Osmar Ratzke

 

Psiquiatria é a medicina (iatros) da mente (psiqué). Sendo uma especialidade médica, baseia-se no modelo médico, recebendo, portanto, influências das pesquisas e descobertas das Ciências Biológicas em geral e das Neurociências em particular. No entanto, devido à sua complexidade recebe também influências de outros ramos como as Ciências Humanas e Sociais. São comuns os defensores de cada uma destas vertentes procurarem minimizar a importância da outra. No entanto, o dia-a-dia da prática clínica em Psiquiatria mostra que somente com a síntese destas diferentes orientações do conhecimento é possível o atendimento integrado do paciente psiquiátrico (1).

A ciência psiquiátrica, por sua vez, envolve algumas peculiaridades em termos de evolução do conhecimento, que fazem com que, dentro de uma perspectiva histórica, deva ser considerada dentro dos parâmetros do contexto da época que esteja sendo avaliada.

A partir da Segunda metade do século 20 houve enorme progresso no diagnóstico e tratamento dos transtornos mentais. A partir do surgimento da Clorpromazina, em 1952, e posteriormente dos demais psicofármacos, foi sendo possível tratar um grande número de casos da especialidade sem o internamento hospitalar. Isto fez com que, em muitos países, fosse reduzido o número de leitos dos grandes hospitais de maneira até dramática, e foi possível o atendimento da maioria dos pacientes ser realizado apenas em nível ambulatorial ou extra-hospitalar.

Pode-se dividir então, do ponto de vista histórico, uma Psiquiatria da primeira metade do século XX e uma Psiquiatria da Segunda metade. Aquela, muito mais hospitalar, e esta mais ambulatorial. Exceção a esta divisão foi o movimento psicanalítico, o qual, iniciado por Freud no final do século 19 desenvolveu-se em países como os Estados Unidos, principalmente na primeira metade do século 20. Hoje, com o desenvolvimento de outras escolas de psicoterapia e do progresso em torno das Neurociências, a psicanálise tradicional perdeu espaço e importância. De qualquer forma sua principal indicação, mesmo em sua época áurea, sempre foi o tratamento de quadros “menores”, as então chamadas neuroses. Os transtornos mais complexos, as chamadas psicoses, foram tratadas, na primeira metade do século 20, em ambiente hospitalar especializado.

A Psiquiatria dos pioneiros, não só do Paraná, mas do resto do mundo, foi baseada então principalmente no Hospital psiquiátrico, sendo chamada pelos seus críticos (ainda nos dias atuais)  de “hospitalocêntrica”. Na Segunda metade do século houve o grande avanço das instituições extra-hospitalares, como o ambulatório, o hospital-dia e os centros de saúde mental. Ao mesmo tempo, procurou-se enfatizar a equipe multidisciplinar, com a participação de psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais e outros profissionais da área de saúde mental no atendimento de pacientes. Movimentos de defesa dos direitos de cidadania do doente mental, em todo o mundo, procuraram evitar as antigas limitações que eram impostas aos pacientes internados, como celas de isolamento, censura a cartas, etc..

Outro avanço técnico importante foi à criação das chamadas unidades psiquiátricas em hospitais gerais. Em países como os Estados Unidos, mais de 60% dos leitos em Psiquiatria atualmente já se encontram nessas unidades, sendo o restante em hospitais psiquiátricos tradicionais. Este movimento trouxe uma aproximação cada vez maior entre a Psiquiatria e a Medicina. O psiquiatra de hoje, antes de tudo, tem que ser um médico, com conhecimentos gerais em Medicina Interna, Farmacologia (com ênfase em interações medicamentosas, por exemplo). A Psiquiatria aproximou-se então do hospital geral e da comunidade. Contra-indica-se atualmente a construção de hospitais psiquiátricos distantes dos centros urbanos. O internamento psiquiátrico, quando necessário, ao invés de ser prolongado, às vezes para o resto da vida do paciente, tornou-se breve, com um mínimo de dias suficiente para controlar o quadro agudo e permitir o seguimento em instituições não-hospitalares. Em diversos países, como o Canadá e Estados Unidos, grandes “States Hospitals” (hospitais estaduais) foram completamente desativados, e substituídos (em parte) por outras instalações como hospitais-dia, centros de saúde mental e unidades psiquiátricas em hospitais gerais. Porém, mesmo nesses países, e com todo o progresso da psicofarmacologia e das medidas psicossociais não foi possível ainda prescindir totalmente do hospital psiquiátrico.

 

O início da Psiquiatria do Paraná, como já vimos, baseada no hospital psiquiátrico tradicional, nos traz inúmeros ensinamentos. Por vezes percebemos, nos dias de hoje, em alguns psiquiatras da nova geração, reações de desdém quando citamos o nome de psiquiatras do passado, em nosso Estado. Quando encaramos os antigos com a visão preconceituosa do presente, sem atentarmos para a perspectiva histórica, corremos o risco de cometermos injustiças, plenas de distorções e alheias ao próprio contexto histórico.

Diante desta perspectiva histórica, que não abandonaremos na abordagem deste capítulo, procuraremos valorizar o trabalho dos pioneiros que lançaram as bases da Psiquiatria do Paraná, pois, embora, com escassos recursos técnicos, muito puderam fazer para aliviar o sofrimento de inúmeros pacientes.

Procuraremos lembrar a experiência de alguns destes pioneiros da Psiquiatria, sabendo que, provavelmente esqueceremos de um ou outro  que nossa pesquisa involuntariamente deixou de considerar.

 

As primeiras tentativas de resolver o problema dos então denominados “psicopatas” no Paraná surgiram a partir de 1857, com a idéia de criação de uma enfermaria para “alienados” (2). Até esta época, os doentes mentais eram internados no Hospital da Misericórdia (hospital geral), precursor da atual Santa Casa, que naquela época se situava na então Rua Direita (atual 13 de maio), em Curitiba. Naquela época, o internamento psiquiátrico em um hospital geral era considerado desumano, pois aos doentes mentais eram destinados os porões, em condições insalubres. Surgiu então movimento para dotar Curitiba de um hospital especializado em Psiquiatria.

Coube ao Monsenhor Dom Alberto José Gonçalves, na provedoria da Santa Casa, no decênio 1898-1908, a iniciativa de criar o Hospital Nossa Senhora da Luz (então chamado de Asilo de Alienados Nossa Senhora da Luz), inaugurado em 25 de março de 1903 (2). Em início de abril vieram os primeiros pacientes, que até então estavam internados no Hospital de Misericórdia. Tratava-se de um prédio, situado no atual bairro do Ahú, e que funcionou apenas por 4 anos neste endereço. O governo estadual, naquela época, acertou uma indenização para transformar o prédio do Asilo em penitenciária, resolvendo o problema de acomodar criminosos. Neste edifício funciona, até hoje, a Penitenciária do Ahú.

A irmandade da Santa Casa passou a construir os edifícios do novo “hospício” (2)(3). Na ocasião, o Dr. Antonio Rodolfo Pereira Lemos visitou o Hospital do Juquery, em São Paulo, fundado pelo Dr. Franco da Rocha, e procurou trazer as experiências dos profissionais desta instituição. Os novos prédios do N. Senhora Da Luz foram erguidos a então rua S. José, atual Mal. Floriano, onde foram construídos  3 pavilhões (3). Mais tarde o hospital foi ampliado para o tamanho em que se encontra até os dias de hoje. Considera-se o então Asilo N. Senhora Da Luz como o primeiro hospital psiquiátrico do Paraná.

A partir de 1918, quando surgiu a Cadeira de Clínica Neurológica e Psiquiátrica da Universidade do Paraná, as aulas de Psiquiatria passaram a ser ministradas nesse  Hospital.

 

Para o estudo da história da Psiquiatria no Paraná, torna-se fundamental avaliarmos o desenvolvimento do ensino de Psiquiatria em nosso Estado. O início deste ensino confunde-se, parcialmente, com a história da Universidade do Paraná, hoje Universidade Federal do Paraná.

Os primórdios do ensino de Psiquiatria no Paraná estão intrinsecamente  ligados a duas instituições: o Asilo N. Sra. Da Luz e o Instituto Médico Legal (nome atual).

A então Universidade do Paraná foi fundada em 1912; seu curso médico foi criado em 1913, quando foi organizado o primeiro currículo, com 28 cadeiras distribuídas em 6 anos de curso. Para estas cadeiras foram nomeados 26 professores, sendo designado para lecionar a Clinica Neurológica e Psiquiátrica o médico Antonio Rodolpho Pereira Lemos (3) (4) (5).

O ensino de Psiquiatria no Paraná seguiu o modelo de cátedras mais antigas, como as das Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro. O Dr. Pereira Lemos, embora não tivesse formação efetiva na especialidade, atendia os pacientes com muito carinho e dedicação, aprimorando auto – didaticamente seus conhecimentos em Psiquiatria (5). Inicialmente atendia os doentes mentais internados na Santa Casa e passou a atendê-los no Nossa Senhora da Luz, após sua inauguração e do qual chegou a Diretor. Pereira Lemos é considerado, historicamente, como o primeiro psiquiatra do Paraná. Embora designado já em 1913 para esta função, não chegou a exercer o magistério da Clínica Neurológica e Psiquiátrica, cujo ensino seria iniciado em 1918, em virtude do seu falecimento ocorrido a 24 de novembro deste mesmo ano, vítima de   epidemia (5). Todavia foi ele o precursor da Psiquiatria no Paraná e seu trabalho em prol dos doentes mentais se confunde com a história da Santa Casa de Misericórdia e do Hospital Psiquiátrico Nossa Senhora da Luz. (3).

 

No lugar de Antonio Rodolpho Pereira Lemos foi indicado como professor da Clínica Neurológica e Psiquiátrica, regendo a cadeira a partir de 1919, o Dr. José Guilherme de Loyola, que já trabalhava com Pereira Lemos no N. Senhora Da Luz. Nascido em 1874, em S.João da Graciosa, Guilherme de Loyola achava-se ligado à Faculdade de Medicina desde sua fundação, ocasião em que foi nomeado lente catedrático de Clínica Dermatológica e Sifiligráfica, cadeira do 3º ano do curso médico. Em 1919 depois de ter passado a regência pela Cadeira de Física Médica durante os anos de 1917 e 1918, foi transferido para a Cadeira de Clínica Neurológica e Psiquiátrica, nela sendo mantido até 1923 (3). Neste ano o Conselho Superior de Ensino modificou o Regimento Interno e esta Cadeira  foi desdobrada, optando o Prof. José Guilherme de Loyola pela Psiquiatria onde permaneceu até o ano de 1930, ano em que se licenciou, desligando-se da Faculdade, em 1936. Durante todo este período o local das aulas teóricas e práticas era o Asilo de Alienados Nossa Senhora da Luz. (4). A partir de 1931, assumiu a Cadeira o Prof. Octávio da Silveira, até o ano de 1935, quando passou a lecionar somente a Neurologia, ficando a Psiquiatria para o Dr. João Carmeliano de Miranda, em caráter interino, até o ano de 1936 (3)(4)(5).

 

Marco importante na história e no ensino da Psiquiatria paranaense foi à ascensão do Prof. Dr. Alô Guimarães.

Nascido em Curitiba, em 12 de dezembro de 1903, Alô Guimarães formou-se pela Faculdade de Medicina do Paraná em 1928. Doutor em Medicina, quando se laureou após defender a Tese “Cirrose Hepática de Laennec combinada com o mal de Banti” – ocupou, poucos anos depois de sua formatura o cargo de médico legista do então denominado Gabinete Médico Legal. Sua formação técnica como médico legista levou-o a aproximar a Psiquiatria com a Medicina Legal. Esta visão abrangeu a Psiquiatria do Paraná até recentemente. Um dos aspectos importantes desta aproximação foi o fato de a sede administrativa da Psiquiatria ter permanecido, até recentemente, junto com a Medicina Forense, no Instituto Médico Legal.

Não se pode lembrar a imagem de Alô Guimarães sem recordar o Hospital Psiquiátrico e o Departamento Médico Legal. Ligado às duas instituições das quais foi Diretor por vários anos, era além de médico psiquiatra e legista, eficiente administrador.

O Instituto Médico Legal representou importante papel na Psiquiatria do Paraná. Este órgão, hoje ligado à Secretaria de Segurança Pública, e que anteriormente se chamava  Gabinete Médico Legal do Estado, abrigou tanto profissionais da área de Psiquiatria quanto da Medicina Forense, ligados também à Universidade Federal do Paraná. Muitos professores atuavam na Universidade e tinham o cargo de médico legista do IML. Até hoje, o Departamento acadêmico do Setor de Ciências da Saúde da UFPR, que congrega os professores destas áreas, chama-se “Departamento de Medicina Forense e Psiquiatria” e até recentemente, tinha sua sede no edifício do Instituto Médico-Legal.

Em janeiro de 1931 passou a pertencer ao Corpo Clínico, como médico psiquiatra, do Hospital Nossa Senhora da Luz, chegando, mais tarde, a ocupar o cargo de Diretor (5). Foi nomeado também, em 1934, Diretor do Gabinete Médico Legal, passados poucos anos depois de seu ingresso como médico legista. Além do cargo de Diretor, realizava também as perícias de Psiquiatria Forense (3). Anteriormente já tinha exercido as funções de médico do Estado, iniciando sua carreira na administração pública como Diretor do Leprosário São Roque (6).

.        Seu primeiro trabalho de Medicina Legal, data de 1932, e foi publicado na Revista Médica do Paraná do referido ano (7). Somente em 1951 Alô Guimarães afastou-se da Direção do Médico Legal, para ocupar outros cargos públicos no Estado.

No campo do Ensino, Alô Guimarães conquistou, em 1935, a docência livre da Cátedra de Medicina Legal (3) (7). Em 1936 foi aprovado no concurso para catedrático de Clínica Psiquiátrica da Faculdade de Medicina do Paraná (4) (5). Neste concurso, disputou a cadeira de Psiquiatria com o assistente Carmeliano de Miranda, conseguindo melhor nota (3).

Com esta aprovação Alô Guimarães foi o primeiro professor catedrático de Psiquiatria no Paraná. Ao lado de suas atividades como docente, passou a dedicar-se a seu consultório particular (5).

Nesta época os métodos terapêuticos utilizados na Psiquiatria eram de pouca base científica. Durante o longo período, de quase vinte anos, introduziu novas (para a época) técnicas  no tratamento psiquiátrico, como a Insulinoterapia, a Malárioterapia, o choque cardiazólico e a Eletroconvulsoterapia (3)(4). Procurou também estimular, no N. Senhora da Luz a Terapia Ocupacional. Grande parte de seu sucesso na clínica privada era proveniente de sua capacidade de exercer um ótimo vínculo terapêutico com seus pacientes e familiares.

Na época não havia  os medicamentos neurolépticos, estabilizadores, tranquilizantes e antidepressivos  que dispomos hoje. A partir de 1952, quando surgiu a Clorpromazina, Dr. Alô Guimarães foi um dos primeiros a utilizá-la no tratamento dos pacientes psicóticos. O professor Alô tomava conhecimento das novidades terapêuticas através da literatura de então, com todas as limitações que havia na época para se receber revistas técnicas importadas. Muitos pacientes obtinham melhora de seu quadro mental, em parte, provavelmente devido a seu carisma pessoal, e como já vimos, sua capacidade de vínculo com os pacientes. Foi um dos precursores então, em nosso meio, da importância de se instituir uma boa “relação médico-paciente” como importante arma terapêutica não só da Psiquiatria, mas de toda a  Medicina (5).

Este mesmo carisma pessoal era transmitido em suas atividades de docente de Psiquiatria. Suas aulas teóricas transcorriam com  fluência, onde já revelava seus dotes de político. Sua cultura geral permitia também que discorresse a respeito de muitos e variados assuntos.

Por duas vezes foi escolhido paraninfo  dos doutorandos do curso de Medicina: em 1946 e 1949 (5).

Em 1938 proferiu aula inaugural do curso médico da Faculdade de Medicina do Paraná, evento este ocorrido no Salão Nobre do Palácio da Universidade do Paraná, no dia 7 de março, com o tema: “A Ciência Psiquiátrica, seu mérito, sua evolução e suas conquistas no terreno da clínica e da terapêutica”(5).

Alô Guimarães participou de atividades como médico psiquiatra e administrador, tanto no Hospital N. Senhora Da Luz, ligado à Arquidiocese de Curitiba, quanto no Hospital Espírita Bom Retiro, revelando sua capacidade política de conviver com pessoas ligadas a orientações religiosas diferentes (8).

Além das atividades como psiquiatra e Professor de Psiquiatria, o professor Alô Guimarães participou de inúmeras atividades culturais e políticas. Foi Presidente da Associação Médica do Paraná em 1946. Foi um dos fundadores da Sociedade Paranaense de Psiquiatria. Pertenceu a várias instituições, como o Centro de Estudos Franco da Rocha, em São Paulo. (5).

Suas atividades políticas centralizaram-se no PSD (Partido Social Democrático), chegando a Prefeito de Curitiba, e Secretário de Estado da Saúde e do Interior e Justiça. Foi eleito Deputado Federal e Senador da República (9). Seu primeiro cargo público foi como Prefeito de Curitiba, em 1945; foi nomeado, em 1948, pelo então Governador Moisés Lupion, Secretario da Saúde (7). A seguir foi eleito Senador da República com uma votação de 125.000 sufrágios. Durante este período afastou-se de suas atividades didáticas, e, parcialmente, de suas atividades como médico psiquiatra.

Quando terminou seu mandato, em 1962, desgostou-se da política, desligando-se do PSD. Passou a dedicar-se inteiramente à Psiquiatria, até os últimos dias de sua vida (3), embora tenha permanecido afastado de suas atividades em sala de aula.

Seu grande hobby foi o Turfe, tendo fundado o Haras Paraná, em 1942, um dos mais importantes do Brasil

Depois de sua aposentadoria ocorrida em 30 de junho de 1970, Alô Guimarães foi agraciado pela Universidade Federal do Paraná com o título honorífico de Professor Emérito (3). Na ocasião desta homenagem, o Professor Ernani Simas Alves assim se pronunciou: “A Universidade só concede tão valiosas láureas a personalidades eminentes, que se hajam distinguido pela sua atuação em favor do ensino, do desenvolvimento das Ciências, das Letras, das Artes e da Cultura Geral, ou que tenham contribuído para o progresso da Universidade, da Região ou do País” (5).

Em 04 de março de 1985, o Professor Alô faleceu, vítima de infarto agudo do miocárdio.

         Cinco dias antes de seu passamento, sentiu um mal súbito quando voltava do próprio consultório. Tratava-se de uma forte dor à esquerda do peito, acompanhada de falta de ar e taquicardia. Segundo seu neto, Manoel Antonio Guimarães, “apesar de ciente da gravidade de seu caso, mostrou suficiente maturidade e coragem intrépida para um homem de 82 anos, que encarava a própria morte negando-se veementemente a submeter-se a tratamento hospitalar ou exame de qualquer natureza, limitando-se apenas às ordens médicas gerais, como que prevendo seu próprio destino” (8).

 

Além de Alô Guimarães, foram também docentes da cadeira de Clínica Psiquiátrica, por concurso, João Carmeliano de Miranda, Rubens Lacerda Mana, Napoleão Teixeira, José Schettini, Levy Miró Carneiro, Arnaldo Gilberti, Ismael Fabricio Zanardini e Irajá Corrêa Tramujas. Quando Alô, em 1955, licenciou-se para assumir a cadeira no Senado Federal foi substituído pelo livre docente Napoleão Lírio Teixeira. Regendo a cadeira entre 1955 e 1958, Napoleão Teixeira foi figura das mais importantes para a história da Psiquiatria paranaense, e, por muitos anos, atuante em consultório privado.

 

Em 1958 José Schettini foi nomeado para reger a cátedra, nela permanecendo até sua morte prematura ocorrida em abril de 1961 (5). José Schettini nasceu em S. Carlos, no Estado de São Paulo, no dia 31 de maio de 1919.

Veio a Curitiba em 1938, ingressando em 1940 na Faculdade de Medicina do Paraná, concluindo seu curso em 1945. Quando acadêmico residia no Hospital Nossa Senhora da Luz, no período de 1943 a 1945.

No Hospital N. Sra. Da Luz, Schettini assumiu a função de médico, a partir de 1946. Atendia pacientes de todas as alas; assumiu a chefia de pavilhões e auxiliou na administração do hospital, principalmente na fase em que o Diretor era o Professor Alô Guimarães (10).

Ao mesmo tempo em que atendia o Hospital N. Senhora Da Luz, participava também do corpo clínico do Sanatório Bom Retiro, desde os seus primórdios, colaborando como assistente do Professor Alô. Depois do atendimento aos pacientes e do indispensável cafezinho em companhia de outros médicos e funcionários do Bom Retiro, se deslocava para o Luz. “Essa era a peregrinação diária, às vezes só, outras tantas vezes juntamente com o Professor Alô e Mário Pilotto, na caminhonete do Sanatório” (10).

Pela sólida amizade que tinha com o professor Alô Guimarães, foi por ele convidado a exercer o magistério, como professor de Psiquiatria na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná. Ministrou aulas práticas no Hospital Nossa Senhora da Luz e também teóricas quando solicitado pelo prof. Alô (10). Em outubro de 1954 realizou o concurso de livre docente da Faculdade de Medicina, defendendo a tese “Neuroses Meta-epilépticas”. Participaram da banca examinadora os profs. Alô Ticoulat Guimarães, Joaquim de Matos Barreto, Heleno da Silveira, Anchises Marques de Faria e Ernani Simas Alves, todos da UFPR. A sua tese foi orientada por José Alves Garcia do Rio de Janeiro, com quem tinha excelente relação de amizade (10).

José Schettini foi um dos pioneiros da eletroencefalografia no Paraná, tendo realizado, em 1950, no Rio de janeiro  curso de EEG com o prof. Georges Verdeaux, patrocinado pelo Serviço Nacional de Doenças Mentais (3). Em 1951 adquiriu o aparelho de EEG que foi instalado em seu consultório. Inicialmente teve como sócios no Serviço de Eletroencefalografia os Doutores Levi Miró Carneiro e Francisco José Nauffal. Mais tarde adquiriu as partes de seus colegas. Do convívio com Mário Pilotto no Departamento Médico Legal e nos hospitais psiquiátricos, surgiu o convite para que o mesmo participasse, como assistente, na clínica e no serviço de Eletroencefalografia. (10).

Schettini ocupou vários cargos técnicos e administrativos no governo estadual. Em 1949 foi nomeado para exercer o cargo de médico legista no Departamento Médico Legal da Secretaria de Segurança Pública do Estado. Sua atividade principal estava ligada às informações e exames psiquiátricos solicitados pelas autoridade policiais e jurídicas do Estado. Além das perícias prestou também serviços como médico da Penitenciária Central do Estado e na prisão Provisória do Ahú, durante o impedimento do titular (10).

Em 1956, na Secretaria de Saúde, passou a exercer as funções de Diretor do Departamento de Higiene Mental e Assistência a Psicopatas (10). Desde 1945 José Schettini participava  da Secretaria de Saúde Pública, quando o Secretário da Saúde era o prof. Alô T. Guimarães. Nesta Secretaria desenvolveu a implantação de ambulatórios de atendimento psiquiátrico e também muito trabalhou para o funcionamento do Hospital Colônia Adauto Botelho que estava subordinado a seu Departamento (10).

 

 

 

Schettini tinha bom contato pessoal com colegas e funcionários que com ele trabalhavam. Sobre isto, o Prof. Mário Pilotto, em trabalho recente assim descreve seu temperamento: “Era um ciclotímico, condição biotipológica que lhe permitiu com facilidade ser muito estimado por todos quanto participavam de seu convívio” (10).

Em 1955 o prof. Alô Guimarães estava exercendo o mandato de senador da República,  no Rio de Janeiro. Existiam no Paraná dois livres docentes da disciplina de psiquiatria: Prof. Napoleão Lírio Teixeira e José Schettini. Em casos de impedimento do titular da cátedra os docentes livres assumiriam em regime de rodízio. Era conhecida, no entanto, a incompatibilidade entre os dois professores. Quando o Prof. Napoleão assumiu a cátedra, o Prof. José Schettini solicitou do diretor da Faculdade de Medicina, ficasse à disposição da cadeira de Medicina Legal. Em 31 de outubro de 1955, o Prof. Antenor Pamphilo dos Santos, então Diretor Substituto da Faculdade, oficia ao Prof. Schettini, informando que o mesmo, a pedido do prof. Ernani Simas Alves, ficará à disposição da cadeira de Medicina Legal. Permaneceu nesta Disciplina até 11 de novembro de 1958, quando foi nomeado como “substituto para o cargo de Prof. catedrático da cadeira de Clínica Psiquiátrica do Curso de Medicina da Faculdade de Medicina da UFPR, do quadro permanente do Ministério da Educação e Cultura, durante o impedimento de seu titular, Alô Ticoulat Guimarães, em virtude de estar no exercício de mandato legislativo” (decreto de Juscelino Kubitchek de Oliveira) (10).

Após 3 anos e 5 meses de exercício da cátedra, ocorre o falecimento do professor Schettini, em 17 de abril de 1961 (10). Substitui-o como professor regente o Dr. Mário Pilotto, professor assistente da cátedra de Clínica Psiquiátrica, o qual permaneceu na regência até 1973 (3).

 

Os assistentes do Prof. Alô participavam prelecionando as aulas teóricas e atendendo as turmas de alunos nas aulas práticas de Psiquiatria no N. Sra. Da Luz.

Durante muitos anos as aulas   ministradas neste Hospital, contavam com a demonstração de pacientes “típicos” , como, por exemplo, o “cabecinha” e o “po-po-pó 3 pontinhos”. Gerações de médicos que passaram pela Universidade Federal do Paraná conheceram estes pacientes. Se, por um lado, a participação “folclórica” destes doentes tinha seu lado didático, muito pouco auxiliava na tarefa de demonstrar aos alunos a importância da especialidade. Parecia, aos alunos, que a maior parte dos casos apresentados eram de pacientes incuráveis e asilares, levando-os a criticar a especialidade por sua  baixa resolutividade. Este aspecto levava a muitos alunos, que tinham previamente alguma idéia  de escolher a Psiquiatria como especialidade, diante do exposto nas aulas práticas, desistir deste caminho. Muitos pacientes demonstrados em aula prática, crônicos e sem recuperação, eram indigentes que tinham o hospital como moradia permanente. Esses e outros pacientes famosos do hospital eram fruto de uma época, em que, da mesma maneira que a Psiquiatria era baseada principalmente no hospital psiquiátrico, seu ensino se baseava em mostrar pacientes crônicos que, hoje, seriam considerados apenas uma minoria dos casos.

Recentemente, após a aposentadoria do Prof. Ismael F. Zanardini (último professor a ministrar aulas no Hospital N. Sra. Da Luz), as aulas de Psiquiatria da UFPR passaram a ser ministradas somente em outros locais, principalmente junto ao Serviço de Psiquiatria do Hospital de Clínicas. Neste local procura-se, principalmente, mostrar aos alunos  pacientes do ambulatório deste Serviço, a maioria composta de pacientes depressivos ou ansiosos e com quadros somatoformes  que fazem parte da maioria dos casos a serem atendidos pela Psiquiatria de nossos dias.

O ensino de Psiquiatria na UFPR recebeu influências relativamente recentes das mudanças administrativas que ocorreram na Universidade. Em 1973, com a reforma universitária, houve reestruturação administrativa no âmbito da  Universidade Federal do Paraná, quando criou-se uma nova estrutura, compreendendo Setores ao invés de Faculdades, e agrupando diversas disciplinas em Departamentos. Desta forma, a Psiquiatria passou a integrar, juntamente com a Medicina Legal e outras disciplinas, o Departamento de Medicina Forense e Psiquiatria, do Setor de Ciências da Saúde.

Ao mesmo tempo criou-se o sistema de eleição direta, entre professores, servidores e alunos, para a Chefia do Departamento, para mandatos de 2 anos.

Com a reforma do Currículo do Curso de Medicina, implantada a partir de 1982, a Psiquiatria deixou de ser disciplina única e passou a funcionar com 3 disciplinas: Saúde Mental, Psiquiatria I e Psiquiatria II.

Posteriormente, com nova reforma do currículo, desapareceram as disciplinas acima, e, em seu lugar, foram criadas as disciplinas de Psiquiatria III, IV e V, esta última integrada com o Departamento de Farmacologia, do Setor de Ciências Biológicas. Recentemente foi criado o estágio curricular optativo em Psiquiatria, para alunos do 12º período do Curso Médico.

 

Depois da morte de Schettini, assumiu a liderança no ensino de Psiquiatria Mário Pilotto, que nasceu em 1919 na cidade de Ponta Grossa, PR. Concluiu o curso de Medicina em 1944, iniciado em 1939, na Faculdade de Medicina do Paraná. Em 1956 realizou curso de especialização em Psiquiatria no Departamento Nacional de Saúde – Rio de Janeiro. Em 1970 obteve o título de Psiquiatra, conferido pela Associação Médica Brasileira e Associação Brasileira de Psiquiatria., em São Paulo (3).

Em 1959, foi contratado para exercer as funções de Instrutor na cadeira de “Clínica Psiquiátrica”, e em 1967 passou a professor assistente.

Em abril de 1983 foi designado para exercer o cargo de Chefe do Departamento de Medicina Forense e Psiquiatria, do Setor de Ciências da Saúde, cargo que ocupou até sua aposentadoria em abril de 1989 (3). Embora afastado do ensino, o Prof. Mário Pilotto mantém sua atividade como médico psiquiatra do Hospital N. Sra. Da Luz.

        

Como vimos anteriormente, a Psiquiatria da primeira metade do século vinte centralizou-se no hospital psiquiátrico. Somente em 1944, foi criado o primeiro ambulatório psiquiátrico de Curitiba e do Paraná, por iniciativa do Dr. Arnaldo Gilberti, médico psiquiatra do Ministério da Saúde (2). Situava-se à rua José Loureiro, no centro de Curitiba. No dia 2 de maio de 1944 foi atendido, pessoalmente pelo Dr. Arnaldo, o primeiro paciente ambulatorial, no âmbito do atendimento público em saúde mental. Dedicou-se este profissional à esta área por cerca de 40 anos, valorizando o atendimento extra-hospitalar em Psiquiatria. Somente 10 anos após o início de funcionamento do ambulatório, foi inaugurado o primeiro hospital estadual de Psiquiatria, o Adauto Botelho.

Arnaldo Gilberti nasceu em Itabira, SP,  formou-se em 1942 pela Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil, Rio de Janeiro. Em 1943 matriculou-se no curso de aperfeiçoamento e especialização de Higiene Mental e Psiquiatria Clínica do Departamento Nacional de Saúde do Ministério da Educação e Saúde. Posteriormente  transferiu residência para Curitiba onde radicou-se até sua morte ocorrida em agosto de 1980 (3). Sendo psiquiatra dos quadros federais à disposição da Secretaria Estadual de Saúde, aqui se estabeleceu, dedicando grande parte de sua vida ao Departamento de Saúde Mental, permanecendo à frente deste órgãos por muitos anos, praticamente até sua morte.

Arnaldo Gilberti ingressou na carreira docente, na Faculdade de Medicina da UFPR, como instrutor de Clínica Psiquiátrica, nos anos de 1964 e 65. Passou a auxiliar de ensino da disciplina de Psiquiatria da Faculdade de Medicina a partir de 1966. Após concurso de provas e títulos foi nomeado assistente da Disciplina de Psiquiatria. Era também professor titular da cadeira de Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Católica do Paraná (3).

 

Em  1947, a recém criada Secretaria Estadual de Saúde  e Assistência Social preocupou-se com a questão do doente mental no Estado, criando, em seu organograma o Departamento de Higiene Mental e Assistência a Psicopatas, cujo primeiro Diretor foi o médico Dr. Jayme Drummond de Carvalho (2). Uma das primeiras obras foi a construção do hospital psiquiátrico estadual, na região do Canguiri, hoje no Município de Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba. O hospital recebeu o nome de Adauto Botelho, em homenagem ao então diretor do Departamento Nacional de Saúde Mental.

Desde o início do século, as autoridades sanitárias estaduais recebiam constantes solicitações, visando a implementação de atividades na área de Saúde Mental. Estas atividades, na época, eram sinônimos de construção e manutenção de grandes asilos, destinados à contenção dos doentes mentais. Com a  inauguração do Hospital Nossa Senhora da Luz, ligado à Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba, e construído, principalmente com fundos estaduais, houve um certo relaxamento por parte das autoridades, acreditando estar resolvido o problema em nosso Estado(11).

Ao término da década de 40, fruto do agravamento do problema e do íntimo contato com órgãos federais encarregados pelas ações nesta área, criava-se o Departamento Estadual de Higiene Mental e da Assistência a Psicopatas, com o intuito de prestar assistência psiquiátrica à população paranaense (11).

O Dr. Jayme Drummond de Carvalho descreve a respeito de seus primeiros anos de atividade como Diretor do Departamento: “Naquela época (final dos anos 40 e início da década de 50), o doente mental passou a ser um problema crescente no Estado, que rápida e desordenadamente se expandia. As solicitações para internamentos eram cada vez mais freqüentes, sem que o Estado dispusesse dos leitos hospitalares necessários à satisfação de tal demanda. Era assim criado o Departamento de Higiene Mental e de Assistência a Psicopatas, o qual passei a dirigir, acumulando este cargo com minhas funções de chefe do Departamento Estadual de Saúde. E, ao mesmo tempo, eram iniciadas as obras para a construção do futuro Hospital Psiquiátrico do Estado, situado no bairro Canguiri, no Município de Piraquara. Na orientação e supervisão destas obras, limitavam-se as ações do Departamento. Duas figuras humanas de inestimável valor nos auxiliaram nestes primeiros anos a frente deste órgão: o Dr. Arnaldo Gilberti e o Dr. Adauto Botelho” (11).

O Prof. Adauto Botelho, Diretor do Departamento Nacional de Saúde Mental na época, teve uma importância fundamental na construção do  primeiro hospital estadual para o tratamento de doentes mentais. Devido a esta importante participação, quando inaugurado em 1954, o hospital, em sua homenagem, adotou seu nome, o qual conserva até hoje: Hospital Colônia Adauto Botelho  (11).

O Hospital Adauto Botelho, com 350 leitos na época da inauguração, veio ocupar uma importante lacuna existente nos serviços públicos de saúde. “Somente após alguns anos, em decorrência de uma falta crônica de recursos, da falta de rotatividade de seus leitos e do grave problema da superlotação, é que o “Adauto” foi, gradativamente, assumindo suas características atuais” dizia Lindolfo Fernandes, em 1987 (11).

Por volta de sua inauguração, em 1954,  o Adauto Botelho era considerado  um Hospital modelo para o tratamento de doentes mentais, sem igual em todo o sul do Brasil. No entanto, em pouco mais de 2 anos, em decorrência dos problemas acima citados, “transformava-se numa instituição asilar clássica, servindo, muito mais, como depositário do que terapêutico, aos doentes que eram para lá encaminhados”(11).

Mantendo sua capacidade instalada para 350 internos, ao final deste 2 anos, o Adauto já albergava mais de  1000 doentes. Segundo o relato de profissionais que lá trabalhavam, “eram extremamente desumanas as condições de vida de seus internos, especialmente nas estações frias do ano, quando praticamente se empilhavam uns aos outros, para protegerem-se das baixas temperaturas. A alimentação e os profissionais disponíveis, paralelamente, iam se fazendo cada vez mais insuficientes para um número tão elevado de pessoas, quase 3 vezes superior ao limite oferecido pela casa”(11).

Por esses motivos e em conseqüência do desinteresse das famílias em receber seus familiares internos e/ou em acompanhá-los nos seus tratamentos, tornava-se quase insustentável a quantidade de doentes crônicos no hospital (11).

As tentativas anteriores para diminuir o número de pacientes do Adauto foram infrutíferas. Assim, Lindolfo Fernandes relata as dificuldades dos últimos anos da década de 50: “Nesta ocasião, o Hospital, através do Departamento, firmou um convênio com a Rede Ferroviária Paraná-Santa Catarina e com as principais Delegacias de Polícia dos principais troncos ferroviários do estado. Tal procedimento, na época apelidado de “trem da Alegria”, baseava-se no seguinte: o Hospital destacava 2 funcionários (sempre um casal) e a Rede ferroviária cedia 2 vagões de seus trens destinados ao norte do Estado. Num dos vagões ia o funcionário homem, com cerca de 20 egressos do sexo masculino; no outro, a funcionária, com 20 egressas mulheres”(11).

Nas principais cidades do trajeto ferroviário iam sendo deixados os doentes que nelas residiam até seus internamentos, e a polícia local se encarregava de localizar suas famílias. Embora a idéia, a princípio, parecesse interessante, fracassou, pois a maioria dos pacientes ficavam perambulando pelas ruas das diversas localidades onde eram deixados, sem que se localizassem suas famílias e, mais tarde, retornando em piores condições para o hospital.

Já na década de 60, foram tomadas medidas mais drásticas, com a limitação absoluta de novas internações, “até que o hospital dispusesse de uma infra-estrutura mínima de atendimento aos seus internos”(11).

“Ocorre que, se as internações estavam bloqueadas, o mesmo não acontecia com o transporte dos doentes do interior para Curitiba, desde sempre estimulado por práticas de cunho eleitoreiro, desenvolvidas pelos políticos locais que, ao conseguirem a transferência destas pessoas até a capital, obtinham para si a simpatia de seus familiares, traduzidas muitas vezes no compromisso eleitoral. Assim iam ficando abarrotadas de doentes mentais as delegacias curitibanas, locais onde estes iam sendo deixados até que o Adauto dispusesse das vagas necessárias às suas internações”(11).

Com o aumento de doentes mentais nas delegacias de Curitiba, o hospital acabou tendo que ceder às inúmeras pressões, tornando-se novamente superlotado.

Somente recentemente foi possível desmobilizar um grande número de pacientes asilares, fazendo com que, atualmente, o hospital esteja com  291 leitos somente e sem nenhum paciente além desta capacidade. Essa redução de pacientes internados foi conseguida, na realidade, pela conjunção de múltiplos fatores: melhor gestão do Hospital, credenciamento de novos leitos psiquiátricos na Região Metropolitana, surgimento de novos hospitais psiquiátricos no interior do Estado, introdução de novos medicamentos, surgimento de serviços extra-hospitalares em Curitiba e interior do Estado.

 

No final da década de 60 e início de 70, houve o credenciamento, por parte do então INAMPS, de  leitos psiquiátricos em novas instituições da Região Metropolitana de Curitiba. Assim, nesta época surgiram os hospitais Pinel, na Vila Hauer, em Curitiba, Pinheiros, em São José dos Pinhais, e San Julian, na região de Pinhais/Piraquara.

 

Na década de 60, grupo de psiquiatras (Laufran Villanueva, Tito Moreira Sales e outros) estavam construindo um hospital psiquiátrico, situado na Vila Hauer, em Curitiba. Devido a desentendimentos e  dificuldades diversas, optaram  por vender o imóvel, quase pronto, para o Dr. Hélio Rotemberg, psiquiatra de Curitiba que, na época, recém tinha vindo de sua formação  em Psiquiatria Clínica, em São Paulo, estabelecendo consultório em Curitiba. Junto com seu cunhado, Salomão Soifer, terminou o Hospital em 1968 chamando-o de Hospital Pinheiros. Obtendo o credenciamento dentro do sistema público da época, logo os sócios adquiriram outro imóvel em São José dos Pinhais, ampliando muito o atendimento de pacientes. Devido a desentendimentos entre os sócios, os hospitais foram desmembrados, ficando o de São José dos Pinhais com o sócio Salomão Soifer, permanecendo com o nome  “Pinheiros” e o da Vila Hauer ficando com o Dr. Hélio e recebendo o nome de “Pinel”. O Hospital Pinel, recentemente, passou a dispor de ambulatório, NAPS e hospital-dia, modernizando-se e enfatizando o atendimento extra-hospitalar.

 

Ao mesmo tempo em que surgiram novos leitos em Psiquiatria na Região Metropolitana, desenvolveu-se o sistema de atendimento ambulatorial em Curitiba. Além do Ambulatório ligado ao Departamento Estadual de Saúde Mental, foram credenciados pelo então INAMPS outros ambulatórios, como o do Instituto Freud, a Clínica Melanie e outros. Posteriormente a manutenção destes ambulatórios tornou-se inviável com os valores pagos pelo sistema público, o que provocou o fechamento dos mesmos.

Somente de 2 anos para cá houve retomada do estímulo a novos ambulatórios, quando foi criado o Programa de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde. Através deste Programa abriram-se vários serviços ambulatoriais, com melhora do pagamento das consultas, e reduzidos os leitos em hospitais psiquiátricos da região.

 

Ainda na década de 60, assumiu o Departamento de Higiene Mental (chamado agora de “Departamento de Saúde Mental do Estado”) o Dr. Herley Mehl. Médico Psiquiatra e Professor, o Dr. Herley  participou ativamente do desenvolvimento da Psiquiatria do Paraná. Nascido em 25 de agosto de 1929, em Curitiba, faleceu prematuramente em 16 de julho de 1979. Formou-se em Medicina pela Universidade Federal do Paraná, em 1953 e em Filosofia em 1956, pela mesma Universidade. Trabalhou como médico no Hospital Colonia Adauto Botelho, ocupando a  Direção entre 1963 e 1965 (12). Após Ter sido Diretor do Hospital Adauto Botelho, assumiu o Departamento de Saúde Mental do Estado, em 1966, dirigindo o Ambulatório de Saúde Mental, que, nesta época tinha  suas instalações transferidas da rua José Loureiro para a  rua 24 de maio, próximo ao centro de Curitiba. O ambulatório atendia grande volume de pacientes e distribuía, gratuitamente, os principais medicamentos utilizados. Participaram das atividades deste ambulatório os psiquiatras Célio T. Costa e Osmar Ratzke. O Prof. Herley ministrava também as aulas da cadeira de Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da então Universidade Católica do Paraná. Nesta Universidade chegou a ocupar o cargo de Diretor da Faculdade de Ciências Médicas, em 1971/72. No âmbito da Universidade Federal do Paraná ocupou vários cargos importantes, como o de Chefe do Departamento de Psicologia, em 1972, Diretor do Instituto de Ciências Humanas, em 1972/73, Coordenador do Curso de Psicologia, em 1973/74 e, finalmente, Pró-Reitor de Ensino e Pesquisa entre 1975 e 78. Dedicou-se nesta época em tempo integral e dedicação exclusiva para a UFPR. Empenhou-se de forma decisiva para a criação do Curso de Psicologia na UFPR; como homenagem, a Clinica Aplicada deste Curso  leva seu nome. Durante seus dois últimos anos de vida, mesmo sabedor da grave doença que o acometia, Prof. Herley não esmoreceu, produzindo inúmeros trabalhos e um livro didático de Introdução à Psicologia   (12).

O ambulatório de Saúde Mental evoluiu, posteriormente, para o desenvolvimento de um serviço para o atendimento de emergências psiquiátricas, onde, além do atendimento ambulatorial, havia uma unidade de internação de curta permanência (72 horas), para o controle de crises agudas. Tratava-se do Pronto Socorro Psiquiátrico, ligado à Secretaria Estadual de Saúde, inaugurado em 1976.

Posteriormente este serviço passou a se chamar CPM (Centro Psiquiátrico Metropolitano), e passou a contar também, recentemente, de um NAPS (Núcleo de Atenção Psicossocial), com atendimento em regime semelhante a um hospital-dia (permanência do paciente somente durante o dia).

Paralelamente à criação do CPM, foi organizado por Severo de Almeida Neto o CRA (Centro de Recuperação de Alcoólatras), funcionando em nível ambulatorial, dentro do sistema público de saúde (2).

 

Em 1978, foi inaugurada a primeira unidade de hospitalização parcial do Paraná, o Hospital-Dia da Clinica Heidelberg. Na época de criação deste serviço, pouco se falava deste tipo de atendimento. Somente em 1992, após a portaria 224, do Ministério da Saúde, passou-se a exigir que os grandes hospitais psiquiátricos criassem unidades de hospitais-dia, com conseqüente redução dos leitos de internação integral.

A existência de serviços ambulatoriais organizados, de um pronto socorro psiquiátrico e de unidades extra-hospitalares como os hospitais-dia e NAPS, decretaram a redução da importância dos grandes hospitais psiquiátricos como centro do atendimento em saúde mental.

 

Mesmo assim, a Região Metropolitana de Curitiba mantém, ainda hoje, 7 grandes hospitais psiquiátricos, embora com modificações como a redução do número de leitos e a instalação de serviços extra-hospitalares acoplados ao internamento integral.

Um destes hospitais, representando  marco importante na história da Psiquiatria paranaense é o Sanatório Bom Retiro, mantido pela Federação Espírita do Paraná, e inaugurado em março de 1945. Como já vimos, durante muitos anos o Dr. Alô Guimarães passou a Diretor Clínico do Bom Retiro, tendo permanecido nesta função até 1983 (5).  Depois desta fase em que havia a participação de Dr. Alô e seus assistentes, entre os quais Mário Pilotto e José Schettini, houve importante modernização na estrutura administrativa e técnica do Hospital, com a saída do grupo do prof. Alô e a entrada, no cargo de Diretor Clínico, do Dr. Alexandre Sech. Permaneceu na equipe, atuando neste hospital até hoje, o Dr. Célio T. Costa.

 

Outro hospital importante para a história da Psiquiatria no Paraná foi o Hospital N. Sra. Da Glória. Fundado pelo Prof. Otávio da Silveira, foi um dos primeiros hospitais psiquiátricos de Curitiba, instalado na República Argentina, no bairro do Portão. Foi posteriormente dirigido pela Dra. Ana Bruck da Silveira, e, mais recentemente, mudou sua sede para o outro lado da cidade, no bairro de Barreirinha.

 

Outros nomes importantes da Psiquiatria do Paraná não devem ser esquecidos: José Romildo Grabowski e Levy Miró Carneiro. Grabowski foi um dos psiquiatras com maior clínica particular do Estado; em seu consultório foram atendidos milhares de pacientes de Curitiba, interior do Paraná e outros Estados em busca de tratamento especializado. Procurou este profissional manter-se sempre atualizado com as novidades da psicofarmacologia, sendo um dos primeiros a diagnosticar depressão e utilizar medicação antidepressiva em nosso meio.  Mantém-se em atividade até hoje, freqüentando seu consultório diariamente. Já Levy Miró Carneiro tornou-se conhecido por militar na Psiquiatria Forense e atuar junto ao Tribunal de Justiça do Paraná. Além das atividades forenses, Levy Miró atuou também em consultório privado, até seu falecimento há poucos anos.

 

No interior do estado, desenvolveram-se importantes serviços de Psiquiatria, principalmente a partir de 1950. Até esta época, os internamentos psiquiátricos no Estado confluíam em direção à capital do estado. Com a paulatina criação de hospitais no interior, houve redução da pressão para internamento nos estabelecimentos de Curitiba.

Tradicional hospital psiquiátrico de Ponta Grossa, o Hospital Franco da Rocha foi fundado por Cândido de Mello Neto. Um dos pioneiros da Psiquiatria em nosso Estado, Dr. Cândido faleceu recentemente, em 25 de abril de 2000, deixando diversos trabalhos escritos e uma tradição no atendimento psiquiátrico em sua região.

Já no norte do estado, destaca-se na história da Psiquiatria nesta região o pioneirismo de Heber Soares Vargas. Fundador do primeiro hospital psiquiátrico da cidade de Londrina, Heber dedicou-se também a seu consultório privado. Seus dois filhos, Heber  e Sandra dedicam-se hoje à especialidade, participando ativamente da Disciplina de Psiquiatria do Curso de Medicina da Universidade Estadual de Londrina.  Ao mesmo tempo, esta cidade  foi recebendo outros profissionais da Psiquiatria, sendo hoje um importante centro psiquiátrico  do Estado.

Em outras cidades, como Maringá e Cascavel, a partir da década de 70,  desenvolveu-se a Psiquiatria com a criação de hospitais psiquiátricos regionais, os quais concentraram os internamentos de casos das regiões noroeste e oeste do Estado. Ao mesmo tempo, estes estabelecimentos serviram de ponto de atração para jovens psiquiatras à procura de trabalho na especialidade.

 

Concluindo, a Psiquiatria como especialidade médica relativamente nova, desenvolveu-se em direção a um aprimoramento científico cada vez mais evidente. Nos primórdios da especialidade no Paraná, os parcos conhecimentos científicos acerca do diagnóstico e tratamento dos principais transtornos mentais levaram à necessidade de centralizar o tratamento na custódia dos enfermos, no âmbito do hospital psiquiátrico tradicional, com características asilares. Na medida em que se desenvolveram novas formas de tratamento, principalmente com o advento da psicofarmacologia e a crescente inserção do paciente em sua família e sociedade, o internamento psiquiátrico tonou-se menos necessário, permitindo o atendimento preferencial em ambulatório e outras instituições extra-hospitalares.

Os pioneiros da Psiquiatria paranaense  inseriram-se neste contexto, procurando, da melhor maneira possível, isto é, com a tecnologia de que dispunham na época, dedicar-se a seus pacientes, sabendo, muitas vezes, que os resultados terapêuticos  poderiam ser pobres, mas, mesmo assim, sem abandoná-los à própria sorte. Com este espírito de luta, mantiveram as estruturas terapêuticas que serviram de base para o surgimento de novas instituições, já com as vantagens de aperfeiçoamento científico. O que fazemos hoje, devemos aos que nos antecederam.

 

                                                                  OSMAR RATZKE

                                                                       Julho 2000

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

1- LOUZÃ NETO, M.R., MOTTA, T., WANG, Y.P., ELKIS, H. – Psiquiatria Básica- Artes Médicas, Porto Alegre- 1995

 

2- MADRUGA, WANDERLEI S. – ATENDIMENTO PÚBLICO EM SAÚDE MENTAL NA CIDADE DE CURITIBA – Tese de Doutorado – Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP – Campinas – 1998

 

3- ALVES, ERNANI SIMAS – A PSIQUIATRIA NA FACULDADE DE MEDICINA DO PARANÁ – in: O Ensino da Medicina na UFPR –

 

4- SOARES, RICARDO L.- O ENSINO DE PSIQUIATRIA NO CURSO DE MEDICINA DA UFPR – Dissertação de Mestrado – Setor de Educação – Universidade Federal do Paraná – Curitiba – 1999

 

5- PILOTTO,  MÁRIO – O MÉDICO E O PSIQUIATRA ALÔ GUIMARÃES – in: ALÔ TICOULAT GUIMARÃES – Galeria Médica do Paraná – Ernani Simas Alves, Mário Pilotto (Org.) – Fundação Santos Lima – Curitiba- 1994

 

6- GUIMARÃES, LUIZ CLÁUDIO SURUGI – ALÔ: MELHOR PAI NÃO VAI EXISTIR ! – in: ALÔ TICOULAT GUIMARÃES – Galeria Médica do Paraná – Ernani Simas Alves, Mário Pilotto (Org.) – Fundação Santos Lima – Curitiba- 1994

 

7- ALVES, ERNANI SIMAS – ALÔ GUIMARÃES E A MEDICINA LEGAL – in: ALÔ TICOULAT GUIMARÃES – Galeria Médica do Paraná – Ernani Simas Alves, Mário Pilotto (Org.) – Fundação Santos Lima – Curitiba- 1994

 

8- GUIMARÃES, MANOEL ANTONIO – TRAÇOS BIOGRÁFICOS – in: ALÔ TICOULAT GUIMARÃES – Galeria Médica do Paraná – Ernani Simas Alves, Mário Pilotto (Org.) – Fundação Santos Lima – Curitiba- 1994

 

9- GUIMARÃES, ACIR MACEDO – ALÔ TICOULAT GUIMARÃES – Depoimentos da Família – In: ALÔ TICOULAT GUIMARÃES – Galeria Médica do Paraná – Ernani Simas Alves, Mário Pilotto (Org.) – Fundação Santos Lima – Curitiba- 1994

 

10- PILOTTO, MÁRIO – PROFESSOR JOSÉ SCHETTINI – O PSIQUIATRA – Editora LUD Ltda. – Curitiba – 1997

 

11- LINDOLFO RIBEIRO FERNANDES JÚNIOR (1987): A SECRETARIA DO ESTADO DA SAÚDE DO PARANÁ- SUAS ORIGENS E SUA EVOLUÇÃO NO PERÍODO DE 1853 – 1983. Centro de Desenvolvimento de Recursos Humanos – Fundação Caetano Munhoz da Rocha – Curitiba 1987

 

12- MEHL, NELLY M.- HERLEY, O PROFESSOR in: HERLEY MEHL, O HOMEM E O MÉDICO – Galeria Médica do Paraná – Eduardo Corrêa Lima, Nelly de Matos Mehl (Org.) – Fundação Santos Lima -EDUCA (PUC) – Curitiba – 1990

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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