Agosto de 2025 – Vol. 31 – Nº 8
Walmor J. Piccinini
Introdução
A resposta de imobilidade durante episódios de violência sexual é frequentemente descrita como um fenômeno dissociativo, resultado de uma desconexão entre consciência e experiência traumática. No entanto, autores como Max Fink e Edward Shorter propõem que, em casos extremos, o “bloqueio” pode refletir uma manifestação catatônica, associada não apenas a sofrimento psíquico, mas a um colapso comportamental diante do medo paralisante.
Este artigo busca discutir as fronteiras entre dissociação e catatonia, refletindo sobre suas implicações clínicas, éticas e diagnósticas.
Dissociação x Catatonia: convergências e distinções
Critério | Dissociação | Catatonia |
Gatilho | Trauma, estresse psicológico | Medo extremo, transtornos mentais |
Sintomas | Despersonalização, amnésia, fuga psicogênica | Estupor, rigidez, mutismo, negativismo |
Durabilidade do quadro | Transitória ou crônica | Pode evoluir rapidamente ou persistir sem tratamento |
Abordagem terapêutica | Psicoterapia, EMDR, estabilização emocional | Benzodiazepínicos, ECT |
Consciência do estado | Parcial ou ausente | Ausência marcada |
📚 Revisão crítica da literatura
Diversos estudos brasileiros abordam a resposta de congelamento na violência sexual, mas raramente distinguem entre dissociação e catatonia:
- Cavalcanti (2023) explora as consequências psíquicas do estupro, tratando o bloqueio como mecanismo dissociativo, sem aprofundar nos aspectos neuromotores.
- Medeiros et al. (2021) descrevem o congelamento como defesa psíquica, aproximando-se da lógica catatônica, mas sem nomeá-la clinicamente.
- Ferreira et al. (2023) identificam recorrência do silêncio e imobilidade como resposta aguda ao trauma sexual.
- Marques & Oliveira (2024), em abordagem TCC, descrevem sintomas motores compatíveis com estados de estupor não reconhecidos como catatônicos.
- Fink & Shorter (2018) propõem que a catatonia não é apenas expressão de transtornos mentais graves, mas uma resposta primitiva de desligamento diante do terror: “Fear-induced behavioral shutdown.”
Discussão
A imobilidade extrema pode ser vista como um espectro clínico, no qual se inscrevem tanto manifestações dissociativas quanto catatônicas. Ignorar essa possibilidade pode acarretar subdiagnóstico e intervenções inadequadas.
Reconsiderar o bloqueio como catatonia, quando há presença de sintomas motores persistentes, favorece tratamentos mais rápidos e eficazes, além de reconhecer o sofrimento psíquico em sua profundidade neuropsiquiátrica.
Do ponto de vista ético, essa distinção oferece suporte para evitar a revitimização: compreender que a ausência de reação não implica consentimento nem fragilidade moral, mas sim uma resposta involuntária ao terror absoluto.
✅ Conclusão
A proposta de distinguir entre dissociação e catatonia no contexto da violência sexual é mais do que um exercício teórico: é uma urgência clínica. Incorporar essa hipótese no campo da saúde mental brasileira pode melhorar o acolhimento, o tratamento e a escuta das vítimas — especialmente em casos de trauma grave e imobilidade comportamental.
Nota: “Agradeço ao Microsoft 365 Copilot pelo auxílio na elaboração deste artigo.”