Dezembro de 2025 – Vol. 31 – Nº 12

Elie Leal de Barros Calfat

Introdução

As emergências psiquiátricas no periparto representam um desafio crescente para os serviços de saúde. A faixa etária reprodutiva coincide com o período de maior incidência de transtornos mentais graves, como transtorno bipolar e esquizofrenia, de modo que episódios agudos podem surgir ou se agravar durante a gestação ou o puerpério. Além disso, esse período é marcado por intensa interação entre fatores hormonais, imunológicos, inflamatórios e neurobiológicos que modulam a vulnerabilidade psíquica.

Este texto sintetiza o Consenso para o Manejo das Emergências Psiquiátricas em Gestantes e Puérperas, elaborado em conjunto pela Comissão de Emergências Psiquiátricas da ABP e pela Comissão de Saúde Mental da Mulher, e revisa também as principais diretrizes para o manejo da intoxicação aguda, tema igualmente frequente nos serviços de urgência.

1. Emergências Psiquiátricas no Periparto

1.1 Conceito e importância clínica

Considera-se emergência psiquiátrica qualquer situação de ruptura aguda da homeostase psíquica que exija intervenção imediata. Gestação e puerpério funcionam como possíveis gatilhos para episódios psicóticos, maníacos, depressivos graves ou crises de ansiedade. A literatura descreve aumento expressivo de riscos nesse período, incluindo intensificação de ideação suicida, maior vulnerabilidade em pacientes bipolares e maior taxa de recaídas (Jones et al., 2014; Viguera et al., 2007).

1.2 Psicofarmacologia durante a gestação e lactação

Desde 2015, o FDA reformulou completamente o sistema classificatório tradicional dos medicamentos (categorias A, B, C, D e X), o que levou à ausência dessas categorias nas bulas a partir de 2018. Apenas fármacos aprovados desde 2001 possuem informações padronizadas sobre uso na gestação.

Antipsicóticos

  • Gestação: olanzapina, quetiapina e haloperidol apresentam melhor perfil de segurança em emergências, segundo Zeller (2016).
  • Lactação: olanzapina e haloperidol são considerados compatíveis, com base em revisões de Galbally e Khan.

Benzodiazepínicos

Apesar de controvérsias, estudos recentes apontam que seu uso é aceitável em emergências, crises ansiosas agudas e abstinência alcoólica, desde que:

  • em doses baixas,
  • por curtos períodos,
  • preferencialmente de maneira intermitente.

1.3 Agitação psicomotora na gestação

A agitação corresponde a cerca de 30% das demandas de serviços de emergência psiquiátrica. É frequente em quadros psicóticos, mania e depressões graves. Gestantes apresentam maior risco de ideação suicida e maior vulnerabilidade ao abuso de substâncias.

Cuidados essenciais

  • Garantia de segurança da paciente e da equipe.
  • Exclusão de causas orgânicas.
  • Ambiente com pouco estímulo sensorial.
  • Prioridade para manejo verbal.
  • Farmacoterapia somente se necessária.

Medicação

  • Utilizar a menor dose possível.
  • Preferir monoterapia (antipsicótico ou benzodiazepínico).
  • O haloperidol continua sendo a opção mais estudada e segura.

Contenção física

No 2º e 3º trimestre, a contenção tradicional em 8 pontos é contraindicada pelo risco de compressão da veia cava.
Se necessária, deve ser realizada em decúbito lateral esquerdo, com monitorização contínua.

1.4 Comportamento suicida

O suicídio é uma das principais causas de morte materna, especialmente até um ano após o parto. A prevalência de ideação suicida durante a gestação pode chegar a 33% (Gentile, 2011), e é considerado um fenômeno multifatorial, com riscos ampliados por transtornos mentais pré-existentes, abuso de substâncias, violência doméstica e falta de suporte familiar.

Fatores de risco

  • Ideação com plano.
  • Tentativas prévias.
  • Transtornos mentais prévios.
  • Adolescência.
  • Violência doméstica.

Fatores de proteção

  • Gravidez planejada.
  • Apoio conjugal e familiar.
  • Boa relação familiar (incluindo com a sogra, segundo Baldaçara).

Plano de proteção

  • Investigar ativamente ideação e sinais de sofrimento.
  • Aumentar frequência de consultas.
  • Indicar internação quando necessário.
  • Oferecer escuta qualificada.

1.5 Psicose puerperal

A psicose puerperal é rara (1 a cada 1000 puérperas), mas gravíssima. Pode representar primeiro episódio ou reagudização de transtorno bipolar ou esquizofrenia.

Riscos associados

  • Agitação psicomotora extrema.
  • Comportamento suicida e risco de infanticídio.
  • Deterioração dos cuidados maternos.

Tratamento

  • Lítio, antipsicóticos ou ECT, conforme gravidade.
  • Avaliar a lactação com cautela.

Um estudo clássico mostra que:

  • Olanzapina: 72% de recém-nascidos apresentaram baixo peso ao nascer.
  • Haloperidol: 65,5%.
  • Quetiapina: 23,8%.
    (Newport et al., 2007).

2. Manejo da Intoxicação Aguda

2.1 Conceito e epidemiologia

A intoxicação aguda é um quadro clínico temporário que surge durante ou logo após o consumo de substâncias psicoativas. Caracteriza-se por alterações de consciência, cognição, comportamento, humor e coordenação motora.

É um dos motivos mais frequentes de atendimento em pronto-socorro e UTI, com mortalidade variando entre 0,5% e 4%. No Brasil, entre 2010 e 2014, registraram-se 376.506 casos, com predomínio de mulheres jovens (15–39 anos).

Além disso:

  • É o método preferido de tentativa de suicídio em vários países.
  • Cerca de 269 milhões de pessoas usaram alguma droga em 2018, com aumento previsto até 2030.

2.2 Manejo clínico inicial

Toda intoxicação aguda deve ser abordada com seriedade máxima.

O diagnóstico inclui anamnese, avaliação toxicológica (quando indicada) e exame clínico detalhado para identificar síndromes tóxicas.

Protocolo ABCDE

O consenso reforça que todo atendimento deve seguir:

  • A – Airway (vias aéreas)
  • B – Breathing (respiração)
  • C – Circulation (circulação)
  • D – Disability/Diagnosis/Decontamination/Drugs
  • E – Enhanced elimination (eliminação aumentada de toxinas)

Complicações potenciais incluem hepatite tóxica, arritmias, convulsões, hipertermia, hipotermia e coma.

2.3 Quadro clínico segundo as substâncias

Hipotensão

Pode ser causada por:

  • antidepressivos,
  • antipsicóticos,
  • anti-hipertensivos,
  • intoxicação por cianeto, CO e outros agentes tóxicos.

Tratamento inicial: bolus de soro fisiológico, até 1–2 L na primeira hora.

Hipertensão

Frequente com estimulantes (cocaína, anfetaminas), anticolinérgicos e inibidores de MAO.

Hipertermia

Associada a estimulantes e vários agentes tóxicos.

Hipotermia e coma

Relacionado a opioides, álcool, hipoglicemiantes, barbitúricos e benzodiazepínicos.

2.4 Abordagem por substância (resumo prático)

  • Álcool: haloperidol para agitação.
  • Cocaína: benzodiazepínicos (evitar antipsicóticos quando possível).
  • Alucinógenos: suporte e antipsicóticos se necessário.
  • Solventes: medidas de suporte apenas.
  • Canabinoides: benzodiazepínicos para ansiedade intensa.
  • Opioides: naloxona.

Em casos graves, é fundamental acionar centros de toxicologia e considerar transferência para unidades terciárias.

Conclusões gerais

  1. A literatura sobre emergências psiquiátricas no periparto ainda é limitada, mas o consenso aponta caminhos seguros e padronizados.
  2. O manejo deve priorizar segurança, prevenção e avaliação contínua dos riscos.
  3. A intoxicação aguda exige abordagem rápida, sistemática e baseada no protocolo ABCDE.
  4. A padronização das condutas reduz erros e melhora o prognóstico materno e fetal.
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