Dezembro de 2021 – Vol. 26 – Nº 12

João Romildo Bueno

                                                        Se você disser que desafino, amor

                                                        saiba que isto em mim provoca imensa dor

                                                           ……………………………………………………..

                                                         Fotografei você na minha “rolleiflex”

                                                         revelou-se a sua imensa ingratidão…

                                                          (Tom Jobim & Newton Mendonça, 1959)

 

A DÉCADA DE 1960 – Em 1959 …e em 78 rpm…João Gilberto lança “Desafinado” ( na face B – ou A – estava o “Oba-lá-lá”, talvez o título fosse outro, mas o refrão era este ) e 1960 chega como o o início da década que não deveria acabar … Jânio renuncia, o pessoal da ESG não quer o Jango … o Brasil se torna parlamentarista e têm três primeiros ministros : Tancredo Neves, Brochado da Rocha e Hermes Lima … ocorre o plebiscito e em 1963 tudo como d’antes : presidencialismo sob a tutela das forças armadas, principalmente o pessoal da ESG divididos entre dois grupos: os “argentinos” e os “mexicanos” (apud René Armand Dreyfus : “1964 – A conquista do Estado” – 1981) … deu no que deu : Jango foi criar “gado” no Uruguay e…

Em 1966 surge a ABP …

Um passo atrás: em 1951 cria-se o CNPq e seu primeiro presidente o Almte. Álvaro Alberto Motta e Silva está mais interessado em transformá-lo em um órgão do “estado maior”, voltado para a “defesa” e a “energia atômica” (vide desdobramentos como o ARAMAR e suas relações anteriores com o CENIMAR…)

Mas, como observou José Pelúcio Ferreira, o lado de fomento à pesquisa não poderia deixar de ser desenvolvido, e não apenas no formato de “bolsas” de formação de “cientistas”, mas também no de incentivo às “publicações científicas” e isto fica claro no relatório de Haiti Moussaché de 1963. (ele, Herman Lent e outros foram “caçados” e cassados em 1969, vide Mario Ulysses Vianna Dias em depoimento sobre o massacre de Manguinhos e com quem por casualidade almocei e jantei várias vezes, não me lembro do que bebemos, whisky, com certeza…) … desculpem-me as citações de amigos, não é cabotinismo, apenas vivi estas coisas para depois contá-las, como o disse melhor o Neruda…

Desta maneira, procura-se nesta década. e por entre os pilares do píer de Ipanema, incentivar a cultura científica em nosso meio.

No período anterior que vai de 1940 a 1955 nasceram, floresceram e feneceram diversas publicações médico científicas pelas bandas de Pindorama.

Entramos em 1960 com os “Anais” de sempre: Academia Nacional de Medicina, Academia Brasileira de Ciências, O Hospital, Revista Brasileira de Medicina, a de Higiene e Saúde.

As mais destacadas e acatadas dentro e fora do país eram os Cadernos de Saúde Pública -Manguinhos, a Revista de Saúde Pública – USP, a Revista Bahiana de Saúde Pública.

Na psiquiatria existiam a Neurobiologia, (Arquivos da Clínica Pinel e Psiquiatria que deram origem) a Revista de Psiquiatria Dinâmica,a Revista de Psiquiatria Clínica e, o mais conhecido que era o Jornal Brasileiro de Psiquiatria IPUB.

Desde seu primeiro estatuto, e sempre no capítulo primeiro existe a “disposição estatutária” de publicação de uma revista brasileira de psiquiatria…

A Revista Brasileira de Psiquiatria foi fundada em 1967, ano de aparição de seu primeiro número.

Acontece que o país passava por uma mudança “revolucionária”, a ABP não tinha seu registro no CNPJ – coisa que só se concretizou em 1974 – e, assim a revista foi registrada em nome de Clóvis Martins e tinha como “jornalista-responsável” um seu amigo … A RBP nasceu paulistana …

A novidade tentada por Clóvis Martins foi a de instituir um “corpo editorial” que progrediria para um sistema de revisão por pares – peer review – o que, à época não passava de sonho de uma noite de verão.

Chegou 1968, o ano que não acabou e a RBP continuava firme em seus propósitos e … à cata de artigos originais, coisa rara em nossos meios neste ano de um longo verão…

Mesmo assim, e por cinco anos Clóvis Martins insistiu em sua ideia de ter uma revista com peer review, pronta para indexação … coisa que hoje nem seria “matéria de discussão” … é difícil, por vezes estar-se um pouco à frente de seu tempo …, mas isto já é assunto para a próxima década …

A DÉCADA DE SETENTA – caracoles …esta é uma década do “cacete”!!!…nem deveria “ter existido” …enfim, por ela passamos entre amigos presos, cassados, exilados et caterva…

Vamos por partes: Costa e Silva padece de um acidente vascular cerebral entre julho e agosto de 1969 e dizem que foi por stress continuado exercido pelos militares que desejavam endurecer ainda mais que o proposto pelo AI-5.

Ao final de agosto é declarado “incapacitado” e … Pedro Aleixo, o vice-presidente permanece como “vaca-de-presépio” e em seu lugar assume a MAE – uma mãe sem til – isto é, a JUNTA MILITAR composta pelos ministros da “Marinha”, “Aeronáutica” e “Exército”: Rademaker, Souza e Melo e …Aurélio Lira Tavares: membro da ABL por seus…poemas, escritos sob o apelido (ou seria “codinome”?…) de Adelita …CHOSES DE LA VIE …

O “regime militar” endurece-se e chega ao “ato institucional de número 13″ tudo para deter a “conspiração morfino-comunista” que deseja se apossar de Pindorama …

Costa e Silva morre em dezembro de 1969 e é substituído por Garrastazu Médici – o presidente do “radinho-de-pilha” que expulsou João Saldanha da comissão técnica da seleção brasileira lá colocando Dário ‘peito-de-aço’ e o “mito” Zagalo (mito ou “miração”?…) junto com Cláudio Coutinho e o civil …Parreira – o Brasil ganha o “tri”, tudo é na base do “pra frente Brasil” ou no “ame-o ou deixe-o” … fiquei, para apagar as luzes …

É neste ambiente que a ABP transita e faz sua mudança de estatuto, mantendo a “obrigatoriedade” de editar uma “revista brasileira de psiquiatria” … e é preciso entender o cenário para se compreender o texto …

Nos anos setenta, em pleno “milagre brasileiro” (… que, em minha visão teria sido o de Antonio Conselheiro …) surgiram diversas “publicações científicas” com nomes latinizados ou anglicizados e … patrocinadas por indústrias privadas… neste meio é que a sobrevivência da Revista Brasileira de Psiquiatria deveria se firmar …

Boa lembrança é se reafirmar que a RBP estava registrada em nome de um associado já que a ABP não possuía CNPJ… e, com a concorrência das “revistas científicas” o órgão oficial da ABP torna-se deficitário ,,, déficit é algo que nem um vivente gosta de assumir … o choque tornou-se inevitável : a RBP “deixa de existir”, entra em hibernação lá pelos idos de 1972…muitos de nossos associados tomam posição: uns denominam de “usurpação” o ocorrido, outros se “vitimizam”… em minha visão do alto do Corcovado, todos e nem um estavam certos,,,não se faz uma tempestade perfeita sem condições meteorológicas irretocáveis … em um copo d’água, muito menos …

De 1973 até 1975 nada acontece: a ABP toca seu barco sem nem um arauto … não publica nada, nem anúncio fúnebre …

Em 1976, o zelo exacerbado de David Zimerman, o “primeiro”, também conhecido como “Davizão”, resolve criar um “Boletim de Psiquiatria” que, AO MENOS noticiasse os acontecimentos da ABP e de suas FEDERADAS … na ABP cozinhava-se a grande reforma de estatutos … nas federadas, nada acontecia: o Boletim de Psiquiatria, editado por Márcio Versiani tem vida curta, voo de galinha … só publica o que se passou uns noventa dias atrás: um verdadeiro “necrológico”.

Ao final de 1977, com Ulysses Vianna já presidente e em um evento no Recife realizado como homenagem ao José Lucena, o “boletim” é inhumado e surge o PSIQUIATRIA HOJE – nome proposto por este intimorato beletrista – copiado de um simpósio em que estive presente e realizado em Berlim: SCHIZOPHRENIE HEUTE …  e o muro nem tinha caído…

David havia proposto em 1975 que o nome do órgão oficial da ABP fosse “Revista da ABP”, gentilmente impressa no Rio Grande do Sul, de trajetória errática e sem manter a periodicidade … foram tempos difíceis … per ardua ad astra …

Em 1979, sem a periodicidade desejada e em meio às tormentas da inflação que zuniam às nossas portas, surge a ideia de uma Revista ABP-APAL, para suprir a desaparição da Revista de APAL que era patrocinada pela Janssen … nem os hispano-parlantes se interessaram muito, mas a “cúpula” da ABP tinha veleidades latino-americanas …

Esta aventura dura até a segunda metade dos anos oitenta … coisas de outra década …

OS ANOS OITENTA – Enquanto a ABP se firma, o PSIQUIATRIA HOJE – primorosamente impresso – segue sua trajetória, mas o órgão oficial da ABP: a RBP continua navegando em águas turvas com a carga do nome ABP-APAL … um “carma” sem fim: autores brasileiros publicam “lá fora” ou no JBP-IPUB, os hermanos, muy amigos tentam reanimar a Revista de APAL e, nós, com o fim do milagre brasileiro e em pré hiperinflação vamos tocando…

O “governo Sarney” cria o “plano cruzado”, mais três zeros são retirados de nossa “moeda”, há um intervalo para se tomar fôlego: o Congresso Brasileiro de Psiquiatria em Curitiba, é o primeiro a ultrapassar a barreira dos três mil inscritos … sobra algum dinheiro para as “publicações da ABP”…

A RBP, com o nome “Revista ABP”, liberada da canga representada pelo peso APAL, respira… surgem planos para torná-la “regular” e, em um voo mais alto, publicar artigos em inglês, o idioma dos “imperialistas-exploradores” … coisa impensável dentro da “dialética-marxista” que permeava a psiquiatria tupiniquim…

A Revista da ABP. qual fênix ressurge, mas o PSIQUIATRIA HOJE agoniza, sem patrocínio nem fiadores … e teria desaparecido não fora a abnegação de William Dunningham que o transfere para Salvador, reduz o formato e diminui a qualidade do papel, mas o mantém vivo: episódio pouco conhecido – e reconhecido – na história das publicações periódicas da ABP…

Não falarei da década de noventa …nem menos dos dois mil …

Recuperamos o nome “oficial”; REVISTA BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA, entre 90 e 2000 admitimos os dois idiomas, caminhamos para conseguir as indexações e o fator de impacto…

Nesta trajetória há que se louvar a proposta de Del Porto: revista publicada em inglês e, eventualmente com artigos em português … para compensar: dois suplementos anuais, “temáticos” e totalmente em português e o trabalho incansável de Jair Mari que, a partir de 1999 muda os rumos da RBP … afinal, amigos podem, e devem divergir de minha posição política,

Por hoje é só, aceitem este “opúsculo” como um presente de aniversário, o MEU que entro nos 77, mas com a mesma memória de quando completei 30…nasci aos 7 de agosto de 1938 às onze da manhã e já gritando contra o mundo…

abraços

Romildo

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