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Outubro de 2013 - Vol.18 - Nº 10
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

 

Outubro de 2013 - Vol.18 - Nº 10

História da Psiquiatria

OS CRIMINOSOS DE GUERRA O CASODE RUDOLPH HESS*

Walmor J. Piccinini

Muito se fala no conservadorismo do professor Antonio Carlos Pacheco e Silva (1898-1988), suas opiniões sobre eugenia, imigração e sobre política em geral recebe críticas de muitos. Por outro lado, ele era um homem de opinião e deixou publicadas muitas das suas conferências. Do seu livro “Palavras de Psiquiatra” publicado em São Paulo, 1950. ( Livraria Civilização Brasileira) extraímos o texto de uma conferência*  realizada na IV Semana Paulista de Medicina Legal, em homenagem ao Professor Flamínio Fávero, por motivo do transcurso do 25º. Aniversário de regência na Cátedra de Medicina Legal em dezembro de 1948.

Em julho de 2004 Psiquiatria Online (http://www.polbr.med.br/ano04/wal0704.php) publicou uma curta biografia sobre a vida e realizações do ilustre professor e psiquiatra paulista.

 

 

 

OS CRIMINOSOS DE GUERRA O CASODE RUDOLPH HESS*

                                                                                                                               A.C. Pacheco e Silva

    Havendo regressado a pouco da Europa, onde visitei vários países e tive contato com um grande número de médicos que participaram do Tribunal de Nuremberg e que examinaram muitos dos que foram chamados a responder pela sua conduta durante a guerra, pude ler e examinar muitos dos documentos apensos aos processos dos quais resultou a condenação de vários criminosos de guerra.

    Penso que ainda não se deu a necessária divulgação a esses documentos e que o mundo não tem ainda uma ideia nítida dos horrores praticados pelos que, convencidos de que pertenciam a uma raça superior, se arrogaram o direito de praticar no resto da humanidade, uma série de experiências das mais bárbaras e cruéis, sob o pretexto de fazerem progredir a Ciência.

                           O GENOCÍDIO

    Na Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1946, foi aceita a denominação genocídio para classificar uma série de crimes hediondos praticados pelos hitleristas e fascistas.

    Milhões de homens, mulheres e crianças foram aprisionados, perseguidos e torturados, encerrados em campos de concentração, levados para as câmaras de gás ou condenados à morte lenta, acompanhada dos maiores sofrimentos, pelo único crime de pertencerem a um grupo racial ou religioso, ou ainda por defenderem, intransigentemente, a sua pátria contra a invasão do inimigo, disposto a aniquilar e a exterminar os que não pertenciam a sua grei.

    Só os que pertenciam à raça de super- homens tinham o direito à vida e deveriam desfrutar os benefícios da civilização. Isso lhes assegurava o direito de calcar sob os pés os demais grupos humanos constituídos de indivíduos colocados num plano inferior na escala zoológica, razão pela qual procuravam justificar um sem número de experiências bárbaras, as quais provocavam frequentemente a invalidez, quando não a morte.

    Não me vou ocupar de todos esses crimes dos representados pelo cerceamento da liberdade de decidir da sua própria sorte, de viver de acordo com as suas ideias. Não me ocuparei da opressão, da destruição de tesouros artísticos, de bibliotecas e de tudo quanto engrandece a alma de um povo, para me limitar aos crimes dos quais participaram, eu o digo com tristeza e amargura, os nossos colegas médicos, muitos dos quais haviam alcançado posição de grande destaque na medicina mundial.

               O CRIME DAS MULTIDÕES

    Em vários períodos tumultuários da história se tem registrado crimes coletivos, consequentes à deflagração súbita e incoercível de paixões. É sabido que em determinadas condições psicológicas, massas humanas, constituídas por um aglomerado de indivíduos pacíficos, incapazes de, individualmente praticar o menor delito, podem praticar atos criminosos e de vandalismo. Essa tendência sádica das multidões já mereceu estudos de grandes pensadores e sociólogos, como Tarde, Sieghele, Gustavo Le Bom e outros, os quais analisaram as raízes psicológicas dessas reações, que deflagram periodicamente, tanto nos centros mais civilizados, como nos menos adiantados do mundo.

    As revoluções sociais, os linchamentos, os saques, e as destruições têm sido registrados em toda a parte. Cite-se, como exemplo, o que ocorreu ainda este ano entre nós, quando a população de São Paulo, revoltada contra o aumento das passagens nos veículos de transporte, num assomo de vandalismo, destruiu e incendiou vários ônibus e bondes, esquecida de que o próprio povo seria o mais prejudicado com essa atitude condenável e absurda. Tais crimes se caracterizam, entretanto, por uma ausência completa de premeditação e de combinação entre os agentes, que agem de imprevisto, numa explosão súbita e cega, que se desencadeia bruscamente de forma incontida.

                                           A CRIMINALIDADE NAZISTA

    A criminalidade nazista, entretanto, difere dessa forma de criminalidade coletiva e teve seus característicos próprios, únicos talvez na história. Assim é que se revestiu de grande amplitude, envolvendo uma grande população que agiu de forma premeditada, atingindo extensão nunca vista, após longa e cuidadosa preparação, realizada com método científico por homens adredemente preparados e adestrados, que se encarregaram de preparar as massas, após longa educação, iniciada já em tenra idade.

    Tal preparação foi elaborada, desde o início com o propósito de afastar todos os sentimentos humanos que pudessem impedir o domínio pelo terror e pelo pânico, para que os objetivos em mira fossem alcançados rápida e totalmente. A guerra de nervos, o estudo da psicologia dos povos a dominar, os fuzilamentos em massa, a morte nas câmaras de gás, as torturas pela fome e pela sede, o aproveitamento dos cadáveres humanos, tudo se fez por um grupo de pessoas que, na sua execução revelaram o mais completo domínio sobre as emoções, a mais absoluta convicção de que estavam realizando atos perfeitamente lícitos e justificados, atendendo a circunstância de povo superior e eleito, fadado a dominar o mundo, fossem quais fossem os meios a empregar.

                                                EXPERIÊNCIAS EM “Anima Nobile”

     Um dos acontecimentos mais terríveis e trágicos registrados na história desta guerra, já de si atroz, foram às experiências realizadas pelos médicos nazistas sobre indefesos prisioneiros, entregues à sua sanha sanguinária eivada de sadismo. Homens, mulheres e crianças, deportados políticos e raciais, sobretudo israelitas, foram utilizados para as mais variadas experiências, conforme mostram os Arquivos do Tribunal de Nuremberg.

    Foram, em resumo, devidamente esclarecidos e comprovados pelos diversos cientistas e técnicos encarregados de apurar a natureza desses crimes, os seguintes: A inoculação de febre tifoide, feita em circunstâncias absolutamente injustificáveis e contrárias a todos os princípios da ética profissional, em indivíduos desnutridos e em condições de saúde assaz precárias, em virtude do regime de carência alimentar em que viviam.

    Tentou-se inocular o câncer, utilizando-se para isso de todos os meios suscetíveis de tornar o organismo humano sensível ao desenvolvimento de neoplasias.

    Foram provocadas queimaduras de 1º. E 2º. Graus, recorrendo-se aos compostos de fósforo com o objetivo de estudar o efeito cicatrizante de vários preparados.

    Com o propósito de verificar a dose mortal de algumas substâncias, várias pessoas foram compelidas a ingerir tóxicos de diversas naturezas e assim envenenadas.

    Muitas pessoas foram sacrificadas em experiências tendentes a estudar o efeito dos antídotos desses mesmos venenos.

    Várias pesquisas foram realizadas no campo das infecções para o que não trepidaram os nazistas em proceder a injeções de substâncias piogênicas. Numerosos estudos relativos à vivisseção e à cirurgia experimental sobre os seguintes órgãos: tireoide, estômago, intestinos, ressecção dos músculos, etc. levaram muitas pessoas à invalidez ou à morte, em consequência de operações desnecessárias a que foram submetidas.

                                          EXPERIÊNCIAS DE ESTERILIZAÇÃO

    Dentre as inúmeras experiências “in anima nobile”, as que mais impressionam, pelo requinte de atrocidade com que foram realizadas figuram as referentes à esterilização, tanto no homem, como na mulher. Tais experiências que não tinham qualquer objetivo eugênico eram levadas a efeito sobre indivíduos perfeitamente hígidos, tanto do ponto de vista físico, como mental, dando-se preferências, na escolha dos chamados “cobaias humanas”, aos isentos de taras. A esterilização no homem se procedia pela radioterapia profunda, pela ligadura dos cordões espermáticos e ainda pela injeção intratesticular de substâncias esclerosantes.

    As condições de realização de tais experiências excedem a tudo quanto à imaginação humana poderia conceber: jovens de 15 a 35 anos eram obrigados a expor as bolsas escrotais à ação dos raios X, durante 6 a 8 minutos diários, tendo os autores destes bárbaros processos o cuidado prévio de verificar se os testículos se encontravam nas bolsas e não escondidos no canal inguinal. Foram observados no curso de uma série dessas experiências, 21 casos de radiodermite, em consequência destas aplicações. Os jovens, após a esterilização eram reconduzidos para os campos de concentração, mas continuavam sob forte observação.

    Com o método e o rigor com que os alemães costumam realizar as suas pesquisas científicas, procederam depois, a um estudo sobre a ereção, as poluções noturnas, as desordens do metabolismo, os distúrbios da memória, da atenção, da conduta e do caráter, etc. após a esterilização. Os cientistas autores dessas experiências desumanas procuravam verificar o tempo de sobrevivência dos espermatozoides nas vesículas seminais e, para isso obrigavam os jovens esterilizados a se masturbarem para obter o sêmen. Se o jovem a isso se recusava, era logo submetido a uma massagem prostática, por meio de um aparelho compressor, movido por uma manivela, o qual, introduzido no reto, provocava dores horríveis.

    Os alemães, ao pressentirem a aproximação das forças aliadas, tratavam logo de destruir o arquivo e o material recolhido no curso das experiências; contudo, os médicos aliados lograram encontrar abundantes provas das experiências criminosas levadas a cabo. Assim é que, só num instituto de pesquisa, foram encontrados 54 preparados histológicos, feitos com testículos e epidídimos de prisioneiros esterilizados.

    A esterilização das mulheres era realizada por meio de raios X, pela ligadura das trompas, por injeções intrauterinas e ainda pela castração primitiva ou para controle após a radioterapia. Essas práticas foram efetuadas em grande escala, sendo que no Tribunal de Nuremberg se comprovou terem sido esterilizadas, numa só vez, 100 gregas; 110 belgas; 200 francesas; 240 holandesas; 12 polonesas e 50 outras mulheres de diferentes nacionalidades.

    Os focos de raios X eram dirigidos sobre os ovários, que eram assim queimados. Em seguida a uma dose exagerada de raios X, o abdômen de muitas jovens se apresentou com graves queimaduras. Muitas sucumbiram após estas experiências. Com o propósito de verificar os efeitos dos raios X, várias jovens foram submetidas à histerectomia total, acusando logo após sinais de envelhecimento precoce.

    A selvageria dos cirurgiões alemães, que se dedicavam a tais estudos, era tal que, muitas vezes deixavam de fechar o abdômen das operadas. Até meninas ainda no início da puberdade, foram submetidas a essas crueldades, a fim de se observarem as modificações operadas posteriormente no desenvolvimento físico e psíquico.

          EXPERIÊNCIAS SOBRE A TERMOREGULAÇÃO DO CORPO HUMANO

    No arquivo pessoal de Himler foram encontrados importantes documentos concernentes a tais pesquisas, as quais foram perfeitamente esclarecidas nos relatórios franceses dos Drs. Dubenest e Dubost, apresentados em Nuremberg.

    As experiências do Dr. Rascher, que foi encarregado desses trabalhos, eram realizadas de preferência sobre judeus, padres católicos estrangeiros e acusados de crimes políticos. A maioria dos que foram submetidos a elas não lograram sobreviver aos seus sofrimentos.

    O Dr. Pacholleg, médico holandê3s, testemunha ocular dessas experiências, em seu minucioso relatório, conta que as pessoas sujeitas a tais experiências pareciam alienados, arrancavam os cabelos, dilaceravam as carnes com as unhas, atiravam-se de encontro às paredes, até caírem extenuados, morrendo em meio dos mais horríveis sofrimentos.

    Ao resfriamento que era conseguido mergulhando-se o paciente em água fria ou gelada, até o abaixamento da temperatura do corpo a 30º. C. (temp. anal) seguia-se o aquecimento por vários processos.  Essas últimas experiências foram seguidas de perto por Himmler, Goering e até pelo Feldmarschal Milch, os quais revelavam grande interesse nos resultados. Muitos fisiologistas, biologistas, médicos e cirurgiões de renome universitário se dedicaram a essas experiências.

    Uma importante organização, denominada Sociedade de Pesquisas e de Ensino sobre a Herança Ancestral, se constituiu para orientar as pesquisas sobre “cobaias humanas”. Várias firmas farmacêuticas alemãs adquiriram mulheres para a realização de experiências. O preço de venda dessas infelizes variava entre 170 a 200 marcos e as vendas se faziam em lotes.

    Os ossos e resíduos dos sacrificados nas câmaras de gás eram vendidos às fábricas de produtos químicos e adubos.  No Instituto anatômico de Dantzy se fabricava sabão com gordura humana.

    Em Nuremberg foram apresentados documentos relativos à destruição de uma coleção de 150 esqueletos de judeus, preparados pelo Dr. Hert, Diretor do Instituto para Pesquisas Científicas Militares de Ahoreneberg em Strasbarg. Os diversos esqueletos, de tamanhos diferentes, foram escolhidos em vida, procedendo-se logo depois ao sacrifício das vítimas para a preparação dos ossos.

                                     MATAR PRIMEIRO A ALMA DEPOIS O CORPO

    Nos campos de concentração, onde viviam na mais sórdida promiscuidade, prisioneiros de diversas raças e idades se alimentavam precariamente de refeições onde só entrava couve, beterraba e feno. Havia ausência absoluta de proteínas e de açucares. O sal era ministrado, sobretudo aos judeus, com grande parcimônia. Os alemães acusavam os judeus que se ocupavam nas minas de sal de trabalharem muito lentamente, por isso se vingavam privando-os desse condimento.

    Era preciso enfraquecer os prisioneiros física e moralmente, para que não reagissem e se submetessem a tudo. Por isso procuravam matar primeiro a alma, depois o corpo, para que a morte não se desse entre manifestações de heroísmo, o que seria no entender deles profundamente ofensivo aos tribunais que condenavam e aos carrascos que executavam.

    Os prisioneiros privados de alimentos, torturados, submetidos a trabalho exaustivo, durante horas a fio, emagreciam rapidamente e faziam lembrar os aspectos dos hindus, com seus ossos à mostra. Os alemães os apelidavam de muçulmanos, ridicularizando seu aspecto. Esses infelizes não tardavam a adoecer gravemente, atacados de fleimões, congestão pulmonar e de edemas de fome. Eram então mortos a golpes de machado ou encerrados nas câmaras de gás.

    Algumas cifras bastam para mostrar o número de vítimas sacrificadas: 1.500.000 em Maidamcek; quatro milhões em Auchwitz.

    A fim de levar a cabo os métodos de degradação moral, os alemães escolhiam, entre os prisioneiros tarados, os administradores dos campos de concentração, dando-lhes completa autoridade e exacerbando-lhes o vício com recompensas por seu sadismo e habilidade em abater o moral dos prisioneiros. Os SS encorajavam todas as brutalidades.

    Sob a ação do álcool, os “proeminentes”, como eram denominados os chefes de blocos, se entregavam à prática de atos sádicos, praticando toda a sorte de atrocidades.

    O Ministro Hilman, por exemplo, foi preso como um cão e obrigado a partilhar a comida de um cachorro, tendo presa uma coleira ao pescoço. Padres católicos foram obrigados a mergulhar as cabeças em cloacas cheias de matéria fecal, sob pena de terem o rosto fustigado com chicotes de arame.

                NIETZSCHE E OS SUPER-HOMENS

    Como explicar a prática de crimes tão monstruosos, cometidos não pela iniciativa individual, mas, sim sistematicamente, por um grupo de fanáticos, portadores de um messianismo doentio, um egocentrismo mórbido. Ao se estudar a psicologia do nazismo, verifica-se quão grande foi à influência exercida, pelo filósofo alemão Frederico Guilherme Nietzsche sobre a mentalidade dos chefes alemães.

    Como é sabido, Nietzsche pregava a existência de super-homens, que não deveriam se subordinar aos ditames dos preconceitos, tradições e leis adotadas pela sociedade em todos os tempos, para se deixarem levar tão somente pelo seu dinamismo realizador e construtivo.

    Na sua “Genealogia da Moral” insistiu na necessidade de uma revisão de valores, ensinando que, na formação do super-homem, cumpria não titubear ante os preceitos da moral.

    No “Assim falava Zaratustra” encontram-se os fundamentos das teorias defendidas por Hitler e seus asseclas.

    Nesse livro, que era um verdadeiro catecismo da juventude alemã, Lê-se: “O homem superior, o nobre, o recomendável, o bom, é o guerreiro com suas virtudes brutais. O nobre é aquele que não conheceu o medo – que está pronto, não importa qual for a causa, a arriscar a vida, mesmo em combate desigual. O nobre é o dominador que não teme nem o assassínio, nem o incêndio, nem o roubo, nem o estupro.  O nobre é o personagem de coração duro, que se compraz ante o sangue derramado na execução dos inimigos vencidos, na vingança entre as lágrimas das mulheres e as lamentações das crianças. O nobre é o ardente Aquiles, é o divertido Sigfried, que nada detém e que de trombeta aos lábios, vai de conquista em conquista, de batalha em batalha, de destruição em destruição,sem outra regra senão a fantasia, lança-se à luta, armado apenas de seu capacete, sua boa espada e sua couraça.”

    O ariano orgulhoso de sua superioridade deveria dominar todas as demais raças, tidas como inferiores.

    Impunha-se a qualquer preço, a hegemonia alemã. Para tanto, todos os meios deveriam ser considerados lícitos, todos os processos terroristas ou não legítimos, de vez que de sua aplicação resultasse o domínio dos outros povos.

    O fim visado por Hitler, e que ele deixava bem patente nos seus discursos, era o de conduzir a humanidade a uma civilização superior, o que exigiria a destruição das raças inferiores, sobretudo das que tentassem se opor a seus planos. Animados pelo orgulho da sua raça e pela ambição de poder e de mando, os nacionais socialistas se arrogaram o direito de alcançar os seus fins, eliminando todo e qualquer escrúpulo, pois Hitler proclamava que o sucesso justifica o direito do indivíduo.

    O povo alemão convenceu-se de que os seres inferiores deviam desaparecer porque impediam o progresso da humanidade. Ensinaram-lhe que ser piedoso era sinônimo de ser fraco. Para que se familiarizasse com o crime, tiveram a habilidade de neles cultivar o sadismo.

    Um dos teóricos desse movimento foi o escritor alemão Envers que, no seu livro “O aprendiz de feiticeiro”, de larga divulgação na Alemanha nazista, ensinava diabolicamente processos hediondos para se dominar e quebrar todas as resistências físicas e morais.

    Como disse Desoille, “A Alemanha nazista, embriagada de orgulho, ávida de provar ao mundo a sua superioridade, ouviu na voz do Fuhrer o apelo de Nietzsche, conclamando-os a demonstrar que o mal é a melhor e a maior força do homem”.

Para por em prática esse programa e encontrar homens capazes de executar tais ideias, era preciso reunir um grupo de anormais, perversos e psicopatas, destituídos do menor senso moral, alimentados por um messianismo mórbido e dotados de excepcional capacidade de proselitismo”.

    Um exemplo perfeito desse tipo de homem que em virtude de circunstâncias muito especiais pode ser estudado durante largos anos nos é dado por

RUDOLPH HESS

    O caso de Rudolph Hess constituiu, sob múltiplos aspectos, um caso digno de ser estudado porquanto,sobre ser extremamente complicado, deu lugar a múltiplos debates, não só no tocante ao diagnóstico, como ainda sob o aspecto médico-legal.

    Em recente e curioso livro, o Dr.J.R.Rees reuniu as observações realizadas por todos os médicos que o observaram e uma série de documentos cuja leitura permite formular-se um juízo sobre o estado mental desse tipo curioso, cuja sensacional decida de paraquedas na Inglaterra em plena guerra, empolgou o mundo e colocou os grandes chefes militares ante um enigma difícil de ser decifrado.

    Tratar-se-ia de um simulador, tendo uma missão secreta a cumprir? Seria um doente mental, acusando ideias místicas e messiânicas, como assoalhavam os chefes alemães, logo após a sua espetacular aventura?

    A posição destacada que Hess ocupava no partido a que pertencia,  a sua ação nos primeiros anos de guerra, a sua intimidade com Hitler, de quem sempre fora dedicado e eficiente colaborador, e dada as condições em que desceu na Inglaterra cercavam a sua pessoa de um mistério impenetrável, que a publicação do Dr. J. Rees veio elucidar definitivamente.

    Para bem se julgar das condições psíquicas de Rudolph Hess e dos móveis que o levaram a abandonar a sua Pátria no mais aceso da contenda, para descer em território inimigo, devemos recordar sumariamente alguns fatos.

Um paraquedista misterioso

    Já se haviam passado 20 meses de guerra. A Alemanha vitoriosa dominava grande parte dos países vizinhos.  A França havia capitulado após fraca resistência. A Inglaterra estava em situação aflitiva, sob ação de intensos bombardeios aéreos que já haviam destruído grande número dos edifícios das suas maiores cidades. Os londrinos tinham de suportar, todas as noites, toneladas de bombas de grande poder destrutivo. Na noite de 10 de maio de 1941, Londres sofreu um dos mais violentos ataques aéreos da sua história. A cidade foi grandemente devastada e registraram-se várias centenas de mortes e milhares de feridos. Os alemães também pagaram pesado tributo, tendo os caças ingleses e a defesa antiaérea da cidade abatido 33 aviões de bombardeio.

    Na manhã de 11 de maio, um paraquedista misterioso lança-se na Escócia, de bordo de um Messerschmitt. É logo capturado e ao ser interrogado declara ser o CMT Horn, mas é desmascarado imediatamente e identificado como um dos chefes nazistas – Rudolph Hess.

    Relata então complicada história, alegando ter ido a Inglaterra à procura de um seu amigo – o Duque de Hamilton – com quem entrara em entendimentos para, após combinação com o rei da Inglaterra, estabelecer a paz com a Alemanha, para em seguida  ambos os países voltarem-se imediatamente contra a Rússia, cujos exércitos começavam a constituir um perigo para a Europa.

    Os alemães não tardaram a confirmar a fuga de Hess, alegando que este, já de há muito vinha denunciando sinais indicativos de estar atacado das faculdades mentais, exteriorizando planos disparatados, fruto de alucinações e ideias delirantes místicas e messiânicas. Fato é que, algumas semanas depois, algumas das afirmações de Hess foram confirmadas, com a invasão, a 22 de junho do mesmo ano, da Rússia pelos alemães.

    Os médicos ingleses chamados a examinar Hess suspeitam desde logo estar ele perturbado, entretanto, dada a responsabilidade que lhes assistia, limita-se a dar informações vagas, sem fazer afirmações categóricas. Ele permaneceu alguns dias recolhido ao Hospital Militar de Drymeu, sendo depois removido para a torre de Londres, onde também permanece pouco tempo, para ser transportado para Mytchett Place, onde fica por longo tempo até ser conduzido para Maindiff Court.

História Pregressa de Hess

    Hess nasceu em Alexandria, no Egito, a 26 de abril de 1896, filho de pais alemães. Dos seis aos doze anos de idade, frequentou a escola alemã, em Alexandria, quando foi enviado para a Alemanha, onde estudou no colégio Evangelista, em Godesberg durante três anos.

    A princípio manifestou o desejo de estudar ciências matemáticas, mas seu pai queria fazê-lo comerciante. Assim, aos 15 anos ingressou na Escola Superior de Comércio, em Neufchatel, na Suíça. Um ano depois foi a Hamburgo a fim de praticar no comércio.

    Declarada a guerra de 1914, Hess inscreve-se com grande entusiasmo no 1º. Regimento de Infantaria Bávaro. Foi ferido duas vezes, numa das quais, gravemente atingido no tórax, teve o comprometimento dos pulmões. Em fins de 1918, Hess inscreve-se no partido nacionalista, revelando-se desde logo um antissemita ardoroso. Apaixona-se pela Geopolítica e pelas ideias de Karl Hanshofer, cuja influência sobre ele passou a ser dominante, como ele próprio reconhecia e proclamava.

    Após assistir a um discurso de Hitler, mostrou grande entusiasmo pelo partido nazista, do qual se tornou logo um dos chefes mais dedicados e convictos, declarando que Hitler era um grande líder que salvaria a Alemanha do caos que a ameaçava.

    Com a ascensão de Hitler ao poder, Hess é chamado a assumir cargos de grande importância. Foi ele o autor da supressão da liberdade de pensamento na Alemanha e, na qualidade de Ministro Conselheiro da Defesa do Reich, assinou a legislação anti-sionista.

    Membro do gabinete secreto de Hitler, sobre este exerceu grande influência, pois a sua opinião era sempre ouvida e acatada pelos seus conselheiros.

    Místico, fóbico, crédulo, desconfiado, Hess acusou ideias delirantes de perseguição, praticou, na prisão, duas tentativas de suicídio e acusou crises abdominais as quais foram catalogadas como pitiáticas pelos seus médicos assistentes.

    Atravessou dois largos períodos de amnésia histérica, por alguns, consideradas como fruto de simulação.

    Por ocasião do seu julgamento dramático no Tribunal de Nuremberg, havia sido submetido anteriormente a uma série de exames psíquicos, dos quais se encarregaram os mais célebres especialistas, sendo três russos, três americanos, três ingleses e um francês.

    Os três russos - Eugenio Krasnushkin Professor de Psiquiatria em Moscou; Eugenio Sepp, Professor de Neurologia em Moscou; e Nicolas Kurshakow, Comissário de Saúde Pública da URSS, e o Professor Delay, de Paris, concluíram tratar-se de um tipo misto de personalidade psicopatica, não sendo ele insano no sentido estrito da palavra.

    Aconselharam, para perfeito esclarecimento do caso, o emprego da narco-análisis. Entretanto, Hess opôs-se terminantemente a submeter-se ao emprego deste método de diagnóstico e tratamento.

    Os três psiquiatras ingleses, professores Moran, J, R. Rees e G.Riddoch, julgaram-no um tipo místico com ideias paranóide de marcado colorido histérico. Os três americanos, professores Cameron, P. Schroedes e Nolan C Lews apontaram-no com um histérico, com tendência a simulação, que não o eximia da responsabilidade dos atos que praticara.

     O fato das expressões “constituição psicopática” e “reação histérica” serem empregadas com acepções diversas, de acordo com as diferentes escolas psiquiátricas a que se filiavam os alienistas que o examinaram, muito dificultou uma conclusão final diagnóstica.

Advertência à mocidade

     O estudo da psicologia dos nazistas e dos homens que conduziram o povo alemão, culto e civilizado, à completa ruína material e moral, vem demonstrar que não se pode cuidar das ciências em procurar paralelamente aprimorar os sentimentos morais.

    O médico, sobretudo, tem o dever de não se esquecer da nobreza das suas funções que o obrigam a respeitar a personalidade humana sob todos os seus aspectos , não se esquecendo, por um instante sequer, os rígidos princípios da deontologia médica. Belo exemplo nos dá o professor Flamínio Fávero, que alia aos seus primorosos dotes intelectuais, uma elevação moral digna de ser apreciada e seguida por seus discípulos, pois que não perece o nobre ideal que deve animar todo o médico de ciência e magnificência.


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