Novembro de 2025 – Vol. 31 – Nº 11
Marcos Pacheco de Toledo Ferraz
(São Paulo, SP, 1949 – )
Psiquiatra, professor titular aposentado da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Marcos Pacheco de Toledo Ferraz é um dos principais representantes da geração que consolidou a psiquiatria universitária e a política pública de saúde mental no Brasil, atuando na transição entre o autoritarismo e a redemocratização do país.
Graduou-se em Medicina pela Escola Paulista de Medicina (1968), onde iniciou carreira docente em 1969, alcançando o cargo de professor titular em 1989. Obteve o doutorado em Psiquiatria em 1982, com a tese Possíveis fatores determinantes da “boa e má viagem” induzidas pelo Δ9-Trans-Tetrahidrocanabinol, sob orientação de Elisaldo Carlini, refletindo seu interesse inicial pela psicofarmacologia. Sua trajetória acadêmica incluiu ensino e pesquisa sobre memória, depressão, uso de benzodiazepínicos e envelhecimento, além de orientação de diversas dissertações e teses de pós-graduação.
Na vida institucional, presidiu a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) entre 1980 e 1983, sucedendo Ulysses Pernambucano Filho, e foi secretário da Associação Psiquiátrica da América Latina (APAL) (1983–1985). Durante sua gestão na ABP, promoveu maior abertura política e científica da entidade, consolidando os Congressos Brasileiros de Psiquiatria como fóruns nacionais de debate e emitindo, no Congresso de 1978, uma moção histórica pela anistia ampla, geral e irrestrita, em pleno regime militar.
Nos anos 1980, assumiu papel central na reorganização da saúde mental em São Paulo, inicialmente como coordenador de Saúde Mental da Secretaria de Estado da Saúde no governo Franco Montoro, sob liderança do secretário João Yunes. A partir de reuniões no grupo da rua Madre Teodora — espaço plural de formulação política e técnica —, Pacheco Ferraz participou da elaboração de um plano de reestruturação que introduziu unidades psiquiátricas em hospitais gerais, reduziu a dependência dos leitos do INAMPS e criou a rede de ambulatórios e centros de atenção psicossocial (CAPS e NAPS), antevendo o modelo que seria adotado nacionalmente anos depois pela Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216/2001).
Sua atuação destacou-se também pela intervenção no Hospital do Juqueri, que revelou as condições desumanas de internação e motivou medidas radicais de reforma. Com apoio político de Yunes e Montoro, coordenou a abertura das celas fortes, a reorganização das equipes e a substituição de centenas de cargos administrativos por profissionais de reabilitação, transformando o Juqueri num asilo de transição voltado ao cuidado humanizado. Desse processo nasceram o Museu Osório César e a valorização da terapia ocupacional e artística como instrumentos de reabilitação.
Nos anos seguintes, contribuiu para a integração da psiquiatria aos hospitais gerais (como no Hospital do Mandaqui), defendendo uma abordagem biopsicossocial e comunitária. Participou ativamente das discussões que levaram à formulação de políticas públicas inclusivas, enfatizando a saúde mental como parte da cidadania e não apenas como tratamento médico.
Em 2016 publicou o extenso volume História da Psiquiatria no Brasil – Um pouco de São Paulo: estudo de caso (São Paulo, Leitura Médica Ltda.), obra monumental de 1.911 páginas, que reúne documentação e análise sobre a trajetória institucional e política da psiquiatria paulista e brasileira, mesclando narrativa histórica e testemunho pessoal.
Em depoimentos recentes, Pacheco Ferraz tem sublinhado a importância de compreender a história da saúde mental sem heroísmos, como um processo social amplo e plural, no qual a ética, a democracia e o contexto histórico definem os rumos das instituições.
Sua contribuição, ao mesmo tempo científica, administrativa e política, fez dele um protagonista da modernização da psiquiatria brasileira e da transição entre a psiquiatria asilar e a comunitária, entre a formação médica tradicional e a saúde mental cidadã.
