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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

Julho de 2017 - Vol.22 - Nº 7

História da Psiquiatria

RELEITURAS

Walmor João Piccinini


Recentemente assisti a um filme em que o atrativo era a presença da Angelina Jolie. Era a história do rapto de um menino e da mãe que nunca desistiu de procurá-lo. Nessa busca ela se torna um aborrecimento para a polícia e é internada num hospital para doentes mentais. Nesse hospital existia a enfermaria dos pacientes Código D., onde eram mantidas mulheres que tentavam se separar de maridos abusivos, na maioria policiais e eram consideradas incômodas para a polícia de Los Angeles. Essa história se passa em 1930. Uma das punições mostrada era a aplicação de eletrochoque (ECT). A idéia do ECT como arma de tortura aparece em muitos filmes, o mais famoso é um filme de 1975, O Estranho no Ninho,  mas nesse ocorreu um problema, em 1930 não havia ECT que só foi aparecer em 1938 na Itália. Nos Estados Unidos foi aplicado pela primeira vez em 1941 por um psiquiatra que primeiro experimentou em si mesmo. Só que ele aplicou na coxa e teve uma fratura. A realidade pouco importa, pois já se convencionou que o ECT é tortura e ficamos por aí mesmo, às favas com a realidade.

O fato é que o ECT é uma terapêutica válida e menos danosa que o uso continuado de antidepressivos cujos efeitos colaterais são bem conhecidos.

Dias atrás ouvi um palestrante se referir ao professor Eustachio Portela Nunes, psicanalista e professor da UFRJ relatando uma pequena história. Ao ser inquirido por um aluno sobre o melhor autor para começar a se preparar para ser analista, recebeu de bate pronto, Machado de Assis. Particularmente ainda acho que a leitura de Freud é a melhor maneira de descobrir a psicanálise, mas entendo a colocação de Machado de Assis como um profundo expositor das emoções humanas e que deve ser lido. Dos contos de Machado de Assis, o mais conhecido e muito utilizado como uma crítica à psiquiatria é o Alienista. Acho que todos têm direito a interpretar um autor da maneira que entender, mas me causa um desconforto à maneira literal como esse conto é utilizado para atacar a psiquiatria e os psiquiatras. Em primeiro lugar, o conto foi publicado em 1882, época em que não havia aparecido a psiquiatria. Existiam os alienistas, mas mesmo eles não tinham o poder que querem lhes atribuir, eram poucos e subordinados a atividade de caridade das Santas Casas de Misericórdia.

Vamos recordar alguns momentos do conto. O alienista Simão Bacamarte administra a Casa Verde na cidade de Itaguaí na Província do Rio de janeiro. Imbuído das melhores intenções começa a perceber manifestações de loucura nos cidadãos de Itaguaí. Ao final de algum tempo, toda a população tinha sido recolhida à Casa Verde, Nesse momento Simão Bacamarte, usando o método científico, passa a suspeitar que suas teorias poderiam estar erradas e conclui que, na verdade, ele seria o único louco, liberta a população e se recolhe à Casa Verde. Desse belo conto são tiradas conclusões sobre o poder psiquiátrico, a reclusão dos pacientes e o recolhimento desnecessário da desrazão em asilos. Daí chega-se ao fim dos manicômios, estabelecimentos que nenhum psiquiatra defende, e no processo é proposto o fim dos hospitais psiquiátricos e o fim da psiquiatria. Se fôssemos examinar a conduta de Simão Bacamarte poderíamos questionar a onipotência da Ciência e aqui me parece residir à maior crítica de Machado de Assis, achar que a Ciência tem resposta para tudo. Num outro plano, poderíamos argumentar que Simão Bacamarte não dispunha de Comissão de Ética e fez experiências numa comunidade sem levar em conta as consequências da sua pesquisa, Um detalhe que descobri nas minhas leituras desapaixonadas sobre o tema, é da origem, da motivação para escrever O Alienista. Esse conto é uma crítica corrosiva a um desafeto de Machado de Assis, o Dr. José da Cruz Jobim. Os dois tiveram uma disputa acirrada na imprensa. A causa estava em São Paulo onde estudantes de direito teriam se envolvido em baderna e escândalo. Jobim exigia uma punição para que servisse de exemplo, Machado de Assis partiu em defesa dos estudantes, pois era amigo de alguns deles e escrevia no Jornal Acadêmico. Os estudantes não foram punidos, mas o rancor entre os dois permaneceu mesmo após a morte de Jobim. Existem alguns dados que corroboram essa idéia de que o Alienista tinha, inicialmente, um objetivo definido. José da Cruz Jobim, durante algum tempo, era o único médico do Hospício Pedro II, Casa Verde é uma forma de disfarçar o Hospício Pedro II que tinha janelas vermelhas e ficava próximo à Praia Vermelha. Finalmente, Jobim tinha uma casa em Itaboraí que foi transformada em Itaguaí. Um detalhe que poucos referem é que Simão Bacamarte, por mais duro e obstinado que fosse a busca da cura para a loucura, tinha uma atitude científica honesta. Ao deparar com seu erro, recolheu-se à Casa Verde. Bem diferente de muitas pessoas que não tem nenhum pudor com seus erros ou com a verdade, desde que sirvam aos seus propósitos pessoais ou de uma ideologia ultrapassada.


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