Julho de 2013 - Vol.18 - Nº 7 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Julho de 2013 - Vol.18 - Nº 7 Artigo do mês
HISTÓRICO DOS ANTIDEPRESSIVOS, NOVOS COMPOSTOS E PRECAUÇÕES - PARTE 3 (final)*
Carlos Alberto Crespo de Souza ** 1. Introdução No artigo anterior, publicado na POLB de
junho/2013 e dando seguimento ao tema proposto, foram abordados assuntos
relacionados ao lançamento de outros agentes antidepressivos, de mostrar a
influência do DSM-III sobre os diagnósticos, novos receptores, a questão
placebo, a retirada de fármacos sem notificação aos médicos e interações
medicamentosas ou com substâncias. 1 A presente comunicação dará
continuidade aos objetivos do tema procurando alertar – de forma mais
específica – sobre as precauções concernentes ao uso de antidepressivos já
existentes no mercado e outros que ainda virão ou que estejam programados a
serem lançados. Além disso, o artigo preocupou-se em registrar o significado da
depressão na clínica médica, seu impacto nas doenças, tanto
como promotora tanto quanto como decorrência. Com o preenchimento desses
pressupostos, encerra-se, aqui, essa temática, esperando ter contribuído à
divulgação atualizada para seu conhecimento.
2.
Precauções. Mesmo que a aceitação de uso por parte dos pacientes seja maior em
tratamentos prolongados com os ISRS e ISRN em relação aos ADTs, isso não quer
dizer que sejam inócuos ou que não promovam efeitos colaterais de importância.
Entre os seus paraefeitos, hoje mais conhecidos ou frequentes, estão incluídas
as náuseas, disfunção sexual, aumento da ansiedade nos primeiros dias de uso,
alterações no sono e no metabolismo, com incremento do apetite e consequente
aumento de peso. 2,3 Além desses paraefeitos mais
evidentes, outros efeitos adversos cada vez mais são constatados no uso
clínico, com repercussões cognitivas, notadamente pelo aumento do risco de
comprometimento do desempenho dos pacientes na realização das atividades
diárias. 4 Recentes pesquisas também
apontam – embora ainda não devidamente confirmadas de maneira mais ampla – que
o consumo em longo prazo dos antidepressivos ISRS e ISRN pode promover aumento
da gordura abdominal e consequente possibilidade de surgimento do diabetes, 5,6
piorar a tendência à osteoporose, 7,8 especialmente em mulheres e
idosos, promover sangramento gastrointestinal alto quando usados com antiinflamatórios
não-esteróides e atenuada com emprego de agentes ácido-inibidores, 9 aumento
do risco de morte súbita, acidentes vasculares hemorrágicos em mulheres depois
da menopausa 10 e problemas aos recém-nascidos em mães que fizeram o
uso de antidepressivos durante a gravidez, incluindo defeitos septais cardíacos,
11,12 situações clínicas que necessitam da atenção dos médicos por
ocasião de sua prescrição e consequente monitoramento sobre sua evolução. Constatações
preocupantes, anunciadas há pouco pela Food and Drug Administration (FDA) dos
Estados Unidos, alertam para o uso de compostos da varenicline (Champix, Pfizer), aprovada em 2006, e a bupropiona (Zyban,
GlaxoSmithKline; Zetron, Libbs;
Wellbutrin, Glaxo SmithKline; Bup, Eurofarma) aprovada
em 1997, em pacientes que desejam abandonar o vício do cigarro de nicotina.
Segundo dados clínicos bem comprovados, pacientes nessas condições, sem nunca
terem apresentado manifestações psicopatológicas, podem desenvolver sérios
eventos em sua saúde mental, com sintomas que incluem alterações no comportamento,
hostilidade, agitação, humor depressivo, ideação e tentativas de suicídio. De
acordo com os registros, fica bem delineado que essas mudanças comportamentais
não fazem parte dos fenômenos de abstinência da nicotina. 13 De
acordo com levantamento realizado sobre essas substâncias desde sua aprovação,
a varenicline esteve associada com 98 suicídios e 188 tentativas. Por seu
turno, a bupropiona foi associada a 14 suicídios e 17 tentativas. Ibid Estas evidências clínicas estão a mostrar a
cautela que médicos de uma forma geral devem tomar quando prescrevem esses
compostos aos dependentes de nicotina/fumo. É
importante assinalar que doses subclínicas, eventualmente prescritas por
clínicos, não atingem os objetivos propostos na suspeita de comprometimento
depressivo em queixas somáticas. Embora essas doses possam minimizar os efeitos
adversos, elas não são capazes de promover reversão dos sintomas depressivos. Poderosas situações vivenciadas pela
atividade prática psiquiátrica promoveram também mudanças importantes. A
interconsulta psiquiátrica envolveu-se com a clínica médica de um modo geral em
enfermarias de hospitais gerais. Como resultado, foi percebido que um número significativo
de pacientes hospitalizados sofria de depressão e de ansiedade resultantes de
suas situações clínicas. Assim, o horizonte da psiquiatria extrapolou seus
muros, antes apenas envolvido com os pacientes da especialidade. De igual forma, inúmeros relatos de
pesquisas identificaram que a depressão nos últimos anos aparecia de forma
frequente em consultas ambulatoriais de quaisquer especialidades. Como esses
pacientes já fazem uso de medicações pertinentes aos seus quadros clínicos, o
emprego de antidepressivos concomitante pode determinar interações
medicamentosas danosas ou prejudiciais a eles. Em razão desse fato, faz-se
necessário escolher qual o antidepressivo mais adequado a ser administrado para
cada tipo de patologia coexistente em determinado paciente. 14,15 Tão
expressiva foi essa constatação que a depressão passou a ser considerada pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma das mais prevalentes em termos de
morbidade e mortalidade. Como essa organização mundial passou a entender a
qualidade de vida como um dos pressupostos essenciais na existência humana,
também essa patologia granjeou patamares elevados em razão de seus efeitos
incapacitantes. 16 As estatísticas sobre a depressão impressionam:
os dados da OMS (2005) apontam que em torno de 121 milhões de pessoas no mundo
padecem desse transtorno. De acordo com a Federação Mundial da Saúde, de 2006,
as cifras alcançam o número de 340 milhões. Só no
Brasil 17 milhões de pessoas têm depressão, sendo as mulheres as mais atingidas.
17 A
incidência de depressão concomitante com doenças clínicas varia entre 10 a 40%.
Pacientes com transtornos depressivos, comparados com a população em geral, com
maior frequência padecem de transtornos cardiovasculares e cerebrovasculares,
diabetes, síndrome do intestino irritável e alguns tipos de tumores. 18
Por exemplo, a insuficiência cardíaca (IC), uma síndrome que cursa com alta
morbidade e mortalidade, sofre influência elevada da
depressão, um marcador de quadros mais intensos dessa síndrome e um preditor de
rehospitalização. De acordo com dados existentes, o paciente que é tratado para a depressão apresenta maior sobrevida e
adere mais ao tratamento da IC. 19 Por
outro lado, os paraefeitos das medicações psiquiátricas podem aparecer sob
formas muito semelhantes àquelas que se evidenciam como doenças físicas. Os
paraefeitos que surgem durante o tratamento de transtornos depressivos, por
exemplo, manifestações cardiovasculares, gastrointestinais e dos movimentos
podem provocar certos problemas diagnósticos no tocante a sua origem (doença
somática ou efeitos adversos). 18
A depressão está constantemente
associada a situações de risco à saúde ou ameaças ao ser (viver), como por
ocasião do diagnóstico de um câncer ou de SIDA, assim como em outras situações
nas quais essas ameaças à integridade estejam presentes. 20,21,22 O sentimento de vulnerabilidade surge de
maneira insidiosa, os questionamentos sobre a própria existência, seu lugar na
sociedade e no seio familiar promovem ideações devastadoras que são capazes de
desorganizar o mundo das pessoas comprometidas. Com frequência, “os pacientes na fase pré-diagnóstica
enfrentam temores de dor, desfiguramento, isolamento e morte (...). A fase de
tratamento é permeada de dor cirúrgica, morte ou perda de controle e
vulnerabilidade, além de luto por perdas parciais como seio, útero, braço,
queda de cabelo (...). Há temores de abandono, da perda da dignidade corporal,
da dor e das expectativas de vida não
realizadas”. 20 Outro dado a ser considerado, de
forma a mostrar a grandeza do que é aqui exposto, diz respeito ao fato de que
os medicamentos antidepressivos passaram a ser empregados pelos psiquiatras, de
forma preponderante, nos distúrbios de ansiedade, o que evidencia o relevo e a
importância do conhecimento de seus efeitos e paraefeitos. Os dois sintomas
mais comuns na prática psiquiátrica clínica – a
depressão e a ansiedade – recebem hoje o mesmo tratamento medicamentoso, depois
de anos da prevalência de compostos benzodiazepínicos (antes chamados de
ansiolíticos) para o tratamento da ansiedade. 23,24,25 Á guisa de questionamento é
necessário que se assinale um alerta importante: caso os antidepressivos atuais
fossem realmente destinados a interagir com receptores específicos determinantes
dos quadros depressivos, por qual razão eles agem igualmente nos transtornos de
ansiedade? O conceito de comorbidade reabre o velho dilema entre ansiedade e
depressão, sem explicá-lo sob um ponto de vista psicopatológico. Com isso, as
classificações diagnósticas mais recentes ficam abaladas em seus critérios, os
mesmos que favoreceram o surgimento de substâncias “específicas” de tratamento.
Verifica-se, portanto, que aquilo
que chamamos de “antidepressivos” na verdade são substâncias que possuem
atuação mais ampla, bem além dos receptores ou sistemas hoje propalados. Conhecendo
a história de seu lançamento, através da imipramina em 1956, percebe-se
como esses medicamentos já ultrapassaram o limite de uma teoria que os
fundamentou. Agora, passados mais de cinquenta anos, novamente se mostram
clinicamente mais producentes, vencendo novas barreiras entendidas por nós
psiquiatras como verdades bem estabelecidas. É bem possível que, daqui a alguns anos, assim
como ocorreu com os “ansiolíticos”, essas substâncias venham a ser chamadas por
outros nomes, dado a limitação ou impropriedade atual de sua denominação. A especificidade propalada deve ser colocada
em cheque de maneira que médicos clínicos consigam perceber sua dimensão, não
caindo no lugar comum de aceitar simplesmente aquilo que é
divulgado pela mídia farmacêutica e reforçada pelas classificações
psiquiátricas atuais. Outra constatação verificada pela
pesquisa é que os psiquiatras passaram a prescrever, com frequência, mais de um
tipo de antidepressivo para uma mesma pessoa, sem a devida avaliação ou
conhecimento sobre sua interação. A síndrome serotoninérgica resultante tem
promovido efeitos tóxicos significativos. 26,27,28,29
No ano de 2004, no Canadá, 8.187 pessoas foram atendidas em serviços de saúde
(hospitais ou em emergências) com a síndrome, sendo que, dessas, 103 vieram a
falecer. 26 Além disso, interações com outros fármacos utilizados na
clínica médica em geral também podem propiciar essa síndrome. No sentido de
alertar a classe médica para essa grave associação, a Food and Drug
Administration (FDA) dos Estados Unidos promoveu uma revisão sobre a interação
de drogas capazes de aumentar o risco da síndrome em pacientes recebendo
terapia antidepressiva, incluindo, como exemplo, o uso dos ISRSs ou ISRNs e
triptanos (naratriptano, rizatriptano, sumatriptano e zolmitriptano),
amplamente usados em pessoas com enxaqueca. 30,31,32,33,34
O problema das interações
medicamentosas já havia sido detectado anteriormente. A partir do ano de 1997
surgiram as primeiras guias sobre as doses,
monitoração e interações dos psicotrópicos entre si e com outras substâncias
empregadas na clínica médica. Nesse ano, a Food
and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos lançou o chamado Livro Negro,
delineando os parâmetros a serem utilizados e referendados nessas situações referentes
aos medicamentos conhecidos até a época de sua publicação. 21 Dois anos
depois, em 1999, a guia sofreu uma atualização considerando novos fármacos
introduzidos no mercado. 14 Um pouco depois foi lançada também
uma guia sobre dosificação e monitoramento de substâncias psicotrópicas
destinadas ao uso em população geriátrica. Esta guia considerou os progressos
desenvolvidos na neuropsicofarmacologia e teve por objetivo alcançar uma melhor
qualidade de vida dos pacientes com transtornos neuropsiquiátricos. 35
A predição de interações
significativas entre as drogas na clínica sempre se constituíram num desafio e
essas guias foram os primeiros passos nesse sentido. Com os avanços obtidos, a
FDA, em 2004, publicou na WEB um estudo bastante complexo com recomendações
sobre as interações entre as drogas, considerando especialmente os
conhecimentos baseados na CYP e no transporte de proteínas. 36 Recentemente, em artigo publicado na
Revista Brasileira de Psiquiatria, houve uma atualização das “Diretrizes” da
Associação Médica Brasileira (AMB) para o tratamento da depressão. A AMB buscou
desenvolver guias para diagnóstico e tratamento das doenças mais comuns,
incorporando novas evidências e recomendações. O artigo é de autoria de um
número expressivo de psiquiatras brasileiros e o trabalho foi baseado a partir
de novas diretrizes internacionais publicadas a partir de 2003.37 As substâncias envolvidas, em suas
interações, abarcam a medicina em sua totalidade clínica. Trata-se de um
universo de complexa assimilação, pois além do emprego de psicotrópicos
associados na prática psiquiátrica há abundantes situações verificadas quando os
antidepressivos necessitam ser prescritos juntamente com drogas utilizadas em
outras especialidades. Dago exemplifica essa
situação: “No complexo tratamento de
pacientes com muitas doenças comórbidas que requerem o uso de medicamentos
concomitantes, a seleção de um ótimo antidepressivo (isto é, de baixo risco de
efeitos adversos e/ou de interações farmacocinéticas) para um paciente
individual é uma situação crítica
visando uma recuperação positiva em longo prazo”. 38 As interações medicamentosas
dependem, por sua vez, de inúmeras variáveis, fato que torna muito difícil
prever, antecipadamente, o que poderá ocorrer quando mais de um medicamento é
prescrito para uma mesma pessoa, mesmo que tenhamos padrões ou guias que nos
indiquem as melhores escolhas. Elas nos ajudam como substrato, porém o
discernimento clínico sempre será necessário caso a caso. O uso dos antidepressivos,
inicialmente empregados como auxiliares em tratamentos psicoterápicos de
pacientes com depressão vital ou endógena, ganhou novos contornos no decorrer
dos tempos desde então. O campo de sua atuação foi muito ampliado, necessitando
hoje de frequente aprimoramento por parte dos médicos para que possam
acompanhar os desafios desencadeados a cada descoberta de seus efeitos,
paraefeitos e interações com outros medicamentos e ainda de novos receptores
responsáveis por sua metabolização no organismo. Ao
conceber que substâncias químicas especiais poderiam ser descobertas para o
tratamento de determinadas situações clínicas, mais uma vez se comprova a genialidade
de Sigmund Freud. A
refratariedade de pacientes deprimidos ao emprego de antidepressivos, numa
proporção avaliada em torno de 30%, vem recebendo cada vez atenção maior por
parte de pesquisadores e indústria farmacêutica. Exemplos dessa atenção
tornam-se evidentes quando se observa que pesquisas sobre a farmacogenética
estão abrindo novos conhecimentos a respeito da metabolização das drogas. 39,40
Ao mesmo tempo, recentes pesquisas com biomarcadores neurofisiológicos na
determinação da efetividade dos medicamentos antidepressivos já estão a
demonstrar evidências não menos importantes. 41 Artigo
publicado no British Journal of Psychiatry, de abril de 2009, recebeu o prêmio
de melhor artigo do ano nessa importante revista psiquiátrica inglesa. Seu
autor foi o Dr. Mario Juruena, brasileiro, gaúcho, que vinha pesquisando a
sensibilidade dos receptores de glicocorticóides focadas nas disfunções
hormonais dos subtipos depressivos. Sua preocupação maior foi em relação aos
pacientes resistentes aos tratamentos. Segundo o resultado de seus estudos,
utilizando um teste de supressão da prednisolona, a partir da avaliação da
integridade do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA), foi possível classificar
quem era responsivo ao tratamento e quem era resistente. Com isso, nas palavras
do pesquisador, “...nossos resultados sugerem que o teste de supressão do eixo HPA com a
prednisolona tem fator preditor de resposta e relação com a evolução de sintomas psicopatológicos”. 42
Por
sua vez, a indústria farmacêutica está lançando um fármaco para o tratamento
agudo da depressão resistente, indicado para padecentes que não responderam a
diferentes antidepressivos. O fármaco é composto pela composição da olanzapina
com a fluoxetina do laboratório Eli Lilly, foi aprovado recentemente pelo FDA e
já se encontra disponível no mercado americano com o nome de Symbyax. 43,44
É bom lembrar, antes que esse composto chegue a ser
comercializado no Brasil, que tais associações de drogas num único produto não
são desejáveis, pois caso ocorrer uma reação adversa ou paraefeito desagradável
não se saberá qual droga foi determinante. Avanços
estão acontecendo e nós, médicos, devemos acompanhá-los em benefício dos
pacientes e da própria medicina, porém sempre com discernimento sobre tais
progressos. 3. Referências 1. Crespo de
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www.drugs.com/newdrugs/fda-approves-symbyax-first-resistant-depression-12
*Parte
3 (Final) – extrato de estudo sobre antidepressivos. O texto, em sua íntegra,
poderá ser encontrado no livro “O uso de
antidepressivos na Clínica Médica” em seu Capítulo 1. Porto Alegre: Sulina,
2011, 404p., Coordenado por Crespo de Souza, CA. **Doutor
em Psiquiatria pela UFRJ. Endereço
p/ correspondência: [email protected]
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