Novembro de 2020 – Vol. 25 – Nº 11

Franklin Cunha

 

No livro “História Social da Literatura e da Arte “, Arnold Hauser caracterizou o Dom Quixote como uma oposição entre o ideal e a realidade”.

E Schlegel dizia que o Quixote foi o “Poeta que aboliu as leis da fria razão e nos precipitou no caos de nossa própria natureza”. Por sua vez, Gérard de Nerval dizia que a loucura “É um mal terrível pois faz-nos ver as coisas como realmente são”. E Schelling vinculou “A loucura com a genialidade”.

Maurice Barrès, escritor e político, em 1888 acreditou ter percebido no pintor El Greco “Um espírito dividido entre o gênio e a loucura”. A loucura de El Greco foi um dos mitos criados pelos escritores românticos.

Certos grandes artistas que ficaram loucos, se converteram em personagens de culto:  Marquês de Sade, Hölderlin, Nietzsche, Nerval, Van Gogh, Artaud. O próprio Artaud afirmava que a loucura era uma contestação radical da sociedade de sua época. E, se adiantado à antipsiquiatria, acusava os psiquiatras, representantes – segundo ele – de uma sociedade injusta e criminosa, de “suicidar “seus pacientes.

E parece incrível o que disse Goebbels, referindo-se a Van Gogh: “Em última instância somos todos loucos quando temos uma ideia”.

E numa citação mais prosaica de um intelectual brasileiro: “De perto ninguém é normal” (Caetano Veloso).

Não podia faltar Nietzsche que com um amigo de Freud discutiu longamente as relações da loucura com a genialidade. Assim, o erro de se acreditar que alguns artistas eram gênios por causa de sua loucura, chegou-se, em alguns círculos da área psi, ao erro maior de pensar que a loucura predispunha à genialidade e então passou-se a procurar artistas entre loucos anônimos dos manicômios.

O descobrimento de artistas loucos no auge da psicologia e da psicanálise durante as décadas de sessenta e setenta, produziu uma consequência inesperada e nada favorável para a arte, que foi sua transformação em terapia, útil não somente para as psicoses, mas mais frequentemente para as neuroses. Proliferaram  então, as oficinas  de artes plásticas onde todo o mundo podia frequentá-las  mesmo que não tivesse nenhum talento, porque o objetivo não era o didatismo para quem já tinha aptidões artísticas , digamos inatas, mas, era para liberar os bloqueios emocionais e  para “ realizar-se “.(Ou como expressam certas  figurações metonímicas e  popularescas: “ soltar a franga” ou “ sair do armário “)

Os surrealistas como Breton, consideravam que a loucura não era uma doença e atribuíam aos artistas da “arte primitiva “uma consciente opção de sua loucura a qual lhes outorgava a possibilidade de um livre e voluntário rechaço das convenções sociais. O louco era um “autêntico homem são “e um “renovador cultural “. Enfim, esse raciocínio terminou gerando uma sibilina boutade (mais uma especialização dos surrealistas):

“Não há arte de loucos, como não há arte de dispépticos ou de reumáticos”.

Ficou conhecida em nosso país a história de Arthur Bispo do Rosário Paes (Japaratuba, Sergipe de 1909 – Rio de Janeiro,1989). Bispo foi um artista plástico brasileiro –pintor, tapeceiro, escultor – considerado gênio por alguns e louco por outros. Sua figura insere-se na interpretação de que a infância pobre e o isolamento foram mais importantes que a loucura para moldar seu talento. A partir da valorização de manifestações artísticas de indivíduos com transtornos mentais, Bispo, encerrado durante muitos anos em manicômios “enlouquecedores “, tornou-se conhecido não só por suas obras plásticas, mas também por suas ideias consideradas delirantes e mesmo filosóficas por seus inúmeros interpretadores. A respeito dele disse Ferreira Gullar: “Não é a loucura que faz o sujeito virar artista. Ele é artista e, por acaso, é louco, esquizofrênico”.

Enfim quem conhece Schopenhauer deve se lembrar de sua afirmação tão poeticamente dolorosa:

“A arte é a liberação da dor de viver “.

Sic transit…

 

Franklin Cunha

Ex. – piloto aeronáutico

Ex. – médico realizado

Ex. – escritor irrealizado

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