Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Giovanni Torello |
Dezembro de 2012 - Vol.17 - Nº 12 História da Psiquiatria CRÔNICAS DA HISTÓRIA. O NASCIMENTO DA PSICOTERAPIA MÉDICA Walmor J. Piccinini Nos dias atuais temos que
lutar contra o estigma da doença mental, imagine o que acontecia no início do
século XX. O internamento era a grande solução para os problemas mentais e além
deste fato, eram escassos os recursos terapêuticos. A doença mental era um
flagelo que marcava as pessoas e seus familiares. Não foram poucos os casos de
noivados rompidos devido à descoberta da existência de alguém doente na família
de um dos noivos. A ideia da “mente fraca”
grassando na família condenava a todos.
Naquela época, psiquiatra era uma figura do hospício, eram raros ou
inexistentes os atendimentos A psiquiatria baseada nas concepções biológicas guardava uma forte
semelhança com a neurologia. Isto pouco importava na prática clínica, pois no
início do século XX não existiam exames de qualificação para qualquer
disciplina, os médicos eram aquilo que se declaravam. Em termos práticos, um
“psiquiatra” ou alienista era alguém que tinha passado certo tempo em asilos,
um “neurologista” –o termo original significava um especialista na anatomia dos
nervos – era alguém treinado em patologia geral e medicina interna. (Shorter). Os psiquiatras eram identificados com uma especialidade baseada nos
asilos: dos 124 médicos que compareceram ao congresso anual da Associação Médica-Psicológica
(que deu origem a Associação Americana de Psiquiatria) em 1910, por ex.,
somente quatro não eram identificados com um asilo ou clínica privada de
nervosos. Já os neurologistas constituíam uma especialidade baseada em
consultórios privados ao invés de instituições. A Associação Americana de
Neurologia foi criada em Surgiu a “doença dos nervos”
diagnóstico mais palatável que doença psiquiátrica. As clínicas de hidroterapia
foram se transformando em clínica dos nervos que faziam questão de dizer que
não atendiam doentes mentais. A Psicoterapia chegou à medicina por dois caminhos, nenhum deles
especificamente psiquiátricos. Inicialmente, os primeiros hipnotistas
convenceram os médicos que os sintomas dos pacientes, poderiam ser abolidos
através da sugestão tanto hipnótica como não hipnótica. Nessa linha apareceram
os tratamentos psicológicos das clínicas “neurológicas” privadas. A nós interessa o último capítulo da história da hipnose. A hipnose
medica começou No final do século XVIII com Franz Anton Mesmer e seus
seguidores franceses. Depois disso o hipnotismo experimentou vários altos e
baixos no curso do século XIX e finalmente caiu no esquecimento. (especialmente
no período que antecedeu a primeira guerra mundial). Seu renascimento na França envolveu dois grupos médicos rivais: Jean Martin Charcot, líder da Escola da Salpetrière. Hippolyte Bernheim da Escola de Nancy.
(Nancy era a Escola da província da Lorena para onde a Faculdade de
Medicina de Estrassburgo se mudou depois que os alemães anexaram a Alsácia em
1871.) Charcot acreditava que a capacidade de ser hipnotizável era evidência
de histeria, não vendo nenhum uso terapêutico para seu uso, salvo para
confirmar que o paciente era realmente histérico. Já Bernheim, acreditava que a hipnose podia ser utilizada para terapia
médica, não havendo nada histérico a respeito. (Bernheim acreditava que a
sugestão era característica de todas as psiconeuroses. Se o paciente podia ser
sugestionado para entrar nela, ele também poderia ser sugestionado a sair).
Bernheim aprendeu hipnose sob a tutela de um velho doutor chamado Ambroise
Auguste Liebault, que aplicava hipnotismo com vários degraus de sucesso numa
série de condições orgânicas e psicológicas. Logo ele descobriu que a sugestão
não hipnótica – significando o valor de uma boa fala – era tão efetiva,
particularmente entre os pacientes de classe média que resistiam à pretensa
imposição da autoridade médica que era requerida por uma hipnose completa. Após
1883, Bernheim começou a ensinar a sugestão não hipnótica e isso marca o início
da moderna psicoterapia médica.(Shorter). Estes momentos que antecedem a psicoterapia médica foram
Abordados em dois artigos publicados por Câmara, FP. na Psychiatry (Novembro de 2003 - Vol.8 - Nº 11-Freud, o hipnotista - http://www.polbr.med.br/ano03/artigo1103_a.php e Instituição da psicoterapia
na medicina brasileira - www.polbr.med.br/ano03/wal0103.php - Outros
artigos foram publicados e quem desejar ler pode procurar em www.polbr.med,br
e pesquisar psicoterapia nos seus arquivos. Um dos problemas que temos que enfrentar é o de estabelecer um
consenso do que seja psicoterapia. Para uns ela existe através dos tempos e
designa todo o contato de duas pessoas com objetivo de cura. Nesta linha, a
fala e o contato de religiosos, de conselheiros e de médicos visando o bem do paciente
seria psicoterapia. Não pensamos assim, acho importante que se tenha a ideia de
“efeito psicoterapêutico e de psicoterapia”. De psicoterapia informal para a
psicoterapia médica. Dentro dessa linha de pensamento vamos utilizar duas
definições bastante utilizadas: 1. Psicoterapia é o
desenvolvimento de uma relação de confiança que permite a livre comunicação e
leva para a compreensão, integração e aceitação de si mesmo. •
Processo
interativo, planejado e deliberado para influenciar distúrbios do comportamento
e estados de sofrimento, num consenso paciente, terapeuta e sociedade sobre a
necessidade de tratamento por meio
psicológico, principalmente verbal, em
direção a um objetivo definido (diminuição de sintomas ou modificações de personalidade),por técnicas ensináveis com
base numa teoria do comportamento normal ou
patológico. (Strotzca, 1975 citado por Abreu, J. Anais da Jornada Paulo
Guedes-2012). Esta definição abrange o que pensamos sobre a psicoterapia médica. Ela
repousa numa teoria, num método, numa técnica e com objetivos definidos a serem
alcançados. Dentro desta linha e a existência de Manual de Treinamento, os
modelos a serem perseguidos são da psicoterapia cognitivo comportamental de
Beck e a Psicoterapia Interpessoal de Klerman e Waissman. Achados comuns das psicoterapias (Jerome Frank) 1. Uma relação
intensa, com alta carga emocional com uma pessoa ou grupo. 2. Uma
racionalização ou mito explicando o conflito e maneiras de lidar com ele. 3. Produção de nova
informação sobre o futuro, a fonte do problema e possíveis alternativas que
contem a esperança de alívio. 4. Métodos não
específicos de estimular a autoestima. 5. Possibilidade de
elevação da expressão emocional 6. É realizada em
local designado como local de cura. Diferentes níveis de psicoterapia Informal: ocorre entre amigos e familiares em grupos de autoajuda. Formal Apoio – para restaurar ou manter o status quo. É útil em: 1. Para os que estão
em crise e para os quais mudanças não são desejadas. 2. Os severamente
prejudicados de que não se espera grandes melhoras. Dinâmica – para mudanças no indivíduo: Confrontação de defesas. Esclarecimentos. Interpretações – nova
formulação de problemas. Seguindo uma linha do tempo podemos dizer
que a psicoterapia começou com uma prática hipnótica, evoluindo para uma prática
sugestiva, passou por um período catártico e chegou a psicoterapia propriamente
dita. Nesta evolução poderíamos citar Bernheim, Charcot, Breuer, Freud. É
indiscutível o mérito de Sigmund Freud (1856-1939) na criação da psicanálise e
obtenção do nível científico da psicoterapia. (Um tratamento voltado ao
psiquismo, com base na relação interpessoal e respaldado por uma teoria
científica da personalidade). “Repitamos os traços característicos que destacam
a psicoterapia por seu suceder histórico. Por seu método, a psicoterapia se dirige à psique pela única via
praticável, a comunicação; seu instrumento
de comunicação é a palavra (ou melhor, dito, a linguagem verbal e pré-verbal),
“fármaco" e, ao mesmo tempo, mensagem; seu marco, a relação interpessoal médico-enfermo. Por último, a
finalidade da psicoterapia é curar, e todo o processo de comunicação que não
tenha esse propósito (ensino, doutrinação, catequese) nunca será
psicoterapia.” (Psicoterapia e Seus Fundamentos Históricos http://www.institutotelepsi.med.br/Links_imagens/psicoterapia.htm Dr. Pedro Carlos Primo) Revisando a bibliografia brasileira sobre psicoterapia,
sugestão, hipnose e psicanálise no período de 1831 até 1950, encontramos um
pequeno número de artigos. Isto não significa que sejam apenas estes, mas foram
os que encontramos no Índice Bibliográfico Brasileiro de Psiquiatria (www.biblioserver.com/walpicci). Psicoterapia
até 1900 1. Andrade,
Aristeo. Das Sugestões no tratamento das doenças psíquicas. Doutoramento,
Tese. Fac. Med. Da Bahia. 1888. 2. Barcellos,
Alfredo. Hipnoterapia. Rev. Soc.Med.e Cir. Do Rio De Janeiro. 1890:355-360. 3. Botelho,
Francisco Chaves de Oliveira. Das relações entre nevropatias e as psicopatias. Doutoramento.
Tese- Fac.Med.Da Bahia. 1890. 4. Costa,
Carlos. Paraplegia histérica em uma mocinha de 15 anos, curada pelo hipnotismo.
Brasil Médico. 1892. 5. Costa
Junior, José Joaquim Da. Tratamento Moral dos Alienados. Doutoramento, Tese-
Fac.Med.Do Rio De Janeiro. 1895. 6. Eiras,
Carlos. Indicações e Contraindicações da Hydrotherapia no Tratamento das
Moléstias do Sistema Nervoso. Doutoramento, Tese. Fac. Med. Do Rio De Janeiro.
1877. 7. Fajardo,
J. Afasia histérica, curada em uma sessão hipnótica. Brasil Médico. 1889; maio. 8. Gastão,
J. M. Eletroterapia. Doutoramento, Tese, Fac.Med.Do Rio De Janeiro. 1873. 9. Guimarães,
Modesto. Observação de um caso de moléstia de Beard ou neurastenia. Seu
tratamento pela eletricidade. Brasil Médico. 1891. 10. Lacour,
J. P. Ensaio sobre a terapêutica moral. Doutoramento, Tese, Fac.Med.Do Rio De
Janeiro. 1863. 11. Lima,
Eugenio Jose de. Eletricidade estática nas moléstias mentais e grandes
nevroses: these inaugural . Rio De Janeiro. Doutoramento, Tese. 1892:1-105. 12. Luz,
Fabio Lopes dos Santos. Hipnotismo e livre arbítrio. Doutoramento, Tese-
Fac.Med. Da Bahia. 1888. 13. Magalhães,
Alfredo Ferreira. O hipnotismo e a sugestão, suas aplicações clínicas. Doutoramento,
Tese. Fac. Med. Da Bahia. 1891. 14. Pereira,
J. A. Das sugestões no tratamento das moléstias psíquicas. Doutoramento,
Tese. Fac. Med. Da Bahia. 1892. 15. Praguer,
Antonio Barreto. Psicoterapia Sugestiva. Doutoramento, Tese. Fac. Med. Da
Bahia. 1893. 16. Silva,
A. J. Da Eletroterapia. Doutoramento, Tese,Fac.Med.Do Rio De Janeiro. 1886. Artigos
publicados desde 1900 1. Austregésilo,
Antônio. A Cura dos Nervos. Rio De Janeiro; Livraria Jacinto R. Dos Santos,
Editor. 1933. 2. ---.
Psycho-analyse nas doenças mentaes e nervosas. Archivos Bras. De Neuriatria e
Psychiatria. 1922; 4(1): 87-144. 3. Ayrosa,
José Carneiro. A Psicanálise e Suas Aplicações Clínicas. Rio De Janeiro: Flores
& Mano Editor. 1932. 4. ---.
Tendência a beber em face da psychanalyse. Imprensa Médica. 1932; 8(1): 43-46. 5. Cunha,
Jorge. Uma cura importante pelo Hipnotismo. Rev.Soc.Med.e Cir. Do Rio De
Janeiro. 1901:299-311. 6. Gomes,
Martin. A Criação Estética e a Psicanálise. Porto Alegre: Livraria Do Globo
Editora. 1930. 7. Goulart,
Zopiro. Função educadora dos ambulatórios. Anais Da Colônia De Psicopatas Do
Rio De Janeiro. 1928; 1: 111-114. 8. Guerner,
Fausto. Educação do povo - Meios de divulgação das medidas tendentes
a restringir as psicopatias. Arq. Paulista De Higiene Mental.
1928; 1(1). 9. Marcondes,
Durval. Os resultados do tratamento psicanalítico. Rev. Da APM. 1935; 6(1). 10. ---.
A terapêutica psicanalítica da impotência sexual. Bol. Da Soc. De Med. e
Cirurgia De São Paulo. 1930; 13. 11. ---.
Um aspecto psicanalítico da cirurgia. Rev. De Cirurgia De São Paulo. 1935;
1(4). 12. ---.
Um sonho de exame: considerações psicanalíticas sobre "A casa de
pensão". Rev. Bras. Psicanal. 1928; 1(1). 13. Medeiros
e Albuquerque, J. J. A Psicanálise. In: Hipnotismo 2a Ed. Rio, Ed. Leite
Ribeiro. 1923. 14. ---.
Psicologia de um Neurologista - Freud e suas Teorias Sexuais. In: Graves e
Fúteis, Rio Liv. Leite Ribeiro. 1922. 15. Neves
Manta, I. L. Psicanálise da alma coletiva. Imprensa Médica. 1932; dezembro:
25-41. 16. Paranhos,
Ulysses. Hipnotismo e Sugestão. Doutoramento, Tese. Fac. De Medicina Da Bahia.
1901. 17. Pereira,
Florêncio de Abreu. A nevrose nos intelectuais. Doutoramento, Tese- Fac. Med.De
Porto Alegre. 1911. 18. Ramos,
Arthur. Estudos de Psicanálise. Salvador, Livraria Scientífica. 1931. 19. ---.
Psiquiatria e Psicanálise. Rio, Flores e Mano. 1932. 20. Studart,
Mario Barroso. Sugestibilidade e histeria. Doutoramento, Tese- Fac. Med. Do Rio
De Janeiro. 1917. O grande trabalho que é precursor da Psicoterapia no Brasil pode ser o
de Lauro de Oliveira Pimentel que já destaquei na Psychiatry Online Brasil (www.polbr.med.br/ano11/wal0511.php. Além dos artigos citados no texto sugiro a leitura de História das Psicoterapias e da
Psicanálise (A psicoterapia e sua história, A psicoterapia sugestivo-religiosa
primitiva). por Nelson Valente
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