Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Outubro de 2017 - Vol.22 - Nº 10 História da Psiquiatria MEMÓRIAS POUCO CONVENCIONAIS DE UM JOVEM PSIQUIATRA Walmor João Piccinini Uma
das formas de contar a história é a vivência das pessoas envolvidas nos
acontecimentos. Neste artigo vou iniciar a contar fatos por mim vividos e que
podem transmitir um pouco do meu aprendizado neste mundo extraordinário da
loucura. Mundo que entrei sem ter noção de onde estava me metendo e que se
tornou parte significativa da minha vida. Muito jovem, aos 18 anos de idade,
vindo de um curso secundário feito no interior do estado, entrei para a
Faculdade de Medicina da UFRGS. Seja por ingenuidade, autoconfiança ou apenas
ignorância da realidade, não me passava pela cabeça à ideia de não ser aprovado
no vestibular. Minha preocupação era de como sobreviver em
Porto Alegre. Meus pais fizeram um grande esforço para que todos pudessem
estudar, mas como sobreviver foi tarefa que eu e meus irmãos tivemos que
enfrentar desde muito cedo. Preocupado em arrumar uma fonte de sustento, certo
dia me deparei com um aviso num mural que existia na entrada do prédio da
faculdade, hoje Instituto de Biociências na Rua Sarmento Leite. A Clínica Pinel
de Porto Alegre estava selecionando candidatos à atendente psiquiátrico. Não
sabia bem o que era aquilo, mas prometia salário e era próxima da faculdade. Lá
fui me candidatar e logo na chegada uma frustração, a maioria dos pretendentes
eram alunos do terceiro ano, achei que não teria como disputar vaga com alunos
mais experientes, mesmo assim fui para a entrevista com o Dr. Marcelo Blaya
Perez. Não lembro bem da entrevista, mas ao sair conversei com um colega do
terceiro ano que me disse ser impossível conciliar o horário dele com as
exigências da clínica. Parece que com os demais aconteceu algo semelhante e eu
acabei sendo contratado. Comecei a trabalhar em primeiro de junho de 1960,
depois descobri que a Clínica tinha sido fundada em 28 de Marçoo daquele ano.
Tempos depois descobri as origens da Clínica Pinel. O Dr. Marcelo Blaya tinha
retornado a Porto Alegre depois de quatro anos nos EUA. Fez um ano de
neurologia no Hospital Walter Reed e depois mais três anos de formação em
psiquiatria na Menninger Clínic de Topeka, Kansas. Voltando
a Porto Alegre começou a trabalhar em consultório e internar seus pacientes no
Hospital Espírita de Porto Alegre. Era uma prática comum, os primeiros
analistas formados por Mário Martins, Celestino Prunes, José Lemmertz e Cyro
Martins tinham que se desdobrar no atendimento dos pacientes de análise, mas
não podiam deixar de atender psicóticos. Dessa época surgiu uma observação
irônica sobre esta atividade dicotômica. Os analistas ministravam ECT pela
manhã e analisavam à tarde. Certo
dia, Marcelo Blaya foi visitar um paciente no Hospital Espírita no horário da
tarde e descobriu que seus pacientes estavam sendo submetidos a passes e
sessões de desobsessão. Foi tirar satisfações com o presidente do hospital e
este lhe disse candidamente, o que ele esperava de um hospital espírita?
Aceitando que quem mandava na casa era o dono, começou a trabalhar a ideia de
ter seu próprio hospital. Recebeu apoio de vários colegas, entre eles o Dr.
Manoel Albuquerque que aceitou ser fiador dos alugueis de três casas na Av.
João Pessoa em Porto Alegre e no dia 28 de Marco de 1960 foi inaugurada a
clínica. Em termos de Porto Alegre e de Brasil, era uma revolução no
atendimento ao doente mental. Os pacientes não eram separados por sexo, vestiam
roupas comuns e eram estimulados a convivência, a praxiterapia e a socializar.
Os primeiros tempos foram muito complicados, havia uma resistência natural em
relação à maneira como os pacientes eram tratados, uma preocupação quanto a
mistura de homens e mulheres e as características de tratar os pacientes como
gente como a gente. Meus primeiros tempos foram difíceis, era um mundo novo, eu
não tinha noção do que estava acontecendo. Estava fazendo história sem saber. O
Dr. Marcelo ia arregimentando colegas que se mostraram de um valor inestimável.
O primeiro foi o Dr. David E.Zimerman, depois foram chegando o Isaac Sprinz, o
Flávio Rotta Correa, o Bernardo Brunstein, Álvaro Medeiros e muitos outros. Na Avenida
Oswaldo Aranha, existia o Bar do João, ponto de encontro dos médicos do HPS
(hospital de pronto-socorro) e de moradores do Bairro Bom Fim. Foi lá que Marcelo Blaya encontrou muitos
colaboradores. Esta era uma realidade da época, não existiam muitos candidatos à
psiquiatra, a especialidade tinha que ser vendida como fonte de satisfação
pessoal e financeira. Um grande apoiador foi o Professor Oscar Schelp da
Faculdade de Medicina de Santa Maria. Ele era neurologista, mas garimpava
residentes para a Pinel. De lá vieram o Isacc Sprinz, anos depois o Milton
Shansis, o Hans Ingomar Schreen e o Carlos Gari Faria. O sucesso da Clínica
começou a atrair médicos de outros pontos do país. Assim, do Pará veio a Dra.
Carmen Tuma, do Recife a Marlene Silveira, do Paraná veio o Harri Valdir Graeff
e de Santa Maria a Dra. Themis Groisman. Antes deles, a Eufrides Matte. Em
outra ocasião escreveremos mais sobre os profissionais da Clínica.
Nesta minha viagem pelos anos sessenta, vou me ater a experiências
pessoais. Das histórias que guardo na memória, uma foi de um grande susto. O
plantão noturno dos atendentes era das 23 horas até às 7 da manhã. A ordem era
que ficássemos acordados e vigilantes. Terminado o plantão, íamos para a
Faculdade de Medicina que era próxima da Clínica. Enfrentava o dia e só ia
dormir na noite seguinte. Quando digo íamos era porque tinham outros estudantes
que enfrentavam a mesma labuta, entre eles, a Carmen Dameto, hoje psicanalista
no Rio de Janeiro. Num dia de inverno, com o Minuano soprando gelado, lá estava
eu de plantão. Com frio, com sono, enrolado num cobertor ficava observando os
pacientes. A Clínica funcionava em TRÊS casas adaptadas. No que seria a sala,
funcionava uma enfermaria masculina com cinco leitos. Quatro camas estavam
ocupadas, os pacientes dormiam e eu, enrolado num cobertor ficava namorando a
cama vazia. Estava num dilema, sabia que não deveria deitar na mesma, mas o
sono, o frio, o vento me faziam pensar que, com uns dez minutos de sono eu
estaria refeito e completaria o plantão. Esta dúvida entre o dever e o sono me
consumia. E o vento zunia nas janelas. Lá pelas 3 horas a tentação prevaleceu e
me decidi a dormir dez minutos. Como era de esperar, os dez minutos se passaram
e viraram três horas, mas o pior ainda estava por acontecer. Acordo com um
paciente esquizofrênico sentado na minha bacia e me estrangulando. Ele dizia
que eu não podia dormir e ia apertando minha garganta. Dizem que nestas horas
um anjo está de prontidão. Olhei pro paciente e com a voz entrecortado pelas
mãos no meu pescoço falei; “João, porque tu ta sentado no meu pau?” Ele pulou
de cima de mim, largou minha garganta e exclamou, eu não sou homossexual, eu
não sou homossexual”. Eu também pulei da cama e fui acalmá-lo. Bem, depois
desta experiência nunca mais deitei na enfermaria, fui desenvolvendo outras
técnicas de repouso. Conseguia tirar uns cochilos em de pé, encostado numa
parede.
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Online Brasil: O Acompanhante Terapêutico http://www.polbr.med.br/ano06/wal0106.php Tratamento Hospitalar com orientação
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Grande do Sul
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