Novembro de 2020 – Vol. 25 – Nº 11

Walmor J. Piccinini

Em artigo anterior comentei sobre a briga entre dois grupos de analistas do Rio de Janeiro que culminou com a denúncia de charlatanismo contra Werner Kemper que era médico sem revalida.

(www.polbr.med.br/2020/08/01/memorias-na-pandemia-ou-a-prisao-de-werner-kemper/)

Formado pela Universidade de Berlim, não tinha revalidado seu diploma no Brasil. Diferente de Angel Garma que, tendo vivido o problema do seu analista didata Theodore Reik que foi denunciado por não ser médico, a primeira coisa que fez em Buenos Aires foi revalidar seu título de médico. Já Marie Langer, que era médica, não o fez e teve que se sujeitar aos problemas daí inerentes.

Vamos examinar esta questão da profissão de analistas não médicos, também chamada de análise leiga e que teve marcada influência nos começos da psicanálise. Freud era a favor da análise leiga, não só por sua filha e alguns dos seus mais destacados discípulos não serem médicos, mas por defender a ideia que a psicanálise não deveria ser apenas uma técnica médica de tratamento.  Viena, como o Rio de Janeiro, Londres ou Nova York era um centro de criação e difusão da psicanálise e, integrado por pessoas com egos e ambições muito pesadas.

O roteiro dos primeiros adeptos da psicanálise seguiu uma certa linha narrativa bastante repetida. O itinerário era mais ou menos assim, interesse intelectual pela psicanálise que nascia, aproximação a Freud como amigo, depois como paciente, depois colega e, finalmente como inimigo. Este itinerário foi seguido por vários dos primeiros interessados em psicanálise. Nós vamos começar por William Stekel, depois poderíamos passar por Alfred Adler e por Jung. Stekel rompe com Freud e funda a Associação de Analistas médicos independentes que se contrapõe a IPA (International Psychoanalytic Association) fundada por Freud.

Até a primeira guerra mundial não havia discussão sobre o analista ser médico ou não, a Psicanálise se fortificava em torno de adeptos de Freud nos grandes centros da época: Freud em Viena, Karl Abraham em Berlim, Ferenczi em Budapest e Ernest Jones em Londres. Em 1918 foi estabelecido que o candidato a analista deveria submeter-se a uma “análise didática”, e aos poucos foram estabelecidas outras exigências como a supervisão de casos por analista diferente do didata e a criação dos Institutos de Psicanálise que estabeleceriam as normas de ensino.

Deste período inicial tivemos poucos analistas leigos conhecidos, um deles foi o Pastor Pfister e a pedagoga Hug-Helmuth que se dedicava somente a análise de crianças. Logo após a guerra Melanie Klein inicia sua carreira como analista e o mesmo ocorreu com Ana Freud, nenhuma das duas eram médicas, eram educadoras de crianças.

A crise estourou com Theodore Reik, um brilhante estudante de filosofia que, aos 22 anos escreveu sua tese de doutoramento em filosofia com o título de “A Tentação de Santo Agostinho” baseado na obra de Flaubert. Freud o convidou para conversar e o tomou sob sua proteção, pois Reik era muito pobre. Freud o apresentou na Sociedade Psicanalítica de Viena e conseguiu que Karl Abraham abrisse uma vaga para ele realizar sua formação em psicanálise.

Aí foi demais para Stekel, quando Theodore Reik se estabeleceu em Viena ele o denunciou às autoridades de fiscalização como praticante ilegal da medicina. Junto com seus argumentos citou o suicídio de três psicanalistas ou em vias de; Victor Tausk, Schrotter e Silberer.

A resposta de Freud foi escrever um artigo em defesa dos seus alunos “A questão da análise leiga” que foi publicado em 1926. Reik, nestas alturas já estava em Berlim onde entre seus analisandos estava Angel Garma que depois se tornou o maestro da formação analítica na Argentina e por tabela em Porto Alegre no Rio Grande do Sul por ter analisado o Dr. Mário Martins. Acompanhava Mário em Buenos Aires sua esposa, Zaida Martins que era educadora e se tornou analista de crianças. Em Porto Alegre, nos primeiros vinte anos de formação analítica, os didatas eram médicos e era exigido que os candidatos fossem médicos e tivessem pelo menos dois anos de formação psiquiátrica.  Não aconteceu o mesmo em São Paulo e no Rio de Janeiro. Virginia Bicudo era Assistente Social e fizera a sua formação em Londres. O australiano Frank Phipps era engenheiro de origem e fez formação em Londres. No Rio de Janeiro a personagem mais conhecida e motivo da crise das acusações de charlatanismo contra seu marido, foi Kathrin Kemper que era Grafologista e que acabou participando da fundação do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro.

Nos tempos atuais está tudo mudado, a Psicanálise saiu da esfera da Medicina e caiu nos braços das mulheres, ainda existem algumas médicas, mas a dominância das psicólogas é significativa.

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