Volume 8 - 2003
Editor: Giovanni Torello

 

Julho de 2003 - Vol.8 - Nº 7

Artigo do mês

Carlos Alberto Crespo de Souza
Doutor em Psiquiatria e Professor do Curso de Especialização em Psiquiatria do CEJBF/FFFCMPA.

1. Introdução

Até há poucos anos, a reabilitação de pacientes que sofreram traumatismos craniencefálicos (TCE), de qualquer grau (graves, moderados ou leves), pouca atenção tiveram, especialmente em suas deficiências cognitivas e comportamentais. Os recursos à sua recuperação não receberam o mesmo nível de crédito e de eficiência observada em outros campos da medicina. 1 Além disto, até há pouco, desconhecia-se qualquer tipo de tratamento capaz de modificar ou de minimizar os sintomas decorrentes da esfera cognitiva comprometida. 2

Entretanto, desde que houve o entendimento de que o processo patológico que se desenvolve na Doença de Alzheimer (DA) e nos TCE possui alguma semelhança, como o do fenômeno da apoptose, da deposição excessiva de amilóide, de que o próprio TCE pode se constituir num fator de risco à evolução para uma DA e de que as substâncias derivadas da rasagilina teriam um efeito protetor contra a DA, abriram-se as possibilidades de que essas mesmas substâncias, utilizadas no tratamento da DA com algum sucesso, pudessem, também, ser úteis na recuperação de deficiências cognitivas existentes nos pós traumatizados cerebrais. 3, 4, 5, 6, 7

A disfunção da memória é reconhecida como uma complicação difícil de ser tratada após um TCE. Desde que as lesões do lobo médio-temporal freqüentemente determinem a disfunção de memória, é provável que as deficiências de acetilcolina contribuam para ela nessa população de comprometidos, à semelhança do que ocorre na DA.

Partindo desse entendimento, a fisostigmina, uma droga anticolinérgica com significativos efeitos colaterais cardiovasculares e autonômicos, foi utilizada pela primeira vez na clínica com o objetivo de tratar as deficiências de memória nos traumas cerebrais fechados. Logo a seguir, uma outra substância foi utilizada com os mesmos objetivos.

Recentemente, uma série de inibidores da acetilcolina-esterase, os quais demonstraram uma elevada seletividade para o neurônio Ach-esterase, com mínimos efeitos secundários (exceção em doses mais elevadas), foram aprovados para o uso de pacientes com DA pelos seus resultados clínicos promissores nessa patologia.

Esse fato, por sua vez, contribuiu à possibilidade de que essas drogas mais recentes, com menos efeitos colaterais, fossem também utilizadas experimentalmente, com a finalidade de tratar as disfunções de memória após os traumas cerebrais.

O presente estudo procura evidenciar as experiências clínicas existentes na literatura com essas substâncias e registra um caso clínico de TCE grave, cujo paciente ainda possuía importantes deficiências de memória após 3 anos e 4 meses do trauma, e a quem foi administrado a rivastigmina. Os resultados obtidos são questionados e são feitos comentários a respeito da importância dessa substância na terapêutica das deficiências de memória após os TCE. A necessidade de pesquisas de maior amplitude em populações e com desenhos metodológicos mais aprimorados para validar ou não os seus resultados satisfatórios é enfatizado.

2. Metodologia.

2.1. - A Medline foi acionada através da Internet à procura de publicações existentes sobre o uso de substâncias colinomiméticas ou colinérgicas nas deficiências de memória após os TCE em qualquer tempo. Para tanto, foram escolhidos os termos “cholinomimetic agents and traumatic brain injury”, “cholinergic agents and traumatic brain injury”, “rivastigmine and traumatic brain injury” e “treatment of traumatic brain injury”.

2.2. - A um paciente que sofreu um TCE grave, ainda com evidentes prejuízos de memória observados clinicamente 3 anos e 4 meses após o trauma, foi administrado rivastigmina, na dose de 3mg/dia, em 09.04.02. A partir do uso, foi acompanhado mensalmente em consultas de controle e segue esse acompanhamento até o presente.

Quando iniciou o consumo dessa substância não conseguia tocar violão ou outro instrumento, cantar ou trovar, habilidades antes existentes e de boa qualidade perdidas após o trauma cerebral (naturalmente, existiam outras deficiências de memória e atenção, nesse estudo deixadas de lado por sua importância menor na qualidade de vida do paciente).

3. Resultados.

3.1. - Da busca na Medline:

Os trabalhos existentes encontrados entre os termos solicitados foram muito poucos. Todos eles são apresentados a seguir, de forma bastante resumida.

Salazar e cols., em 2.000, analisaram a situação relativa a reabilitação de pacientes que sofreram TCE através de uma amostra composta por 120 militares. Alguns desses pacientes sofreram lesões cerebrais fechadas, com escores de 13 ou de menos na Escala de Coma de Glasgow e outros que sofreram lesões por contusões e hemorragias comprovadas pela ressonância magnética computadorizada. Os pacientes foram divididos em dois grupos: uns submetidos a um programa de reabilitação cognitiva intensiva em internação hospitalar (n= 67) e outros submetidos a um programa de reabilitação residencial limitada, com a presença de apenas uma enfermeira com visita semanal. Como resultado, os autores encontraram que não houve benefícios adicionais naqueles submetidos ao programa de reabilitação intensiva hospitalar na comparação com os que foram submetidos ao programa de reabilitação residencial limitada. Como conclusão, enfatizaram da necessidade que os métodos de reabilitação cognitiva fossem reavaliados e que estudos similares fossem reproduzidos com o mesmo objetivo. 1

Por sua vez, McIntosh e cols., num estudo multicêntrico realizado nos Estados Unidos, Espanha e Suécia com pacientes pós-traumatizados cerebrais, concluíram não haver nenhum tratamento clínico capaz de tratar efetivamente a lesão cerebral sofrida. 2

Como afirmado antes, a similaridade de alguns fenômenos existentes na DA e nos TCE abriu perspectivas de que as substâncias utilizadas no tratamento da DA, com algum sucesso terapêutico, fossem também utilizadas em pacientes que sofreram TCE com deficiências cognitivas.

Assim, Taverni e cols., em 1998 nos Estados Unidos, sabedores de que a fisostigmina (uma substância anticolinesterásica com significativos efeitos colaterais cardiovasculares e autonômicos) foi utilizada com resultados promissores na DA e também para tratar deficiências de memória em pacientes com traumas cerebrais fechados, resolveram experimentar o Donepezil (uma substância com efeitos colaterais bem menos expressivos) no tratamento de dois pacientes com disfunção de memória pós-trauma. Esses pacientes foram admitidos no Helen Hayes Hospital, de Nova York, para tratamento físico e de reabilitação cognitiva. Ambos possuíam uma longa experiência de disfunção de memória estagnada e refratária aos tratamentos convencionais. Os resultados de sua experiência, publicados no Brain Injury, demonstraram, por testes de memória e por opiniões colhidas junto aos familiares e equipe hospitalar, que após três semanas de tratamento com o Donepezil eles tiveram uma significativa melhora em sua memória. Embora essa comprovação, os autores demonstraram a necessidade de estudos mais amplos, envolvendo maior número de pacientes. 8

Em 1999, Spiers e Hochanadel, utilizaram a Citicolina no tratamento de dois casos de TCE, com perdas de memória, sendo um deles inclusive sofrido por um dos autores. Os autores, em seus resultados, chamaram a atenção sobre as conseqüências satisfatórias de seu uso e recomendaram sua utilização em estudos posteriores envolvendo populações clínicas comprometidas por traumas cerebrais com seqüelas de memória. 9 No mesmo ano, Whitlock publicou o resultado de seu estudo utilizando o Donepezil. 10 No ano seguinte, Whelan e cols. publicaram o resultado de sua pesquisa, utilizando a mesma substância, só que numa amostra de 53 pacientes ambulatoriais seqüelados cerebrais, com predomínio de prejuízos cognitivos e acompanhados durante dois anos de tratamento juntamente com outras medicações de uso psiquiátrico. Em suas conclusões, demonstraram que seus achados sugeriram que o Donepezil pode ampliar os recursos terapêuticos ao lado de outras medicações utilizadas nos distúrbios psiquiátricos relacionados aos TCE. 11

Em 2002, Bourgeois e cols. publicaram sua experiência com o uso do Donepezil num paciente após ter sofrido TCE. 12 No mesmo ano, Blount e cols. revisaram o uso de agentes colinomiméticos em sua utilização na DA e nos TCE em seus efeitos positivos sobre as deficiências comportamentais e cognitivas existentes nessas situações. Mostraram que o desenvolvimento de opções farmacológicas através de novas substâncias empregadas para manipular os sistemas da acetilcolina cerebrais atualmente existentes são mais suaves em razão da pobre penetração da barreira sangüínea-cerebral e de menores para-efeitos no sistema nervoso periférico. Confirmaram a existência de dados que os inibidores da acetilcolinesterase desempenham importante papel no tratamento dessas populações e concluíram pela apresentação dos principais agentes empregados, como a Fisostigmina, Tacrine, Rivastigmina, Donepezil, etc. 5 Mais recentemente, Griffin e cols., em 2003, também realizaram uma revisão sobre o emprego de agentes colinérgicos no tratamento de déficits neurocomportamentais após os TCE. Demonstraram que embora os TCE resultem, freqüentemente, num significativo prejuízo, investigações empíricas de tratamentos farmacológicos de suas seqüelas são raras. Em sua revisão, assinalaram as evidências de hipóteses sobre um mecanismo colinérgico subjacente a algumas seqüelas neurocomportamentais dos TCE, assim como uma visão crítica das evidências preliminares que sustentam a eficácia de agentes colinérgicos nos TCE. Mostraram que, a despeito de numerosas limitações metodológicas existentes nos estudos, as evidências preliminares indicam a eficácia dos agentes colinérgicos na melhora da atenção e da memória após os TCE. Ao final de sua revisão, apontam a necessidade de estudos envolvendo maior número de pacientes em pesquisas randomizadas, duplo-cegas, em ensaios com placebo-controles e que incluam um amplo leque de medidas de recuperação cognitiva e comportamental. 13

Nenhum caso clínico com utilização da rivastigmina foi encontrado nessa pesquisa junto à Medline, realizada em 05/03.

3.2. - Descrição do caso clínico e mudanças após uso da rivastigmina:

Antônio da Silva (nome fictício), 25 anos, branco, casado, agente de segurança, natural do interior do RGS, radicado em Porto Alegre, teve acidente após um caminhão bater com a lateral em seu corpo. Além de ter quebrado ossos, sofreu um traumatismo craniencefálico grave. Permaneceu por 20 dias em coma, sendo internado no Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre em 12/98.

Ao sair do hospital, apresentava alterações cognitivas importantes, principalmente de memória e atenção (não reconhecia familiares, esqueceu nomes de pessoas), com perda de habilidades anteriormente existentes, irritabilidade significativa, alterações no afeto (depressão e ansiedade), alterações sensoperceptivas (sensibilidade aumentada para os ruídos) e queixas físicas (cefaléia diária, tonturas eventuais, insônia ou hipersônia).

Com o passar do tempo, componentes existentes em sua personalidade, como o de ser uma pessoa reflexiva, calma e ponderada, transformaram-se radicalmente, tornando-se uma pessoa agressiva, explosiva, de pronta-resposta e absolutamente sem controle.

Antônio, antes de se acidentar, estava empregado como segurança em banco, utilizando revólver, e possuindo cargo de chefia. Se retornasse ao emprego, voltaria a utilizar revólver e seria uma grave ameaça a qualquer pessoa que o contestasse. Com esse sentimento de desespero, procurou ajuda psiquiátrica. Com a intervenção do psiquiatra, após realizar um teste neuropsicológico que revelou alterações importantes em sua esfera cognitiva, terminou sendo aposentado após dois anos de auxílio-doença. Sendo aposentado, passou a receber bastante menos. Vivia com sua mulher e uma filha desta. Por suas dificuldades, ao transformar sua personalidade, terminou por separar-se dela, após grave ocorrência entre ambos. Hoje está só e vive com poucos recursos financeiros. Ele perdeu muitas habilidades, entre outras, como cantar e trovar músicas, tocar violão, criar melodias. Se recuperadas, poderiam ser uma nova fonte de recuperação psicossocial, uma vez ter retornado ao interior do estado a um local que é rico em tradições gauchescas.

Tratamentos realizados:

  • No Pronto Socorro recebeu os tratamentos convencionais para estados de coma e cuidados intensivos (hidratação, recomposição eletrolítica, manitol para o edema cerebral, anti-inflamatórios, etc.) Na ocasião da baixa, a tomografia computadorizada apresentou “alterações estruturais em algumas regiões do cérebro”.
  • Meses após, em 04/99, teve alta dos neurologistas por não entenderem suas queixas e pelo fato de estar com seus exames de neuroimagem normais. Com a alta, foi liberado a trabalhar.
  • Desesperado por sua situação - ter de trabalhar ainda com significativas manifestações cognitivas deficitárias e extrema irritabilidade, com perda de controle - solicitou ajuda de um psiquiatra, informado por um amigo que esse profissional estava a estudar casos semelhantes ao seu. Em 05/99 passou a fazer tratamento psiquiátrico: foi-lhe prescrito benzodiazepínico (Clonazepan 3 mg/dia e carbamazepina 600mg/dia) + psicoterapia de apoio.
  • Para as manifestações depressivas foi utilizado a fluoxetina em dose inicial de 20mg/dia e após duas semanas aumentada para 40 mg/dia. Como não obteve melhora após dois meses, logo a seguir foi tentado o uso conjunto com a amitriptilina, associação sem benefício algum. Ambas foram retiradas e administrado a imipramina. Com essa substância teve para-efeitos insuportáveis, sendo logo retirada. Posteriormente, foi administrado a venlafaxina e a seguir a reboxitina, sem que qualquer efeito positivo fosse observado.
  • Ao final dessas tentativas frustras com os antidepressivos, a partir de 06/00 ficou tomando apenas o Clonazepan 2mg/dia e carbamazepina 200mg/dia (apresentou sonolência com a carbamazepina em dose mais elevada). Foi registrado extrema sensibilidade às medicações.
  • Seguiu tomando essa medicação até 01/02. Como apresentou algumas melhoras clínicas, sem ter mais cefaléia, pediu para ser retirada a carbamazepina. Ficou, então, usando apenas o clonazepan, 2mg/noite. As queixas depressivas e deficiências cognitivas persistiam.

O uso da rivastigmina:

  • Em 09/04/02, após ciência dos efeitos benéficos dessas novas substâncias anticolinérgicas na DA e pelas associações teóricas já relatadas, foi iniciado o uso da rivastigmina na dose inicial de 1,5 mg/dia e uma semana após, sem nenhum para-efeito, foi aumentado para 3mg/dia. Uma bateria de exames prévios foram solicitados antes do início dessa substância (como avaliação cardiológica, renal, hepática, sangüínea, etc.) para controle.
  • Em 15/07/02, em consulta de controle, afirmou ter conseguido aprender algo de música.
  • Em 29/08/02, em novo controle, disse ter conseguido tocar violão e guitarra, embora ainda com algumas dificuldades: “apagões” momentâneos.
  • Em 03/10/02, contente, porém ainda com humor depressivo, comunicou ter conseguido voltar a cantar e que já estava participando de uma banda em sua cidade natal. Além de cantar, estava conseguindo tocar violão, guitarra e até bateria, quase sem dificuldades ou os “apagões” anteriores.
  • Em 19/05/03, em sua última reconsulta antes da realização desse documento, já estava a tocar em duas bandas, quer seja como cantor ou como instrumentista, ora tocando violão, guitarra, bateria e, por último, trompete, sem qualquer dificuldade. Embora o sucesso obtido, que abria possibilidades de melhoria psicossocial (já estavam a pensar em gravar CDs), o paciente mantinha um humor depressivo, não conseguindo valorizar a dimensão de suas conquistas. Seguia agressivo com sua mãe, com quem convive quase que diariamente e com uma nova namorada, uma pessoa legal segundo ele, trabalhadora e que também o tem apoiado. Eventualmente, de acordo com suas palavras, agride-as verbalmente e depois se arrepende, ignorando as razões pelas quais comete tais “desatinos”.

4. Comentários.

De forma resumida, os seguintes comentários necessitam ser formulados:

4.1. - Os resultados da rivastigmina nas deficiências de memória e/ou na recuperação de habilidades perdidas.

Embora o excelente resultado, quando o paciente passou a recuperar habilidades antes existentes e que ficaram extintas por mais de 3 anos e alguns meses após o trauma, é válido questionar se isso ocorreu pelo efeito da substância ou por um processo de recuperação de funções cerebrais próprio do organismo.

Sabe-se que duas hipóteses existem sobre a recuperação cerebral após traumas: a primeira, diz respeito ao fenômeno denominado de diásquise, no qual a recuperação se deve à resolução da cessação temporal da atividade no cérebro em regiões que interromperam as aferências normais de um grupo neuronal não diretamente afetado pela lesão. A segunda, propõe que a recuperação implica no recrutamento de áreas não afetadas do cérebro para a execução de tarefas que, no passado, eram executadas pelas áreas lesionadas. Esta hipótese baseia-se na irrecuperabilidade do tecido lesionado e no princípio da plasticidade cerebral.

Partindo dessas duas hipóteses, pode-se formular as questões: a rivastigmina contribuiu à resolução das áreas mais distantes do cérebro que interromperam seu funcionamento ou favoreceu o recrutamento de outras áreas a desempenhar as funções antes exercidas por áreas lesionadas? Ou será que a substância não teve papel algum num processo já em marcha?

Por outro lado, cabe mencionar que seria uma coincidência muito grande que a recuperação cerebral do próprio organismo começou a ocorrer exatamente três meses após o uso da rivastigmina. Será que isso aconteceria sem a rivastigmina?

Naturalmente, é impossível responder a essas questões, porém elas devem ser formuladas. Embora, aqui, a questão da fisiopatologia possa ser deixada de lado - importando-nos mais com os achados clínicos e seus resultados - faz-se necessário registrar essa observação.

O exemplo de um caso clínico que obteve sucesso com o uso de determinada substância não pode servir como paradigma ou que seus resultados sejam transponíveis a outros casos. É preciso ter cautela e aguardar por outros estudos mais precisos, com metodologias que utilizem desenhos de pesquisa mais aprimorados, que envolvam um número maior de pessoas, com avaliações prévias sobre seus desempenhos ou em avaliações seriadas após os traumas cerebrais.

Também é necessário saber em quais casos os resultados são benéficos e em quais casos não. Será que todos respondem de forma favorável ou apenas alguns? Entre os que respondem, haverá algo em comum?

De qualquer forma, os resultados de casos que obtiveram sucesso com a utilização de uma determinada substância não perdem sua importância, pois graças a eles há a provocação ou a promoção de que sejam realizados estudos ou pesquisas mais aprimoradas, desenvolvendo o conhecimento.

4.2. - Os resultados dos antidepressivos e da própria rivastigmina em relação às alterações de humor.

De acordo com o que foi observado nesse caso, os antidepressivos empregados não obtiveram nenhum sucesso em melhorar o estado do paciente. É sabido, de acordo com a literatura, que cérebros alterados por traumatismos craniencefálicos não respondem da mesma maneira que cérebros que não sofreram traumas. Eles podem dar respostas bem diferentes, quer seja por ausência de benefício, quer seja por manifestações contrárias aos objetivos terapêuticos. E isso foi o que ocorreu e segue ocorrendo com o paciente aqui estudado, o qual mantém até hoje sentimentos depressivos.

A rivastigmina não contribuiu em nada à recuperação desses sentimentos existentes.

4.3. - A persistência da agressividade e da impossibilidade de seu controle.

De igual forma, a agressividade e seu controle por parte do paciente pode ser dito que se mantêm iguais até hoje, mostrando-se infensos ao uso da carbamazepina. A rivastigmina, por sua vez, em nada contribuiu nesse sentido.

5. Conclusão.

A rivastigmina mostrou possuir um efeito extraordinário nesse paciente e, de forma mais específica, em suas funções cognitivas, com recuperação de habilidades perdidas após o traumatismo craniano grave que sofreu há cerca de 4 anos e 5 meses. A recuperação passou a ocorrer após aproximadamente 3 meses do uso da substância.

Como registrado, essa substância não interferiu em seus sintomas depressivos e nem no controle de seus impulsos agressivos. Isto poderia estar a nos dizer que seus efeitos possuem uma ação mais direta sobre a cognição, como a memória e a conseqüente recuperação de habilidades perdidas.

Entretanto, de acordo com os comentários, embora a enorme satisfação por encontrar uma medicação que tenha esse efeito em traumatizados cerebrais - até então desamparados do ponto de vista terapêutico em suas deficiências cognitivas - cautela com esse resultado é necessária.

O mais significativo efeito desse estudo ou experiência clínica - o primeiro a ser realizado no Brasil e na América Latina - é o de que abre possibilidades de que se desperte ao emprego dessas substâncias anticolinérgicas, aprimorando e qualificando ou não o seu emprego em larga escala em casos semelhantes.

Sem dúvida alguma, os investimentos nessa área merecem ser realizados, considerando a enorme quantidade de seqüelados existentes em nosso país, constituído por aqueles que sofreram traumatismos craniencefálicos abertos e fechados ou submetidos à neurocirurgias por qualquer outro motivo e que possuem deficiências cognitivas significativas. Se pensarmos nos traumatizados cerebrais do futuro - em cifras alarmantes, se considerarmos os dados epidemiológicos que crescem a cada ano, resultantes de acidentes de trânsito, de assaltos, acidentes domésticos e de práticas esportivas, maiores esforços serão dedicados ao seu estudo.

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Endereço para correspondência:

Carlos Alberto Crespo de Souza

Rua Prof. Sarmento Leite, 245

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* Trabalho elaborado no Departamento de Pesquisa do Centro de Estudos José de Barros Falcão (CEJBF)/Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA).


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