Dezembro de 2022 – Vol. 27 – Nº 12

Quirino Cordeiro

(Psiquiatra; Secretário Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas

do Ministério da Cidadania (2019-atual);

Coordenador-Geral de Saúde Mental do Ministério da Saúde (2017-2018).

 

Por mais de três décadas, pacientes com transtornos mentais graves e dependência química, bem como seus familiares, viveram situação de grave desassistência, em decorrência de políticas públicas equivocadas e ideologicamente orientadas, que foram instituídas por antigas gestões do Governo Federal. Dentre os vários erros cometidos, o fechamento de leitos e Hospitais Psiquiátricos foi um dos principais deles. Por conta disso, o Brasil conta hoje com uma cobertura deficitária nesta modalidade assistencial, devido às ações irresponsáveis de antigas gestões do Ministério da Saúde. Somando leitos em Hospitais Psiquiátricos e aqueles em Hospitais Gerais, há no Brasil uma taxa menor que 0,07 leito por 1.000 habitantes. A média de cobertura dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, é de 0,7 leito por 1.000 habitantes, ou seja, dez vezes maior que a brasileira. Ressalta-se que são reconhecidos importantes impactos negativos para a saúde e bem-estar da população, quando tal taxa de leitos fica abaixo de 0,3 por 1.000 habitantes. A redução de leitos psiquiátricos que aconteceu no Brasil não encontra paralelo em nenhum país do mundo.

Devido aos graves erros cometidos na condução das políticas públicas de Saúde Mental e Drogas no país, os indicadores de resultados nessas áreas eram alarmantes:

  • crescimento sustentado das taxas de suicídio no país nos últimos 15 anos;
  • aumento de indivíduos com transtornos mentais graves em situação de rua;
  • encarceramento de pacientes com transtornos mentais graves;
  • aumento da mortalidade de tais pacientes;
  • superlotação de serviços de emergência com pacientes aguardando vaga para internação; aumento do uso de drogas e dependência química no país;
  • crescimento e expansão das “cracolândias” em grande parte das cidades brasileiras;
  • aumento de pacientes afastados pela Previdência Social, principalmente por depressão e dependência ao crack.

Buscando mudar esse cenário desolador, nos últimos anos, o Governo Federal vem realizando uma série de ações, especialmente no que diz respeito ao fortalecimento dos Hospitais Psiquiátricos, que são instituições de grande importância para a oferta de tratamento integral, efetivo e humanizado para as pessoas com transtornos mentais e dependência química.

Assim, em dezembro de 2017, foi publicada a “Nova Política Nacional de Saúde Mental” (Resolução da Comissão Inter gestores Tripartite do SUS No. 32/2017 e Portaria do Ministério da Saúde No. 3588/2017), que incluiu os Hospitais Psiquiátricos como parte integrante da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Além disso, foram também incluídos na RAPS os Hospitais-Dia e os Ambulatórios, sendo que muitos desses dois serviços funcionam em Hospitais Psiquiátricos. Com isso, abandonou-se a ideia de Rede assistencial substitutiva em favor de uma Rede assistencial com serviços complementares.

Depois de quase 10 anos, o valor das diárias dos Hospitais Psiquiátricos foi reajustado em 65% (Portaria do Ministério da Saúde No. 3588/2017). Na sequência, foi reajustado também o valor das diárias de internações de longa duração (mais de 90 dias de internação) (Portaria do Ministério da Saúde No. 2434/2018). Com isso, houve um incremento no financiamento de R$ 230 milhões/ano aos Hospitais Psiquiátricos de todo o país.

Foi publicada também a Portaria do Ministério da Saúde No. 544/2018, que passou a financiar equipes terapêuticas para Ambulatórios de Saúde Mental. Inclusive, essas equipes terapêuticas podem ser instaladas em Ambulatórios de Hospitais Psiquiátricos, o que aumenta a possibilidade de aporte de recursos financeiros para a assistência nesses Hospitais.

Na sequência, foi publicada a Nota Técnica No. 103/2018, que abre a possibilidade de Hospitais Psiquiátricos participarem do “Programa 100% SUS” do Ministério da Saúde, que aporta recursos financeiros adicionais para esses serviços. Antes disso, os Hospitais Psiquiátricos eram proibidos de participar desse Programa do Ministério da Saúde, diferente do que ocorria com todos os demais Hospitais. Essa atitude discriminatória tinha como objetivo claro asfixiar financeiramente esses serviços.

Desde 2017, o Ministério da Saúde vem trabalhando para o aporte de recursos financeiros, por meio de Emendas Parlamentares, aos Hospitais Psiquiátricos. Com isso, houve aumento significativo no número de Emendas Parlamentar destinadas aos Hospitais Psiquiátricos.

Neste momento atual de pandemia pelo coronavírus, o Ministério da Saúde publicou a Portaria No. 1393/2020, que aportou auxílio financeiro emergencial aos Hospitais Psiquiátricos filantrópicos, buscando ajudá-los a passar por esse difícil momento sanitário. Além disso, por meio da sanção de duas Leis (Lei No. 13.992/2020 e Lei No. 14.061), os Hospitais Psiquiátricos filantrópicos ficaram livres do cumprimento das mentas assistenciais previstas em seus contratos com o SUS, também durante a pandemia.

Em abril de 2019, o Governo Federal lançou a “Nova Política Nacional sobre Drogas”, por meio do Decreto Presidencial No. 9761/2019, que colocou os Hospitais Psiquiátricos como parte da Rede assistencial aos pacientes com dependência química, passando a integrar o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD). Assim, os Hospitais Psiquiátricos fazem parte tanto da RAPS como também do SISNAD, o que garante importante segurança jurídica para o funcionamento desses Hospitais.

Pouco tempo depois, em junho de 2019, foi sancionada pelo Presidente da República a “Nova Lei de Drogas” (Lei Federal No. 13.840/2019), que incluiu, inclusive, a possibilidade de internação involuntária para dependentes químicos (ratificando o exposto na Lei Federal No. 10.216/2001), em unidades de saúde, como os Hospitais Psiquiátricos.

O Ministério da Cidadania passou também a possibilitar o aporte de recursos financeiros, por meio de Emendas Parlamentares, aos Hospitais Psiquiátricos, que atendem pacientes com dependência química, aumentando a possibilidade de aporte de recursos financeiros a esses serviços. Inclusive, o Ministério da Cidadania, por meio da Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas (SENAPRED) lançou uma Cartilha de orientações para auxiliar as entidades a acessarem esses recursos.

O Ministério da Cidadania começou a credenciar Hospitais Psiquiátricos como Centros de Referência em Dependência Química (CEREDEQ), com o objetivo de ajudar esses serviços a melhorarem sua qualidade assistencial (Portaria No. 437/2020).

Em março de 2022, a SENAPRED do Ministério da Cidadania publicou o Edital de Chamamento Público No. 03/2022, que tinha como objetivo disponibilizar R$ 10 milhões para o financiamento de projetos na área de Dependência Química em 33 Hospitais Psiquiátricos, no valor unitário de R$ 300.000,00. Os Hospitais Psiquiátricos figuram como importante alternativa no tratamento e recuperação de pessoas com dependência química.

O Ministério da Cidadania publicou, no dia 30/06, a “Instrução Normativa nº 4/2022” e a “Nota Técnica” nº 17/2022”, que dispõem sobre os procedimentos e as orientações técnicas aplicáveis à Rede de Assistência do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD). Tais Normativas detalham a forma de atuação dos diferentes serviços e sistemas de tratamento e cuidado às pessoas com problemas decorrentes do uso de álcool e outras drogas. As publicações, elaboradas pela SENAPRED) tem o objetivo de aproximar gestores, profissionais e usuários dos serviços, além dos demais atores da sociedade, em torno de um conjunto de informações ancoradas nas legislações vigentes. Por seu lado, um pouco antes, o Ministério da Saúde, por meio da Coordenação-Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas (CGMAD), também publicou Instrutivo para orientação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), no âmbito do SUS (“Instrutivo Técnico da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) no Sistema Único de Saúde (SUS) – 2021”). Esse Novo Instrutivo da RAPS também está alinhado com Novas Políticas e Legislações vigentes no Brasil nas áreas de Saúde Mental e Drogas. Vale ressaltar que as Redes Assistenciais do SUS e do SISNAD compartilham grande quantidade de serviços. Sendo assim, os Novos Instrutivos publicados são absolutamente alinhados, objetivando que o tratamento e o cuidado aos pacientes e seus familiares aconteçam de maneira integral e efetiva. E os Hospitais Psiquiátricos constam nessas Novas Normativas publicadas pelo Ministério da Saúde e Ministério da Cidadania, reforçando seu papel importante para o cuidado integral, efetivo e humanizado às pessoas com transtornos mentais e dependência química.

Em setembro de 2022, o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD) publicou o “Novo Plano Nacional de Políticas sobre Drogas” (PLANAD), por meio da Resolução CONAD No. 08/2022. O objetivo do Planad é consolidar as políticas públicas sobre drogas. O documento de relevância estratégica coordena esforços para o enfrentamento às drogas no país, estabelecendo ações federais e de toda a sociedade brasileira, tanto na redução da oferta quanto na redução da demanda, em consonância com a “Nova Política Nacional sobre Drogas”. Aqui também os Hospitais Psiquiátricos aparecem como ponto de atenção que faz parte da rede de assistência, cuidado e tratamento das pessoas com dependência química, reiterando todo o entendimento construído nas Novas Políticas Públicas de Saúde Mental e Drogas construídas desde o final de 2017.

Além das ações apresentadas acima, o Governo Federal, por meio da SENAPRED do Ministério da Cidadania, também tem trabalhado para a qualificação dos profissionais dos Hospitais Psiquiátricos. Nesse contexto, em agosto de 2022, a SENAPRED passou a oferecer o Curso “Tratamento da Dependência Química no Contexto Hospitalar (Hospital Geral e Hospital Psiquiátrico) e das Clínicas Especializadas”.

Além disso, com o objetivo de formar médicos psiquiatras com maior experiência no tratamento de pacientes com quadros clínicos graves e agudizados, o Governo Federal, por meio da parceria entre a SENAPRED do Ministério da Cidadania e a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) do Ministério da Saúde, lançou, em novembro de 2022, o Curso “Fortalecimento das Residências em Saúde – Residência de Psiquiatria em Hospitais Psiquiátricos”. Essa ação de capacitação objetiva incentivar a criação e expansão de vagas de Residência em Psiquiatria, especificamente em Hospitais Psiquiátricos. Além da formação de novos psiquiatras, tal iniciativa também busca tornar Hospitais Psiquiátricos ambientes acadêmicos, o que contribui efetivamente para a melhoria do atendimento aos pacientes.

O Governo Federal também tem atuado de maneira firme, junto a gestores públicos e à Justiça, contra o fechamento de Hospitais Psiquiátricos Brasil afora. Com isso, conseguiu-se impedir o fechamento de vários Hospitais Psiquiátricos em diferentes Estados do país.

Assim, nos últimos cinco anos, o Governo Federal passou a reconhecer a importância dos Hospitais Psiquiátricos como parte fundamental para o tratamento de pacientes com transtornos mentais e dependência química, passando, inclusive, a contribuir para o aporte de recursos financeiros a esses serviços, por meio de distintas ações em várias frentes, e para a oferta de capacitação aos seus profissionais. Obviamente, ainda há muito o que avançar para o fortalecimento dos Hospitais Psiquiátricos no Brasil, porém, sem dúvida alguma, o Governo Federal tem trabalhado bastante nesse sentido, nos últimos tempos.

Outras publicações em Psychiatry on line Brasil pelo mesmo autor:

OS AVANÇOS DAS “NOVAS POLÍTICAS NACIONAIS DE SAÚDE MENTAL E DROGAS” – Psychiatry on line brasil (polbr.med.br)

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