Junho de 2025 – Vol. 31 – Nº 6
Walmor J Piccinini
Este era o título de uma reportagem do New York Times e me despertou para escrever sobre a medicação psiquiátrica em geral. Me formei em Medicina em 1965 e neste ano vou completar 60 anos de profissão. Durante todo o curso de medicina trabalhei como auxiliar, plantonista, interno, esta longa história na psiquiatria me permitiu acompanhar o surgimento e a difusão da medicação psiquiátrica em geral.
Clorpromazina foi descoberta em 1952 e o primeiro trabalho brasileiro foi feito na USP em 1955. A Imipramina (Tofranil) teve seus atributos antidepressivos descobertos por Kuhn em 1958. Em 1960 foi realizado o Copacabana Palace um Simpósio da Geigy sobre a imipramina e vários pesquisadores brasileiros tinham uma casuística razoável do seu uso entre nós. Um pesquisador gaúcho, Luiz Pinto Ciulla apresentou o uso da Imipramina em 40 pacientes. Nos anos 1960-61 foram lançados inúmeros antipsicóticos e antidepressivos. Surgiram os benzodiazepínicos, o Dienpax e ou o Valium, se tornaram companheiros inseparáveis dos sofredores de angústia. Esta euforia medicamentosa sofreu um baque em1961 quando começaram a surgir informações sobre um produto lançado como ansiolítico para mulheres e que se mostrou um terror devido as mal formações nos fetos. Parou tudo, a Food em Drug americana se tornou a grande policial dos novos produtos. Foram estabelecidos critérios mais rígidos para a aprovação de novos produtos. A Clozapina foi relançada com a exigência de controle hematológico, muitos outros produtos saíram do mercado. As grandes empresas farmacêuticas continuaram investindo em novos produtos e dessas novas pesquisas surgiu o Prozac.
O Prozac (fluoxetina) foi aprovado pelo FDA dos EUA para o tratamento da depressão em 1987 e lançado no mercado em janeiro de 1988.Se mostrou eficaz no tratamento da depressão e outros transtornos como ansiedade e TOC. A publicidade era feita em relação aos antidepressivos tricíclicos. Menos efeitos colaterais em comparação com antidepressivos mais antigos. Melhora do humor ao aumentar os níveis de serotonina no cérebro. Disponível em diversas formas (cápsulas, comprimidos dispersíveis e soluções líquidas).
Era a pílula da felicidade, era consumida em massa. No seu primeiro ano de comercialização a Ely Lilly teria faturado um bilhão e 200 milhões de dólares. Seu uso era tanto que alguns diziam que era a pílula da felicidade. Esta lua de mel durou algum tempo, mas médicos cuidadosos começaram a reparar que tinham alguns efeitos colaterais. Por ex.: insônia, náuseas e disfunção sexual. Dependendo da resposta individual poderia causar ganho ou perda de peso. Demorava algumas semanas para começar a ter efeito e para muitos causava dependência física e psicológica.
A psiquiatria sofreu grandes transformações a partir do DSM III que marcou a separação da psiquiatria da influência psicanalítica. Começava o uso de imagens cerebrais, o despertar das neurociências a ponto do presidente americano saudar a década do cérebro.
Num pequeno resumo podemos dizer que o Prozac (Fluoxetina) é um medicamento antidepressivo descoberta nos laboratórios da Eli Lilly and Company em 1972 e seu uso médico data de 1986. Em agosto de 2001 a patente do Prozac expirou em 2001. Aí surgiram os genéricos que baratearam em muito seu custo. Antes de expirar a patente começaram as fórmulas manipuladas com preços muito atrativos. Com isso milhões passaram a utilizar a fluoxetina. Suspeito que muitas destas formulações não continham a fluoxetina e atribuo seu sucesso ao efeito placebo. Penso assim, por assistir seu uso indiscriminado, falta de sintomas secundários e diminuição do apetite sexual que o produto acarretava. É utilizado na forma de cloridrato de fluoxetina, como cápsulas ou em solução oral.
Nos Estados Unidos, em 2006 foram registradas 19 milhões de prescrições genéricas e a colocaram na terceira posição entre os antidepressivos mais receitados após sertralina e o escitalopram. (Wikipedia).
História
“O trabalho que levou à descoberta da fluoxetina começou na Eli Lilly em 1970, com a colaboração entre Bryan Molloy e Robert Rathburn.[6] Era sabido na altura que o anti-histamínico difenidramina tinha alguns efeitos antidepressivos, pelo que o composto 3-fenoxi-3-fenilpropilamina, estruturalmente similar à difenidramina, foi usado como ponto de partida. Molloy sintetizou dúzias de derivados, e os testes dos efeitos fisiológicos destes fármacos em ratos resultaram na descoberta da nisoxetina, um inibidor seletivo da recaptação da noradrenalina amplamente utilizado em experiências bioquímicas hoje em dia.[6] Mais tarde, na esperança de descobrir um derivado que inibisse apenas a recaptação de serotonina, Wong propôs que se voltasse a testar esses compostos in-vitro quanto ao seu efeito sobre a recaptação de serotonina, noradrenalina e dopamina. Este teste, realizado por Jong-Sir Horng em Maio de 1972,[6]mostrou que um composto (mais tarde nomeado fluoxetina) era o mais potente inibidor da serotonina da série.[9]” A Eli Lilly publicou que “Prozac, o primeiro inibidor seletivo da recaptação da serotonina e um fármaco antidepressivo)”, implicitamente afirmando que a fluoxetina era o primeiro inibidor seletivo da recaptação da serotonina (SSRI). Após dois anos, tiveram que publicar uma correção admitindo que o primeiro SSRI era a zimelidina, desenvolvida por Arvid Carlsson e os seus colegas.
Uso indiscriminado. O professor Elisaldo Carlini e colaboradores, publicaram no Jornal Brasileiro de Psiquiatria um artigo sobre o uso inadequado da Fluoxetina.
Fluoxetina: indícios de uso inadequado
Fluoxetine: indications of inadequate use Autoria SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS
OBJETIVO: Investigar o uso da fluoxetina na cidade de Santo André, SP, por meio de coleta e análise das receitas especiais (RE) prescritas por médicos e arquivadas nas farmácias e drogarias daquela cidade. MÉTODOS: Foram coletadas as receitas especiais retidas durante os meses de agosto do ano de 2005 a julho de 2006, em 13 farmácias de manipulação e em 27 drogarias em diferentes regiões de Santo André. Cada receita especial foi analisada em relação à presença de fluoxetina, em associação ou não a outros princípios ativos, e o sexo do(a) paciente foi anotado. RESULTADOS: Foram analisadas 39.782 RE – 16.124 coletadas das farmácias magistrais e 23.658 das drogarias. Desses totais, 10.919 prescrições continham fluoxetina – 9.259 provenientes das farmácias magistrais (84,8%) e apenas 1.660 (15,2%) das drogarias. As prescrições de fluoxetina eram predominantemente destinadas a mulheres (79,8%). Na imensa maioria das RE, a fluoxetina foi prescrita em associação com um grande número de outras substâncias ativas, inclusive anfetaminas anoréticas, chegando a mais de dez outras em quase a metade das prescrições. Esse tipo de prescrição múltipla, principalmente para mulheres, é comparado com as prescrições de fórmulas magistrais para emagrecer, muito utilizadas no Brasil. CONCLUSÃO: Os dados obtidos sugerem que a utilização de fluoxetina teria um fim estético (perda de peso), e não um fim terapêutico (tratamento de depressão). Discute-se a relação risco-benefício desse possível uso, que poderia ser classificado de inadequado dado as conhecidas reações adversas da fluoxetina e a sua interferência no sistema citocromo P450.
Fluoxetina; uso irracional; farmácia magistral; perda de peso; antidepressivo
Por que ainda há perguntas sem resposta?
Por Awais Aftab O Dr. Aftab é psiquiatra e autor de “Conversations in Critical Psychiatry”.
Como todo psiquiatra, tenho pacientes para os quais os antidepressivos são transformadores e até mesmo salvam vidas. Mas também vejo um lado mais confuso e menos divulgado desses medicamentos. Há pacientes com efeitos colaterais sexuais que eles não sabiam que poderiam ser causados pelos antidepressivos porque os médicos anteriores nunca os alertaram. Já tive pacientes que tiveram episódios de mania ou pensamentos suicidas com antidepressivos específicos, e pacientes que não precisam mais tomar os medicamentos, mas sofrem sintomas graves de abstinência quando tentam diminuir o uso. A comunidade médica reagiu com alarme à alegação do Secretário de Saúde Robert F. Kennedy de que seus familiares tiveram mais dificuldade para parar de tomar antidepressivos do que de usar heroína. A Associação Psiquiátrica Americana e outras cinco organizações psiquiátricas declararam recentemente que comparar antidepressivos a drogas da Tabela I, como a heroína, era “enganoso” e enfatizaram que os antidepressivos são “seguros e eficazes”. Mas alguns pacientes ouviram os comentários do Sr. Kennedy e sentiram que alguém em uma posição de poder estava finalmente falando por eles. Em fóruns on-line dedicados a ajudar as pessoas a parar de tomar antidepressivos, como o Surviving Antidepressants, os pacientes descrevem que ficaram “desfeitos” e passaram por um “inferno puro” na tentativa de parar de tomar a medicação. Eles veem no Sr. Kennedy alguém que está atento à gravidade de seus problemas, após anos de negligência da comunidade médica, e não importa para eles que suas experiências sejam relativamente raras ou que o movimento de saúde do Sr. Kennedy, que desconsidera a ciência e adota a ideologia antivacina, provavelmente não servirá aos melhores interesses dos pacientes. Os inibidores seletivos de recaptação de serotonina, ou ISRS (a forma mais comumente prescrita de antidepressivo), foram originalmente estudados para uso de curto prazo e foram aprovados com base em testes que duraram apenas alguns meses. Mas as pessoas rapidamente começaram a tomar os medicamentos por longos períodos. Agora, é provável que os pacientes continuem tomando antidepressivos por anos, até mesmo décadas. Daqueles que tentam parar, estimativas conservadoras sugerem que cerca de um em cada seis sofre abstinência de antidepressivos, com cerca de um em cada 35 apresentando sintomas mais graves. Estima-se que a abstinência prolongada e incapacitante seja muito menos comum do que isso. Ainda assim, em um país onde mais de 30 milhões de pessoas tomam antidepressivos, complicações relativamente raras podem afetar milhares de pessoas.
É por isso que é uma farsa que, quase quatro décadas após a aprovação do Prozac, não haja um único ensaio clínico randomizado e controlado de alta qualidade que possa orientar os médicos na redução segura dos antidepressivos em pacientes. A falta de pesquisa também significa que as diretrizes oficiais dos EUA para o assunto são escassas. Não é nenhuma surpresa que os pacientes tenham recorrido a comunidades on-line para descobrir estratégias por conta própria, às vezes cortando os comprimidos em frações cada vez menores para reduzir gradualmente a dose ao longo de meses e anos. Para muitos pacientes, vale a pena começar a tomar antidepressivos. Há fortes evidências de que os antidepressivos são mais eficazes que o placebo, especialmente para uso a curto prazo. Mas, como acontece com a maioria dos medicamentos, a eficácia dos antidepressivos varia de pessoa para pessoa. Quase um quarto a um terço dos pacientes notaram que sua depressão melhorou consideravelmente ou até mesmo desapareceu após iniciar a medicação, mas uma proporção semelhante não apresentou nenhum benefício real mesmo após experimentar vários tipos de antidepressivos. Dado o uso rotineiro e prolongado de antidepressivos, precisamos de mais pesquisas para saber se os efeitos de um medicamento desaparecem com o tempo ou se alguns pacientes sofrem mais danos com o uso prolongado do que outros. Mas é improvável que as empresas farmacêuticas façam essa pesquisa: elas não têm obrigação regulatória de estudar essas coisas, tais estudos são caros de conduzir e resultados desfavoráveis podem prejudicar a reputação de um medicamento. Enquanto isso, o financiamento federal priorizou a pesquisa básica sobre as causas das doenças mentais ou o desenvolvimento de medicamentos, em vez dos tipos de questões que surgem na prática médica, como como aliviar os efeitos colaterais sexuais dos medicamentos.
Pacientes que param de tomar antidepressivos tendem a ter mais probabilidade de sofrer uma recaída nos sintomas de depressão do que pacientes que continuam a usá-los. Mas será que isso acontece porque a depressão subjacente está retornando ou porque eles estão em abstinência? Pode ser difícil saber. Um dos melhores estudos descobriu que 39% das pessoas que continuaram tomando antidepressivos apresentaram piora da depressão ao longo de um ano, em comparação com 56% das que pararam de tomar antidepressivos. Para muitas pessoas, uma diferença de 17 pontos percentuais no risco de depressão vale a pena continuar tomando um medicamento. Para outros, pode não ser, especialmente se apresentarem efeitos colaterais significativos dos antidepressivos, como incapacidade de atingir o orgasmo, embotamento emocional e ganho de peso. Por outro lado, muitos dos meus pacientes com problemas de depressão e ansiedade de longa data relatam sentir-se mais resilientes mentalmente e mais capazes de lidar com o estresse enquanto tomam antidepressivos. Nesses casos, fico feliz que eles continuem usando a medicação em longo prazo. O presidente Trump emitiu recentemente uma ordem executiva solicitando a criação de uma comissão sobre doenças crônicas, liderada pelo Sr. Kennedy, que, entre outras coisas, investigaria a “ameaça” representada pelos ISRSs aos jovens. A comissão deve entregar um relatório inicial neste mês. Como muitos outros médicos, tenho reservas quanto à capacidade do governo de estudar rigorosamente os tratamentos, dado seu histórico de desconsiderar evidências médicas e a preferência do Sr. Trump em atribuir funções de liderança com base na lealdade ideológica em vez de credenciais científicas. Com o National Institutes Health financiado por cortes de pessoal e subsídios paralisados, as organizações privadas de financiamento de pesquisas precisam se mobilizar e tornar o estudo da segurança de medicamentos uma prioridade de pesquisa. O público merece conselhos sobre medicamentos psiquiátricos que não oscilem entre o estupor e o alarmismo. Os antidepressivos, assim como todas as intervenções médicas, apresentam benefícios e desvantagens. Se a psiquiatria se recusar a se envolver seriamente com as preocupações dos pacientes, se o mantra “seguro e eficaz” for tudo o que estiver disposta a dizer publicamente, ela perderá credibilidade. Não podemos ignorar aqueles cujas vidas foram prejudicadas por medicamentos psiquiátricos.
Esta era política revelou que os injustiçados preferem destruir o sistema do que tolerar um sistema que não reflete suas realidades cotidianas. A questão é se a comunidade médica atenderá a essa demanda com humildade e transparência científica — ou deixará a conversa para aqueles dispostos a explorar o sofrimento de indivíduos vulneráveis para seu ganho pessoal e político.
(A admirável felicidade do mundo novo e a intolerável violência da velha psiquiatria)
Rev. Conjunt. Saúde. 1994- Paulo Amarante