoma e campo científico em consolidação. A diferença no papel da Santa Casa em cada caso ajuda a explicar esse contraste: enquanto no Pedro II ela reteve o controle institucional, no São Pedro atuou sobretudo como mediadora econômica e política, sem interferir na gestão clínica.

Em síntese, podemos afirmar que as Santas Casas foram agentes fundamentais na criação dos hospícios no Brasil oitocentista, mas que o grau de sua participação no cotidiano variou conforme o contexto político e cultural. Essa diferença explica por que o Hospício Pedro II se configurou como espaço híbrido, de tensões entre ciência e religião, enquanto o Hospício São Pedro se consolidou desde o início como território de afirmação da autoridade médica.

Conclusão interpretativa

A comparação entre o Hospício Pedro II e o Hospício São Pedro permite observar um aspecto central da história da psiquiatria brasileira: o processo de secularização da assistência à loucura. No Rio de Janeiro imperial, a tutela das Irmãs de Caridade expressava a persistência da tradição caritativa e religiosa na saúde, que entrava em choque com a nascente autoridade médica. Já em Porto Alegre, no ambiente político do final do século XIX marcado pelo positivismo e pelo anticlericalismo republicano, a Santa Casa atuou como mediadora financeira e institucional, mas deixou a gestão clínica sob controle médico. Essa diferença indica que a psiquiatria brasileira não se desenvolveu de forma homogênea: em alguns centros, precisou disputar espaço com a Igreja; em outros, já nasceu como campo laico e científico. O caso do Hospício São Pedro, portanto, pode ser visto como exemplo precoce do movimento de profissionalização e autonomização da medicina, em que a psiquiatria buscava afirmar-se como saber científico legítimo diante das antigas práticas de caridade.

Conclusão interpretativa

A comparação entre o Hospício Pedro II e o Hospício São Pedro permite observar um aspecto central da história da psiquiatria brasileira: o processo de secularização da assistência à loucura. No Rio de Janeiro imperial, a tutela das Irmãs de Caridade expressava a persistência da tradição caritativa e religiosa na saúde, que entrava em choque com a nascente autoridade médica. Já em Porto Alegre, no ambiente político do final do século XIX marcado pelo positivismo e pelo anticlericalismo republicano, a Santa Casa atuou como mediadora financeira e institucional, mas deixou a gestão clínica sob controle médico. Essa diferença indica que a psiquiatria brasileira não se desenvolveu de forma homogênea: em alguns centros, precisou disputar espaço com a Igreja; em outros, já nasceu como campo laico e científico. O caso do Hospício São Pedro, portanto, pode ser visto como exemplo precoce do movimento de profissionalização e autonomização da medicina, em que a psiquiatria buscava afirmar-se como saber científico legítimo diante das antigas práticas de caridade.

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