Fernando Portela Câmara, MD, PhD, Prof UFRJ

Diretor científico do Instituto Stokastos

http://institutostokastos.com.br/

 

Resumo. O comportamento agressivo é aqui abordado em seus fatores psicossociais e evolucionários. Discute-se a agressividade como um fenômeno sociobiológico, sem particularizar para grupos ou situações específicas. O comportamento agressivo é uma expressão do ser humano, como de outras espécies animais, e como tal deve ser compreendido. Por fim, concluímos o assunto com uma discussão bioética sobre as consequências de políticas restritivas sobre o comportamento humano considerado dissocial. Palavras-chaves: comportamento agressivo, agressão, violência, fatores psicossociais, psicologia evolucionária, diversidade.

Summary. The aggressive behavior is addressed in its psychosocial approach and evolutionary perspective. Aggressiveness is discussed as a sociobiological phenomenon, without particularizing for specific groups or situations. Aggressive behavior is an expression of the human being, as of other species of animals, and as such must be understood. Finally, we conclude the subject with a bioethical discussion about the consequences of restrictive policies on human behavior considered to be dissocial. Key words: aggressive behavior, aggression, violence, psychosocial factors, evolutionary psychology, diversity.

 

Vivemos em uma época na qual a sociedade percebe-se acuada e desorientada com a violência que permeia todo o tecido social das mais variadas formas. Isto não significa que estamos vivendo uma era de violência, pois se analisarmos a história veremos que é um fenômeno sociobiológico recurrente. A violência se manifesta em diferentes níveis, e aqui trataremos somente do nível mais primário ou comportamental. O comportamento agressivo não é necessariamente criminoso, quando associado a uma resposta defensiva ou de fuga. É uma característica evolucionária que pode ser controlada.

Neste artigo tratarei dos conceitos básicos necessários ao embasamento de qualquer discussão. Não discutirei a violência organizada com fins políticos e ideológicos, nem de grupos específicos, melhor dizendo os definidos como transtornos psiquiátricos.

Conceito psicossocial

O comportamento agressivo manifesta-se na interação social e é dirigido para causar intencionalmente injúria física ou psicológica a outro indivíduo. A ação pode de física ou verbal. Note que a intencionalidade deve ser necessariamente levada em consideração, pois injúrias acidentais não são geralmente consideradas agressivas. O comportamento agressivo pode ser ofensivo ou defensivo. Neste último caso, El é incidental e deflagrado como autoproteção ou fuga. Sendo a agressão ofensiva disseminada e uma preocupação social premente, trataremos somente desta forma aqui.

O comportamento agressivo não é uma condição médica. Ele pode ser um sintoma em um quadro neurológico ou psiquiátrico, porém isoladamente não é uma doença ou “desvio de caráter”. Se a agressividade decorre de uma condição emocional explicável no contexto da situação, ela é um comportamento esperado, portanto, aceitável dentro de certos limites. O comportamento agressivo propriamente dito é aquele que se manifesta episodicamente sem provocação justificável ou com um mínimo de provocação para o qual a agressão se mostra injustificável.

Não se deve generalizar esse conceito, pois isto pode leva a mal entendidos como, por exemplo, classificar um vendedor no seu oficio como “agressivo” quando na verdade ele está sendo “assertivo”.

Varias tentativas de se estabelecer uma classificação para o comportamento agressivo foram feitas, todas insuficientes devido à heterogeneidade desta condição. Isto levou investigadores a estabelecerem uma distinção entre agressividade em crianças e adultos, no âmbito comportamental. Bem conhecida é a classificação de Feshbach (1964) e Manning et al. (1978) para o comportamento agressivo de crianças: (i) agressão instrumental, usada para obter ou apropriar-se de objetos específicos, posições ou acesso a atividades desejáveis; (ii) hostilidade dirigida unicamente para irritar ou ferir o outro; (iii) jogo agressivo, ocorrendo quando se brinca em uma disputa que então evolui para uma agressão deliberada; (iv) agressão defensiva.

Ticklenberg e Ochberg (1981) classificaram a violência criminal em adultos como: (i) violência instrumental, motivada por um desejo consciente de eliminar a vítima; (ii) violência emocional, impulsividade agressiva motivada por raiva ou medo extremos; (iii) assassinato cometido no decorrer de outro crime; (iv) violência bizarra, crimes insanos, psicopáticos; (v) violência dissocial, crimes de gangues, situações em que o criminoso percebe seu ato como legítimo por aprovação de grupo.

Essas classificações podem ser úteis em certos contextos, por exemplo, os vários tipos de agressão infantil podem ter diferentes cursos de desenvolvimento e também auxilia no histórico de comportamento violento em adultos ou adolescentes.

Outras classificações têm utilidade apenas para fins de pesquisas farmacogenéticas, como a do Research Domain Criteria (RDoC) do NIMH que divide o comportamento agressivo em três tipos: (i) por frustração não recompensada, (ii) defensivo, e (iii) agressão ofensiva e/ou pró-ativa (Veroud et al., 2016). Até agora os resultados foram inconclusivos, não havendo evidência de variantes genômicas que possam ser associadas aos modelos de comportamento agressivo, e sugere-se que os candidatos mais promissores para futuras investigações são os sistemas dopaminérgicos e serotonérgicos, juntamente com reguladores hormonais (Veroud et al., 2016). Outros grupos dividem o comportamento agressivo em (i) agressão afetiva e (ii) agressão predatória e têm acumulado evidências de inibição de ambos os tipos de comportamento por fibras serotoninérgicas da via mesoestriatal sobre a amígdala medial (Pucilowski e Kostowski, 1983). Suspeita-se que existam populações de receptores de serotonina em diferentes regiões do cérebro que modulam preferencialmente tipos específicos de comportamento agressivo, em interação com outros fatores (Takahasi et al., 2012).

Fatores predisponentes

Alguns pesquisadores consideraram a agressão como unicamente dependente de fatores emocionais, outros a consideraram como espontânea, uma forma de expressão que inevitavelmente segue o seu curso. No entanto, nenhuma dessas opiniões é completa sem levar em consideração fatores biológicos, além dos psicossociais. É bem estabelecido que em muitas espécies a tendência de mostrar comportamentos agressivos varia com a condição hormonal (v. p. ex. Svare, 1983), e um debate considerável sobre os mecanismos endócrinos e neurais envolvidos pode ser encontrado na literatura, mas sem conclusões empiricamente consolidadas.

O comportamento agressivo não é exclusivamente induzido, nem exclusivamente biologicamente gerado. É ainda comum afirmar-se que a excitação nervosa e a agressividade estão associadas, e que a agressão seria uma forma inadaptada de descarregar essa tensão, hipótese que não se apoiava em fatos empíricos (Berkowitz, 1962). Outra afirmação também antiga e ainda popular entre nós considera a frustração como uma causa de agressão (Dollard et al., 1939), que Azrin et al. (1966) formularam como um condicionamento operante, em experimentos conduzidos em laboratório. Entretanto, a generalização dessa teoria mostrou-se problemática (Bandura, 1973, 1979), em parte porque não se identifica precisamente a natureza dos fatores que induzem à frustração (Berkowitz, 1978). De fato, experimentos com condicionamento operante mostraram-se ambíguos quando os animais eram observados fora da condição restrita do experimento. Por fim, o condicionamento operante não foi empiricamente comprovado em adultos humanos (Brewer, 1974).

As pesquisas atuais rejeitam a hipótese do fator principal, concentrando-se em identificar um espectro de fatores internos e externos ao indivíduo, passado e presente, que afetam a incidência de agressão. Desse modo, os fatores constitucionais e o estado atual do sujeito vêm recebendo maior atenção. Dentre os fatores constitucionais, destacam-se: sexo, fatores genéticos, hormônios, níveis de certos neurotransmissores, temperamento e fatores neurais. Fatores imediatos que influenciam a ação agressiva são frustração, proximidade de agressores, acesso a armas, experiência prévia de ação agressiva e condicionamento ideológico (político, religioso, étnico, etc.). Fatores facilitadores incluem ambiente de desenvolvimento (desvantagem psicossocial, casamento instável dos pais, pais punitivos e rejeitadores), padrões de interação familiar (abuso, agressão punitiva, agressão a terceiros recompensada, participação psíquica em cenários de violência como programas de televisão, jogos etc.) (Shaffer et al., 1980). Ainda nos grupos de risco envolvendo algumas condições psiquiátricas, devemos incluir pacientes psicóticos, maníacos ou com acatisia, geralmente jovens, contando-se ainda nesse grupo os transtornos da personalidade (Raja e Lubich, 1997).

Esses fatos só mostram a complexidade do comportamento agressivo e a dificuldade em estudá-lo objetivamente na falta de um modelo adequado. Naturalmente, essa pletora de fatores indica nossa ignorância para um fato: que a agressividade é uma condição evolucionariamente estabelecida (o comportamento agressivo de primatas não humanos reforçam essa teoria). Entretanto, o conhecimento desses fatores pode ser útil na medida em que nos permite intervir no controle social da agressão.

Conflito intergrupal

Diferentes problemas surgem em conflitos entre grupos. O mais importante é o grau de participação do ator em seu próprio grupo, uma vez que os membros do outro grupo são percebidos como: (i) indivíduos conspícuos e, ao mesmo tempo (ii) estranhos, estrangeiros ou mesmo “subumanos” (como são percebidos homossexuais e negros em certos nichos sociais). O reforço para o comportamento do ator vem da aprovação de seu próprio grupo ou do seu efeito sobre os membros do grupo antagônico, hoje tipificados no âmbito dos direitos humanos como “minorias”. Tajfel (1979) fez um excelente estudo sobre isso. Nessas situações a aprovação e a recompensa inibem todo sentimento de culpa e moralidade, sendo um incentivo para a instalação de tais grupos.

Psicologia evolucionária e comportamento agressivo

Atualmente, o assunto em pauta vem sendo objeto da atenção da psicologia evolucionária, na qual se procura respostas em termos evolutivos, ou seja, a hipótese de que o comportamento dos indivíduos foi selecionado de acordo com seu valor para a sobrevivência da espécie. No caso do comportamento agressivo em humanos, os dados são oriundos da observação de animais, sempre que há evidências razoáveis de as mesmas conclusões serem aceitáveis para os humanos.

No curso da evolução animal, as posturas de ameaça configuraram-se como rituais de reconhecimento social em que ator e reator se “medem” enquanto negociam sobre o que fazer em seguida (Hinde, 1985), como a disputa de uma fêmea ou de um território. Mesmo as contendas fazem parte deste ritual e raramente um animal sai ferido, exceto por acidente. Se, durante o curso dessa exibição, um dos participantes decide que o outro tem mais poder ou representa um perigo real, então ele recuará. Popularmente isso ficou conhecido como animal “alfa” (dominante, líder), e animal “beta” (submisso). Esses papéis decorreriam de variações gênicas (polimorfismos) dentro da espécie. Se a variante “alfa” ultrapassa um certo limiar na população, então a agressividade seria disseminada, a mortalidade por atos de violência aumentaria; se ocorre o contrário, o grupo controlaria os impulsos da variante alfa e o dirigiria para atividades sociais construtivas que usem criativamente sua natural agressividade. Claro que somos levados a um reducionismo extremo com base em premissas genocentristas, mas a teoria dos jogos evolucionários nos permite transcender a política dos genes e expandirmos para uma genética de populações em que a adaptação e diversidade (polimorfismos) dominam o cenário evolutivo.

A teoria dos jogos nos mostra que a melhor solução nesse cenário é o equilíbrio Nash (Binmore, 2007) entre competidores convencionais e competidores muito violentos. Maynard Smith (1976) chamou-os, respectivamente, de “pombos” (produtivos sociais) e “falcões” (antissociais rapinadores), e chegou independentemente ao mesmo resultado, denominando esse equilíbrio de polimorfismos de “estratégia evolucionariamente estável”. A população de uma espécie competitiva evoluiria na direção desse equilíbrio. Na prática, as vantagens decorrentes de um indivíduo ser um “falcão” dependerão do equilíbrio entre o benefício de destruírem os pombos e se apoderarem de sua produção, versus os custos de colocarem em risco sua sobrevivência eliminando os pombos que são, afinal, produtores.

Naturalmente, os benefícios variam entre indivíduos e entre classes de indivíduos, e a questão também envolve as diferenças entre gêneros (não estamos aqui falando em direitos sociais, estamos no campo da sociobiologia, bem entendido). Neste último caso, à luz de dados comparativos com outras espécies, sugere-se que, no caso dos humanos, a competição entre gêneros pressiona pela seleção de machos mais agressivos que mulheres (Short, 1979). Outros acreditam que o gênero macho seria incentivado culturalmente a defender sua prole para assegurar sucesso reprodutivo, em função da maior musculatura e resistência para assumir esse papel. Note que essa questão não implica em determinismo sexual, mas diz respeito unicamente ao gênero.

Aparentemente, a agressividade varia de acordo com a escassez de recursos. Teoricamente, em populações com alguns combatentes “falcões” e recursos abundantes, o comportamento cooperativo (ou seja, ser “pombo”) pode ser mais vantajosa que o comportamento predatório do “falcão”. Por outro lado, numa população com um número moderado de “falcões” e em que os recursos são escassos, será mais vantajoso ser um “falcão”. Porém, se quase todos forem “falcões”, os custos dos confrontos serão altos, e talvez seja melhor explorar outras fontes de recursos.

Essas especulações entre “cooperadores” e “agressores egoístas” decorrem de um cenário de jogo, são apenas um recurso mental, e não devem ser consideradas como um modelo operacional. Sua utilidade está em mostrar que o comportamento agressivo, que a sociedade classifica como “antissocial” ou “psicopático”, pode resultar de um equilíbrio dinâmico de estratégias evolucionárias globais que têm maior chance de manter a sobrevivências de uma espécie (a evolução não moraliza as espécies, é um jogo sem regras). Uma boa introdução ao assunto pode ser obtida em Wright (2000) e Gintis (2009).

Conclusão

Os estudos sobre o comportamento agressivo são multifatoriais, e como tal perde-se o objetivo prático de se estabelecer causalidade e/ou fatores de risco seguros para se planejar políticas de controle da violência mais consistentes. As classificações aqui apresentadas podem ser úteis em um contexto restrito, porém, a classificação do RDoC poderá vir a ter importância se as suas premissas se cumprirem satisfatoriamente, qual seja, que o comportamento agressivo pode ser preditivo com base em fundamentos genéticos, neuroquímicos ou farmacogenéticos. Combater violência com violência gera mais violência, e tampouco erradicar as tendências agressivas. A solução certamente só poderá decorrer de uma parceria entre justiça social, cultura e biologia.

Referências

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