Agosto de 2025 – Vol. 31 – Nº 8
Vários autores consagravam a loucura, divulgando estudos pseudocientíficos,
não raras vezes brilhantes e aparentemente lúcidos e revolucionários
Franklin Cunha
O surrealista André Breton (1896-1966) era médico e trabalhou em centros psiquiátricos durante a Primeira Guerra Mundial. Afirmava que a loucura era uma forma alternativa de ver a realidade e assim antecedeu por várias décadas às teorias de Michel Foucault (1926-1984) expostas em seu ARTE E LOUCURA, paradigmático livro História da Loucura. Também Georges Bataille (1897-1962), surrealista heterodoxo, influiu tanto em Foucault como em Jacques Lacan (1901-1982) na exaltação da loucura. Bataille afirmava que “a loucura, os sonhos e o erotismo eram formas de experiência interior, um estado de êxtase e de misticismo que revelavam a essência dionisíaca do ser humano”.
Todos esses autores sustentavam que a loucura não era uma enfermidade de base biológica, mas, sim, a luta dos instintos dionisíacos contra a opressão da sociedade burguesa e uma forma de contestação. Exaltavam os loucos como Antonin Arnaud (1896-1948), Nietzsche (1844-1900), Van Gogh (1853-1890) e Friedrich Hölderlin (1770-1843). 843), dizendo-se profetas que enfrentavam a execrável sociedade racionalista moderna. Enfim, consagravam a loucura, divulgando estudos pseudocientíficos, não raras vezes brilhantes e aparentemente lúcidos e revolucionários.
Essa reabilitação filosófica da loucura fez escola e teve êxito editorial com as diversas obras de Gilles Deleuze (1925-1995) e de Félix Guattari (1930-1992).
A neurose, diziam eles, era uma adaptação à sociedade capitalista, a paranoia uma atitude reacionária e fascista e a esquizofrenia uma rebelião contra o capitalismo.
Em pouco tempo, a corrente francesa produziu metástases e originou o movimento anglo-saxão da antipsiquiatria, que não considerava a loucura como uma doença e afirmava que toda tentativa de cura dos presumíveis loucos era uma repressão dos instintos naturais e da liberdade imaginativa. E mais: a loucura era uma atitude subversiva contra a sociedade estabelecida e, portanto, seu diagnóstico seria orientado não por procedimentos científicos, mas por atos fundamentalmente políticos.
Um dos líderes da escola da antipsiquiatria inglesa, Ronald Laing (1927-1989), classificava os loucos ao lado dos revolucionários e dos criminosos, os quais seriam seres místicos, contestadores de um mundo mecânico e desumano. A loucura seria a incapacidade de controlar instintos normais e de adaptar-se a um mundo que perdeu a razão. Compreende-se assim o conhecido oxímoro conceitual desses antipsiquiatras: “O louco é alguém que perdeu tudo, menos a razão”.
Enfim, a polarização caolha e a idealização romântica da loucura encerram uma série de falácias. Uma delas é a equiparação da loucura à genialidade.
Na verdade, os grandes artistas que enlouqueceram se formaram antes de adoecerem e a melhor parte de suas obras foi realizada não nos momentos de insanidade, mas nos de lucidez. Van Gogh escreveu ao seu irmão que a loucura não lhe trazia inspiração, apenas sofrimento, e que desejava ardentemente obter a cura.
A pintura e as artes plásticas em geral são uma forma válida de terapia, sendo que em alguns hospitais psiquiátricos funcionam oficinas e ateliês, mas ao que se sabe, deles nunca surgiu um Van Gogh.
Conclui-se que a loucura não predispõe à criatividade e que os loucos geniais o foram apesar dela e não por causa dela. Os loucos pintores e escultores nos despertam mais piedade do que sensações estéticas. E suas vernissages são meros pretextos para encontros e promoções pessoais e sociais.
A arte está situada noutra escala de valores estéticos e está bem separada da desrazão e da incoerência mental.
Enfim, quem conhece Schopenhauer deve se lembrar de sua afirmação tão poeticamente dolorosa:
“A arte é a liberação da dor de viver.”

Franklin Cunha é médico e membro da Academia Rio-Grandense de Letras ([email protected])