Walmor João Piccinini

Introdução

Livro muito interessante escrito por um australiano, Phillip Knightley (The first Casualty) tinha uma mensagem muito clara,” numa guerra, a primeira vítima é a verdade”. A participação do Brasil na segunda guerra mundial é recheada de relatos que vão da fanfarra heroica até a acusação infame. Considerando este fato, gostaria de citar Pirandelo “assim é se lhe parece”. Vamos pinçar um assunto muito específico, a atuação do Posto Avançado de Neuropsiquiatria da FEB, na Itália com registros do capitão médico que o comandou. Examinando seu relato em livro e colhendo informações de vários autores, desde os francamente anti-FEB até os altamente elogiosos conseguimos ter uma ideia do que aconteceu.

A primeira observação é que a ação do psiquiatra sofreu marcada influência dos psiquiatras americanos que romperam a mentalidade asilar do antes da guerra, para uma psiquiatria ágil e decisiva na vida de muitos soldados. Mudanças na concepção de isolamento e uma nova ideia de atendimento e recuperação dos doentes. Muitos anos antes da introdução da Clorpromazina em 1952.

A psiquiatria brasileira de antes da guerra estava presa dentro dos grandes hospitais, com médicos que aprendiam observando os mais velhos, não havia nenhuma formação de profissionais o que veio acontecer somente em 1957 em Porto Alegre com David Zimmermann e Paulo Guedes. Antes deles a DINSAM se ocupava em dar cursos rápidos para psiquiatras. Ela foi criada em 1941 e seu trabalho era criar novos hospitais e dar alguma orientação aos existentes.

A entrada do Brasil na guerra aconteceu no final da mesma, apesar dos ataques de submarinos alemães na costa brasileira terem ocorrido e com a maior perda de vidas em 1942. Os americanos pressionavam o ditador Getúlio Vargas a se decidir. Alguns citam que a Companhia Siderúrgica Nacional teria sido barganhada em troca da entrada na guerra. Isto não parece ser verdade porque a CSN já tinha sido fundada anos ates. O motivo mais real teria sido o ataque de submarinos alemães na costa brasileira com muitas mortes a lamentar. O Brasil enviava suprimentos para os aliados em luta e havia grande presença americana no nordeste brasileiro. Poderíamos afirmar que havia uma ameaça por parte dos americanos de se estabelecerem por lá.

O que me parece importante a ser examinado é porque o Brasil enviou uma Força Expedicionária formada por conscritos das camadas mais inferiores da sociedade, analfabetos ou semianalfabetos, com problemas de saúde (verminose, desnutrição, problemas dentários, com fardas inadequadas, sem armas modernas e fadados ao fracasso. Seu comandante, General Mascarenhas de Moraes (1883-1968), que esteve contra o ditador em vários momentos (revolução de 1930 e na revolução constitucionalista de 1932 por ex.), parece ter sido escolhido a dedo para o fracasso. Felizmente tudo foi revertido, os brasileiros se saíram bem, apesar de muitas perdas e seu General voltou como herói e foi promovido a Marechal do Exército Brasileiro.

Linha do Tempo do envolvimento do Brasil na Guerra (IIWW) de William Waak em seu livro “As Duas Faces da Guerra”.

17/06/1942. Hitler ordena ataque contra linhas de navegação na costa brasileira, adiado para 29/06 depois de parecer contrário do Ministério das Relações exteriores alemão.

18/08/1942. Submarino alemão torpedeia navios brasileiros na costa de Sergipe, mais de seiscentos mortos.

22/08/1942. O Brasil declara guerra à Alemanha e a Itália

23/01/1943 Criação oficial da Força Expedicionária Brasileira.

31/01/1943 Getúlio Vargas declara que forças brasileiras serão treinadas para operar fora do Hemisfério.

2/07/1944 Embarque do primeiro escalão da FEB. Chegada em Nápoles em 16/07/1944.

13/09/1944. Primeira operação de combate brasileira: substituição de contingentes americanos na linha Massaciuccoli-Filetole-Vecchiano.

18/091944. Sem resistência, FEB toma Camaiore. Dez dias depois zona de operação da FEB muda para o vale do rio Serchio.

31/10/1944 primeiro revés brasileiro em Braga.

29/01/1944. Desastre no primeiro ataque ao Monte Castelo. 190 mortos.

12/12/1944. Segundo ataque com grandes perdas brasileiras. 140 mortos.

21/02/1945.Tropas brasileiras tomam Monte Castelo.

29/04/1945 Capitulação da 148ª_ID perante a FEB Supremo comandante alemão na Itália assina a capitulação.

7/05/1945. Alemanha capitula incondicionalmente.

 

Posto Avançado de Neuropsiquiatria

Pesquisando sobre as transformações sofridas pela prática psiquiátrica a partir da participação de muitos psiquiatras americanos e europeus no atendimento de soldados mentalmente afetados pela guerra que será assunto para outra publicação, descobri graças a uma tese de doutorado em história na UFRJ (“O Posto Avançado de Neuropsiquiatria da FEB”. A atuação do Estado brasileiro através da Clínica Médico-Psiquiátrica na Força Expedicionária Brasileira (1943 –1945). De Kleber Figueiredo Gonçalves Koeller UFRJ/IFCS/Departamento de História Bacharelado em História) (http://www.portalfeb.com.br/o-posto-avancado-de-neuro-psiquiatria-da-feb/), a descrição do trabalho do Dr. Mirandolino Caldas na frente deste Posto Avançado.

Pesquisando no IBBP (Índice Bibliográfico Brasileiro de Psiquiatria, de minha autoria, encontramos 15 artigos publicados pelo Dr. Mirandolino Caldas em vários periódicos médicos no período de 1929 a 1943 e um único depois da guerra em 1949. Seu relato sobre o Posto Avançado de Neuropsiquiatria da Força Expedicionária Brasileira foi relatado em livro e serviu de base ao trabalho de tese de Kleber Koeller.

Devemos ressaltar que Mirandolino Caldas foi coeditor dos Archivos Brasileiros de Hygiene Mental a partir de 1930 (http://old.ppi.uem.br/gephe/ABHM/ABHMAno3N1Jan1930.pdf). Antes disto trabalhou como Secretário Geral da Liga. Já fizemos referência à iniciativa de Gustavo Riedel na fundação da Liga e o modelo proposto por Clifford Beers na sua atuação. Voltaremos a este assunto e outra ocasião. O que registramos que Mirandolino Caldas conviveu com Juliano Moreira e outros grandes nomes da psiquiatria brasileira da época.

Outros livros publicados sobre a experiência de guerra brasileira servem de indicativos para algumas observações sobre esta experiência, algumas lisonjeiras outras nem tanto. Meu objetivo não é julgar as pessoas envolvidas, mas extrair alguns dados que possam ser pertinentes ao exame da participação de um psiquiatra na frente de batalha. Além do livro do Dr. Mirandolino, da tese do Professor Kleber Koeller, de relatos de ex-pracinhas, de crônicas de Rubens Braga, o livro do jornalista William Waack foi especialmente esclarecedor, Waack realizou extensa pesquisa com os outros atores desta experiência brasileira, coletou depoimentos de americanos e alemães diretamente envolvidos na história.

Disto tudo cheguei a algumas conclusões que até podem estar completamente erradas visto terem origem na interpretação de fatos baseado em relatos de terceiros.

A primeira conclusão é que a participação brasileira na guerra era para ser mais política do que efetiva. Isso explicaria o mau preparo da tropa enviada e seu aprendizado forçado debaixo de fogo inimigo. Nem os oficiais, nem os soldados estavam conscientes do que iriam enfrentar e, dentro das circunstâncias conseguiram se sair bem. Com perdas de vidas e mutilações muito além do razoável. A FAB teve uma atuação destacada desde o início.

A escolha do General e depois Marechal Mascarenhas de Moraes também indicaria uma artimanha do ditador Getúlio Vargas. Mascarenhas era um desafeto de Vargas que, inclusive na Revolução de 30 ficou do lado do governo e na constitucionalista de 1932 ficou do lado dos paulistas. Se houvesse fracasso, se debitaria o mesmo ao General Mascarenhas. Suposições minhas é claro. Outros militares de destaque foram Osvaldo Cordeiro de Farias (1901-1981), Euclides Zenóbio da Costa (1893-1962), Floriano de Lima Brayner (1897-1983) e Humberto de Alencar Castelo Branco (1897-1967). (Todos terminaram como Marechais do Exército Brasileiro). Outra interpretação é que por ser Comandante no Nordeste, com grandes ligações com os americanos, recebesse a indicação deles.

O Brasil dos anos 1940s vivia uma ditadura civil chefiada por Getúlio Vargas. A expectativa de vida era de aproximadamente 45,9 anos. Seu exército era de cerca de 90 mil homens. “Um país rural, os soldados eram na maioria pobres, analfabetos e semialfabetizados, sem armamentos, meio de transporte, treinamento, logística, engenharia. De fato, sem estruturas para organizar um corpo militar que iria lutar com o até então, melhor e mais bem preparado exército do mundo”. (Tenho um exemplo caseiro, alguns recrutadores estiveram na região de Encantado e Roca Sales no Rio Grande do Sul convocando homens para a guerra. Fizeram teste de tiro e os melhores foram levados para Sant Maria – RS. Entre eles meu pai que estava com 23 ou 24 anos. Junto com os demais “colonos” ficou aguardando ser transportado para a Itália. Na última hora veio uma ordem, quem fosse casado e tivesse filhos deveria ser dispensado. Como eu já tinha nascido, salvei meu pai e ir para a guerra). Lendas familiares, às vezes não passam de lenda, mas este fato me foi relatado várias vezes).

Uma versão não tão romântica das tropas brasileiras conta que os soldados chegaram na Itália em tão más condições de nutrição e saúde que foi organizado um mutirão pelo exército americano para cuidar dos dentes, eliminar verminoses, tratar adenoides e ensinar o básico no cuidado com as armas e de higiene pessoal. São inúmeros relatos de queixas que os brasileiros não sabiam utilizar latrinas, faziam as necessidades onde lhes aprouvesse e seu descaso com normas de higiene eram terríveis. A isto se acrescentaria que seus fardamentos eram inadequados para o clima, rasgavam com facilidade. Como seria transformar este pessoal numa força de guerra efetiva?

Uma coisa que os brasileiros demonstraram foi uma grande coragem e que não se intimidaram diante do desafio e seu aprendizado foi doloroso com muitas perdas de vidas e mutilações. “Um dado deve ficar claro: estes homens comuns são, na nossa história contemporânea, os únicos heróis, muitos ainda vivos, que o Brasil possuiu e sempre possuirá em sua história”.  (Koeller)

 

No meio disto tudo tivemos o Posto Avançado de Neuropsiquiatria, idealizado e administrado pelo Capitão Médico Mirandolino Caldas. (Era Capitão Médico da Reserva do Exército Brasileiro convocado por portaria em 7-7-1944). Em 21 de agosto de 1944 apresentou-se à Chefia do Serviço de Saúde da FEB.

“Com a incumbência de estruturar e chefiar o Órgão que veio, depois, a chamar-se Posto Avançado de Neuropsiquiatria, tudo fizemos para que esse Posto cumprisse com a sua dupla missão de velar pelo moral da nossa tropa e de recuperar, com rapidez, os soldados chamados neuro-mentais para as novas investidas contra o inimigo.”

O Marechal Mascarenhas de Morais, na página 127 do seu livro – A FEB pelo Seu Comandante, escreve, a esse respeito, a seguinte nota:

“O Posto Avançado de Neuropsiquiatria, órgão básico para tratamento e recuperação rápida dos neuróticos, muita das vezes foi antena captadora das causas que buscavam deprimir o moral de nossa Unidade combatente”. (MC)

“O Posto Avançado de Neuropsiquiatria teve uma relação direta no processo de admissão, tratamento e definição daqueles homens que tiveram distúrbios psicológicos durante a guerra. Como atribuições técnicas o PANP deveria cumprir às seguintes metas:

“a) o recebimento dos indisponíveis psiconeuróticos das unidades, através de triagem procedida pelo posto de Tratamento da divisão;

  1. b) observação e tratamento precoce;
  2. c) recuperação a muito curto prazo (até 5 dias);
  3. d) possibilidade de reter em até 10 dias, em situações especiais;
  4. e) evacuação para Seção Brasileira de Hospitalização anexa ao Hospital de Evacuação” (Mirandolino Caldas).

 

Neste período da história a psiquiatria habitava macro hospitais, seus médicos não tinham experiência de atendimento fora dos muros hospitalares. O diagnóstico era precário, no caso dos americanos de base psicanalítica. O Exército americano, alarmado com o número de conscritos afastados por diagnósticos psiquiátricos exigiu critérios mais objetivos e daí surgiu um sistema classificatório que deu origem ao atual DSM. Os americanos passaram a estabelecer hospitais de campanha, o atendimento era imediato na linha de frente e os psiquiatras começaram a aprender que a doença mental tinha cura e quanto mais rapidamente o paciente fosse devolvido para sua unidade de combate, mais efetiva era sua recuperação. Tudo indica que o Dr. Mirandolino Caldas teve orientação e seguiu normas dos seus colegas americanos. (Observações minhas)

“Para entendermos as consequências que a guerra trouxe para aqueles que efetivamente participaram dela, é necessário lembrar que a maioria dos expedicionários foi recrutada no meio civil, nas classes mais empobrecidas e de menor escolaridade. Foram tirados de seus empregos, das escolas, de suas famílias, treinados de forma precária e embarcados para a guerra” (MC)

“Grande parte dos soldados não era voluntário e o nível de analfabetismo era ainda alto. Isso se refletia na baixa preparação técnica dos quadros subalternos e na condução deficiente dos equipamentos de bordo, aumentando a “rate” de avarias, algumas, mesmo graves. A necessidade de contratar civis e estrangeiros para o guarnecimento das máquinas exacerbou ainda mais essa situação. O nível dos oficiais era melhor, pois a maioria provinha das classes mais abastadas da sociedade, no entanto, a velocidade das mudanças tecnológicas provocadas pela guerra tornou os conhecimentos dos oficiais desatualizados. Para complicar ainda mais essa situação desfavorável, os claros nos efetivos eram consideráveis, já que o Governo ou por falta de recursos financeiros ou por falta de interesse político mantinha os efetivos abaixo do estipulado por Lei.” (HK).  Dos acidentes mais comuns era o “tiro no pé” por mau manejo do fuzil ou até quem sabe deliberado. O fato que a expressão é muito utilizada nos tempos atuais para indicar alguém que faz coisas que o prejudicam.

Mirandolino Caldas segue nas suas observações: “Cerca de 50% dos soldados e convocados que examinei não me souberam responder se o Brasil tinha, ou não, motivos para tomar parte nesta guerra. Muitos me disseram que, se o governo declarou guerra é porque havia razão, mas não sabiam qual era essa razão. Ora, uma tropa que vai para o campo de batalha sem saber porque, não pode ter o necessário élan para vencer as fraquezas do instinto de conservação. Quem não tem diante de si um motivo superior que justifique um sacrifício que pode acarretar a perda de sua própria vida, não terá também a menor disposição para suportar as asperezas do combate, numa guerra de extermínio.”·[MC]

“Lançados sem treinamento e sem preparo numa guerra cujo sentido e alcance muitos deles nunca entenderam” (MC). Estas citações são fundamentais para percebermos que estudamos homens comuns que tiveram suas vidas transformadas por um conflito em que o Brasil era ator secundário.

A origem do Posto Avançado de Neuropsiquiatria seguiu o modelo de assistência psicológica americano. Ainda que o Brasil fizesse parte do IVº Corpo do Vº Exército americano e, devido a isso, ter recebido a infraestrutura necessária para os dispêndios da guerra como armamento, alimentação, vestimenta e hospitalização, este último subsídio, a hospitalização, funcionava de maneira eficiente apenas aos homens feridos fisicamente. E por que? Mesmo com todas as críticas americanas aos soldados e oficiais brasileiros, o corpo humano é o mesmo, independentemente de ser brasileiro, americano ou alemão, sendo assim, os atendimentos médicos aos feridos não precisavam do idioma para serem efetuados. Bastava o médico diagnosticar o ferimento e providenciar o tratamento. Porém, quando o ferimento não era físico e sim mental, o melhor médico americano não teria sucesso com o soldado brasileiro devido as dificuldades da língua. Sem mencionar que a maioria dos soldados brasileiros era composta por analfabetos e semianalfabetos. Como um tratamento psicológico seria feito nestas condições? Como, com idiomas diferentes, médicos americanos tratariam brasileiros que entendiam mal o português devido sua ignorância?

Em forma de exemplo, a FEB teve, além do Posto Avançado de Neuropsiquiatria, um outro serviço que auxiliava contra os abalos psicológicos gerados pela guerra. Este serviço chamava-se Serviço Especial. Este órgão tinha como função permitir aos febianos momentos de relaxamento em meio à guerra. Viagens, apresentações de filmes, teatro, música, banhos em locais adequados, divertimentos que buscavam fazer o militar aliviar suas tensões em função das ações de guerra. Contudo, o despreparo e a desorganização fizeram com que a maioria dos militares não dispusessem de tais serviços. Um exemplo pode ser o fato dos responsáveis pelos filmes terem levado filmes em películas com uma determinada medida e não terem levado o projetor correspondente para tal filme, não podendo utilizar o projetor americano devido as diferenças de especificações da máquina, o resultado foi, por diversas vezes, os brasileiros terem que assistir filmes em inglês olhando apenas as imagens por não compreenderem a língua. “O Serviço Especial (…), tem se ressentido da falta de material de toda a ordem que não lhe foi fornecida pelo Ministério da Guerra. A falta mais grave, porém, foi a de meios de transporte que tem impossibilitado a execução de sérias tarefas (HK)”.

“Conforme nos referimos, o aspecto mais paradoxal da história da FEB é que essa tropa acabou por desempenhar bem suas tarefas de campanha na Itália, a despeito de inúmeras falhas no processo de mobilização, recrutamento, seleção médica, treinamento e comando no campo de batalha, para não mencionar os erros de comando. Contudo, parece haver um razoável consenso de que a FEB desempenhou a contendo as suas missões no teatro de operações da FEB, na Segunda Guerra Mundial….”

Associando o artigo do Prof. Dennison ao livro do Cap. Mirandolino Caldas, já em sua segunda parte, podemos relacionar as propostas do Capitão Mirandolino para um bom andamento do moral e do psicológico da tropa brasileira no decorrer do conflito. Sua proposta real para organização médico-psiquiatra, em tese, não se resumia ao P.A.N.P, mas sim, ao que Cap. Médico chamou de “O Serviço Avançado de Medicina Psicológica”. Este serviço contaria com as seguintes divisões: o Posto Avançado de Neuropsiquiatria, como órgão básico para o tratamento intensivo e precoce, para uma recuperação rápida dos neuróticos de guerra. Posteriormente se estabeleceria o “Campo de treino e reabilitação”, em que o nome já suscita sua função de permitir aos homens que sofreram distúrbio neurológicos um local próprio para sua reabilitação. O Cap. Mirandolino estava certo que enviar um neurótico, por exemplo, com fobia a metralhadora para um hospital de guerra seria permitir que os medos daquele homem continuassem, uma vez que neste hospital ele iria assistir a diversos homens feridos, mutilados pela arma que o abalou psicologicamente. Seria um forte empecilho na recuperação daquele militar. No que se refere a reabilitação, seria necessário um local para que o doente pudesse ter contato com o artifício que o tirou de combate, em doses terapêuticas. O exemplo de fobia a metralhadora se encaixa nesta questão. A ideia de um campo de reabilitação teria como objetivo permitir que aquele sujeito amedrontado pela metralhadora pudesse ter um contato prévio com ela, seus ruídos e suas potencialidades, ao invés de voltar a ouvi-la já no campo de batalha, podendo acirrar suas neuroses.

Continuando com o Serviço Avançado de Medicina Psicológica, o Cap. Mirandolino buscava do Estado o fornecimento de um repousário para os doentes. Este repousário seria mais uma ação preventiva com as seguintes caraterísticas: servir de posto de observação dos suspeitos de neuroses de guerra uma vez que não seria interessante enviar para o mesmo local homens que não apresentassem de fato sintomas de neuroses para ficarem junto de homens com casos de neuroses já confirmadas. Além dessa função, o repousário também serviria para fortalecer os estafados e enfraquecidos e também como centro de higiene mental, mantendo um trabalho de prevenção a priori e a posteriori dos casos de neuroses de guerra. (HK)

 

Porém, quando falamos em “neuroses de guerra” a única informação encontrada é um número 631 que representa uma disfunção chamada “Neurose de Guerra”. Por que não ser relatado no prontuário médico o motivo que conduziu ou que gerou tal disfunção no paciente? Uma granada alemã ou uma metralhadora MG-42 causaram diversos ferimentos psicológicos nos militares brasileiros não porque eles não tiveram contato com tais armas, mas porque o treinamento destes militares foi feito com armamentos obsoletos para sua época causando um estranhamento tal a ponto de produzir um desajustado mental no interior da tropa devido ao medo provocado pelo desconhecimento destes armamentos. A falta de relatos específicos nos prontuários médicos dos acometidos por Neuroses de Guerra podem, no eixo que este trabalho se estruturou, representar a tentativa do Exército brasileiro em transferir sua culpa, enquanto gestor ineficiente da Força Expedicionária Brasileira, para os homens retirados do cafezais, seringais e roças do Brasil.

Pensar uma tropa mal treinada, mal organizada e mal administrada remete uma séria de dúvidas acerca de seus sucessos e insucessos no campo de batalha. As fontes carregam uma série de contradições sobre as intenções do comando deste exército e de seus executores, especificamente o Cap. Médico Mirandolino Caldas que foi o mentor, organizador e responsável pelo setor onde seriam tratados os homens vencidos mentalmente pela guerra. Estabelecer uma relação entre falhas e consequências deste comando, das ações de guerra e dos resultados negativos identificados nos militares acometidos por distúrbios neurológicos é um trabalho complicado. Uma neurose de guerra identificada em um soldado ou oficial pode representar muito mais que uma simples fragilidade pessoal de um determinado indivíduo. Ela pode representar, além do despreparo psicológico de um soldado diante da maior atrocidade que o homem já pode criar, a 2ª guerra Mundial, a falta de comando e organização do comando militar que conduziu os febianos até à Itália; a falta de capacidade do Brasil em montar um corpo expedicionário capaz de enfrentar a realidade da guerra na Europa e todas as suas consequências; representar a busca pelo comando do exército em negar suas falhas transferindo a culpa para os “desajustados sociais”[que “conseguiram facilmente” passar pelas comissões selecionadoras.

O inimigo brasileiro na Segunda Guerra Mundial talvez não tenha sido apenas os alemães, mas, os próprios brasileiros. 

Casos atendidos

QUADRO 2 – ENTRADA DE COMBATENTES NOS POSTOS DE ATENDIMENTO PSIQUIÁTRICO BRASILEIROS POR DIAGNÓSTICO SEGUNDO O PANP:

Estado de ansiedade (102) Histeria (ataques) (33) Histeria (estupor emotivo)3 3

Histeria (paralisia) (2) Histeria (alucinações oníricas) (2) Histeria (surdo-mudez) (1)

Histeria (amaurosis) (1) Órgano-neurose (30) Fobia de obuses (33) Fobia do front (20)

Fobia de metralhadora (8)   Fobia de tiros (4)    Personalidade psicopática (11)

Neurastenia emotiva (7)   Esquizofrenia (5)   Esquizomania (1)   Estado maníaco (1)

Depressão melancólica (3) Exaustão (11) Alcoolismo (8) Epilepsia (4)

Deficiência mental (5) Deficiência mental-inversão sexual (1)

Sentimento de inferioridade (3)    Concussão cerebral (2)   Confusão mental (3)

Síndrome paranoide (3)   Gagueira emotiva (2)   Nevralgia facial (1)

Câimbra profissional (1) Síndrome parkinsonoide (1)

Simulação de ataques epilépticos (20) Simulação de psicose (5) Simulação de amnésia (1)

Simulação de tuberculose (1)   Simulação de insônia (1) Não diagnosticado (5)

Fonte: CALDAS,1950. p. 75

 

 “O Posto Avançado de Neuropsiquiatria da FEB”. A atuação do Estado brasileiro através da Clínica Médico-Psiquiátrica na Força Expedicionária Brasileira (1943 –1945). Kleber Figueiredo Gonçalves Koeller: UFRJ/IFCS/Departamento de História Bacharelado em História

Anexo 1.

 

QUADRO 1 – NÚMERO DE PACIENTES ENTRADOS NO POSTO AVANÇADO DE NEURO-PSIQUIATRIA (PANP) DE SETEMBRO DE 1944 A MAIO DE 1945

 

mês/ano                    1ª admissão             readmissão               total

setembro de 1944           18                              0                         18

outubro de 1944              11                              1                         12

novembro de 1944          40                              2                         42

dezembro de 1944          68                              3                         71

janeiro de 1945               58                              2                         60

fevereiro de 1945            58                              4                         62

março de 1945                61                             15                        76

abril de 1945                   34                               7                        41

maio de 1945                   2                                0                          2

SOMA                   350                     34               384

 

Fonte: CALDAS,1950. p.57

CALDAS, Mirandolino. O Posto Avançado de Neuro-Psiquiatria.2ª ed. Rio de Janeiro, 1950.

WAACK, William. As Duas Faces da Glória: a FEB vista pelos seus aliados e inimigos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. (Pode ser conseguido na amazon.com.br por R$ 13,00- ebook)

[Citado por Koeller] Feridos em ação de combate: 1.577 homens; Acidentados (dos quais 487 em ação de combate): 1.145 homens; Total: 2.722 homens. MORAES, J. B. Mascarenhas de. A FEB pelo seu comandante. Rio de Janeiro: Impressa no Estabelecimento General Gustavo Cordeiro de Farias, 1960, 2ª edição.

Leia-se: General Eurico Gaspar Dutra, Ministro da Guerra e organizador da FEB, General de Divisão João Batista Mascarenhas de Morais, General de Brigada Euclydes Zenóbio da Costa, General de Brigada Oswaldo Cordeiro de Farias, General Dr. João Afonso de Souza Ferreira, Coronel Médico Dr. Emanuel Marques Porto, Capitão Méd. Mirandolino Caldas

http://old.ppi.uem.br/gephe/ABHM/ABHMAno3N3Mar1930.pdf  A Higiene Mental no Brasil

Resumo da participação segundo o Wikipédia

Detalhes históricos

1 submarinos alemães e dois italianos foram responsáveis pelo afundamento de trinta e seis navios mercantes brasileiros, causando mil, seiscentos e noventa e um (1691) náufragos e mil e setenta e quatro mortes (1074). Este foi o principal motivo que conduziu à declaração de guerra do Brasil à Alemanha e Itália.[53]

  • A FEB permaneceu ininterruptamente duzentos e trinta e nove dias em combate. Como exemplo de comparação, das quarenta e quatro divisões americanas que combateram nos teatros de operações do norte da África e Europa (frentes italiana e ocidental) entre novembro de 1942 e maio de 1945, apenas doze estiveram ininterruptamente mais dias em combate que a divisão brasileira.[42]
  • Apesar do latente racismo de parte do alto oficialato da FEB[16][31] e da própria doutrina de então do exército brasileiro referente à formação de oficiais[54], a mesma era ao final de 1944 a única força miscigenada não oficialmente segregacionista entre as tropas aliadas combatentes na Europa.
  • A Divisão brasileira lutou contra nove divisões alemãs e três italianas, tendo perdido em ação, além de quatrocentos e cinquenta e quatro mortos, dois mil e sessenta e quatro feridos, e trinta e cinco homens aprisionados.
  • As principais vitórias da FEB tiveram lugar em Massarosa, Camaiore, Monte Prano, Gallicano, Barga, Monte Castello, Torre de Nerone, Castelnuovo, Soprassasso, Montese, Paravento, Zocca, Marano sul Panaro, Collecchio e Fornovo di Taro. Ao longo de toda sua campanha aprisionou 2 generais, 493 oficiais e 19.679 soldados inimigos, tendo sido a maior parte dos prisioneiros (14.779) capturada em Fornovo.
  • Devido ao forte sexismo presente na sociedade brasileira da época, a participação de mulheres na FEB não era vista com bons olhos pelas autoridades, sendo desencorajada oficial e extra-oficialmente até mesmo na retaguarda em setores essenciais como enfermaria, sendo que nesta houve tentativa de boicote não apenas masculino, por parte de médicos militares brasileiros, mas inclusive de mulheres que se encontravam em posição de influência na política nacional[55].
  • Antes da rendição das forças alemãs ser oficializada a 2 de maio de 1945, a 148ª divisão foi a única divisão alemã capturada integralmente, incluindo seu comando, por uma força aliada (no caso, a 1ª Divisão Brasileira) durante toda a campanha da Itália. Pois desde a invasão da Sicília em julho de 1943 até a ofensiva na primavera de 1945, todas as demais divisões alemãs, independente das perdas sofridas, conseguiram se retirar ao norte sem se renderem[56].
  • Durante a tomada de Montese houve uma homenagem singular prestada a três soldados brasileiros que, em missão de patrulha, ao se depararem com toda uma companhia do exército alemão, tendo recebido ordem para se renderem, se recusaram e morreram lutando. Como reconhecimento à bravura e à coragem daqueles soldados, pela forma como combateram, os alemães os teriam enterrado em covas rasas e, junto às sepulturas colocado uma cruz com a inscrição “drei brasilianischen helden” (três heróis brasileiros). Eram eles – Arlindo Lúcio da Silva, Geraldo Baeta da Cruz e Geraldo Rodrigues de Souza [57][58]-, existe hoje no pátio de formatura do batalhão a qual pertenciam um monumento que os reverencia.
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