Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Abril de 2017 - Vol.22 - Nº 4 Artigo do mês
DEPRESSÃO RELACIONADA À DEMÊNCIA SENIL
Ana Luiza Montes Pigozzi Resumo:
O
envelhecimento populacional é um fenômeno de abrangência mundial, sendo
atualmente mais expressivo e impactante nos países em desenvolvimento. Nascem menos
pessoas, enquanto que a expectativa de vida aumenta. Com isso, há necessidade
de atenção à população idosa, que requer cuidados adequados físicos e
psíquicos. A questão ainda é um desafio, portanto, justificam-se estudos
psicológicos, sociais, físicos e neuropsicológicos. A demência senil pode gerar
déficits de cognição, de memória, linguagem, funções executivas,
além de gnosias e praxias,
interferindo na autonomia e no desempenho do indivíduo. Essa disfunção orgânica
do sistema nervoso central pode vir acompanhada de alterações psiquiátricas,
como a depressão. Assim, nota-se a importância de estudos sobre este tema. Objetivo:
Revisão bibliográfica mostrando a importância da atenção ao idoso no campo
neuropsicológico, relacionando demência senil e depressão. Método:
Revisão de literatura. Introdução: A World Health Organization – WHO
(Organização Mundial da Saúde - OMS) estabelece a idade de 65 anos como sendo o
início da senescência, para os países desenvolvidos, e 60, para os em
desenvolvimento. Nota-se neste período mudanças
neuropsicológicas, como déficits cognitivos, alterações na memória, na
velocidade de raciocínio, no sono, manifestação de episódios de confusão, além
de distúrbios psicológicos e alterações nas atividades da vida diária, que podem
se relacionar com sintomas demenciais e depressivos. Os
problemas de saúde dos idosos referem-se a prejuízos, principalmente, de visão,
audição e os de demências; estas, por sua vez, podem comprometer seriamente a
autonomia dos indivíduos. No
cérebro humano, o ingresso nesta faixa etária, promove modificações
morfológicas, como menos peso do que o de uma pessoa jovem. Alguns giros são
mais finos e separados por sulcos mais profundos e abertos, resultando menor
espessura das regiões corticais. Nota-se diminuição do número de neurônios e
sinapses, além da existência de sintomas psicológicos e físicos como os lapsos
de memória, menor velocidade de raciocínio, episódios passageiros de confusão,
tremor, dificuldade de locomoção, inversão do ciclo sono-vigília e falta de
equilíbrio. Discussão: Demência
Senil No Brasil, em idosos que vivem na
comunidade, a prevalência de demência varia de 1,6%, entre as pessoas com idade
de 65 a 69 anos, a 38,9%, naqueles com mais de 84 anos .
A demência é uma síndrome que se
caracteriza pelo declínio da memória associado a déficit de, pelo menos, uma outra função cognitiva (linguagem, gnosias,
praxias ou funções executivas) com intensidade
suficiente para interferir no desempenho de vivências do indivíduo. Frequentemente, as manifestações
iniciais do comprometimento cognitivo leve amnésico, consistem em disfunção da
memória de trabalho, geralmente leve, e em diminuição da capacidade de memória
de curta duração. A redução da memória de trabalho obedece a perdas neuronais
no córtex pré-frontal, e a diminuição da capacidade de memória de curta duração
a perdas neuronais no hipocampo. Não se deve confundir amnésia senil com a
tendência das pessoas idosas a relembrar memórias antigas em detrimento das
mais recentes, já que há, muitas vezes, a preferência de evocar fatos da
infância ou juventude, em que sentiam-se mais fortes,
felizes e belos . Entretanto, deve-se considerar o fato de o sistema límbico,
com suas memórias mais recentes, ser uma das regiões mais afetadas pelo
envelhecimento. Há várias causas de demência, cujo
diagnóstico específico depende de conhecimento das diferentes manifestações
clínicas e de uma sequência específica e obrigatória de exames complementares.
As quatro causas mais frequentes de demência são a doença de
Alzheimer (DA), a demência vascular (DV), demência com corpos de Lewy (DCL) e a demência frontotemporal
(DFT). No Brasil, a DA é
responsável por 50 a 60% dos casos de demência na população idosa, considerada
uma doença neurológica, degenerativa, tipo de demência senil, de evolução
progressiva e complexa.. A causa exata é
desconhecida, porém, a diminuição da
acetilcolina, traumas cranianos, infecções virais, fatores genéticos e a
presença de proteína beta-amiloide sugestionam seu aparecimento. Progressiva e
irreversível, a DA traz transtornos da memória, da cognição, incapacitando o
indivíduo para o autocuidado. Segundo a Associação
Brasileira de Alzheimer (ABRAZ), a DA é uma demência caracterizada por três
grandes fases. Inicia-se com esquecimentos e perdas sutis da memória e
dificuldades no trabalho. Podendo ser confundida com estados depressivos,
progride com perda mais acentuada de memória, incapacidade de realizar tarefas
complexas como cálculos e planejamentos e têm como
manifestações da terceira etapa, comprometimento acentuado da capacidade
funcional, dificuldade para se alimentar, vestir-se e banhar-se.. O Acidente Vascular
Encefálico (AVE) pode ser descrito como uma síndrome clínica decorrente de um
déficit neurológico súbito focal persistente. O AVE
tem patogênese vascular, e é resultado de uma oclusão ou ruptura de um vaso
sanguíneo cerebral. Dentre os fatores de
risco para que uma pessoa sofra um AVE, estão a
hipertensão, doenças cardíacas, diabetes mellitus, dentre outras. A depressão
também é considerada como fator de risco desencadeante do AVE,
pois deixa o indivíduo vulnerável a outros comportamentos de risco como hábitos
alimentares irregulares e falta de atividade física e sedentarismo. Estima-se que dentre
aqueles pacientes que sofreram AVE, cerca de até 50% apresentam quadro de
depressão, associado na fase posterior. A depressão envolve aspectos
relacionados a estabilidade do humor, dinâmica afetivo
emocional e estados cognitivos. O paciente após o AVE
tende a passar por um processo de enlutamento e
enfrentamento diante de perdas físicas, psicológicas e sociais, sendo que,
muitas vezes, está com sua dinâmica afetivo emocional mais fragilizada,
sente-se impotente diante das perdas, isso pode desencadear a chamada depressão
reativa. Por outro lado, lesões cerebrais decorrentes do AVE
podem desencadear uma depressão secundária, que se trata de uma diminuição no
tônus cortical, podem envolver alterações afetivas como a labilidade de humor,
apatia, e alterações cognitivas como lentificação das funções mentais. Existem
casos em que a depressão é confundida com demência em pacientes idosos, após o AVE. Um paciente diante de uma depressão secundária pode
apresentar alterações na memória, pois há um prejuízo nesta função na captação
e retenção de informação, ou seja, há uma dificuldade do sujeito em perceber os
estímulos externos, selecioná-los e gravá-los em sua memória. Depressão reativa:
logo após a ocorrência do AVE, o indivíduo sente-se
desmotivado diante de suas limitações e isso pode prejudicar sua adesão a
qualquer tipo de tratamento, ocorrendo, então uma diminuição em sua qualidade
de vida. Os impactos do AVE sobre uma pessoa alteram
sua qualidade de vida frente todas as mudanças que ocorrem. Essas alterações
podem estar associadas com a depressão reativa, causada por fatores estressores
e psicossociais vinculados a ocorrência do AVE, devido
ao impacto nos mecanismos sociais, psicológicos e funcionais do indivíduo
decorrentes da instalação da deficiência física. A depressão reativa pode ser
conseqüência de uma das incapacidades decorrentes do AVE,
por exemplo a afasia, que seria uma alteração na comunicação e expressão da
linguagem. O sujeito afásico tem dificuldades de interações sociais e
laborativas, o que pode ocasionar sentimentos de menos valia e constrangimentos
diante do mesmo. Esse estresse provocado por essa sensação de vergonha e
incapacidade pode fazer com que o sujeito procure se isolar de seu meio,
reprimindo seus sentimentos de tristeza. Essa tristeza e esse isolamento podem
desencadear a depressão reativa. Depressão secundária: o diagnóstico para
identificar qual o tipo de depressão está associada a
ocorrência do AVE é de difícil resolução. Entretanto, a depressão de ordem
neurológica, ou seja, secundária, se distingue da depressão reativa por dois
aspectos. O indivíduo com depressão secundária tende a apresentar labilidade de
humor e déficits cognitivos associados. A depressão secundária tem como
sintomas a apatia, prejuízo cognitivo e lentificação psicomotora. Depressão As depressões e suas variadas formas e
classificações ocupam lugar de destaque nos dias de hoje. Devido ao aumento de
diagnósticos referentes a esses estados afetivos, tornou-se comum dizer que
alguém sofre desse “mal do século”, como o denominam alguns autores. Desta
forma, a questão é emergencial, como se mostra a prática clínica cotidiana,
levando-se em consideração que o termo “depressão” tornou-se um verdadeiro
jargão para identificar e rotular as mais variadas formas de “mal-estar”. A OMS (2009) define depressão como um
“transtorno mental” comum, na medida em que afeta 121 milhões de pessoas em
todo o mundo. A depressão é uma doença de alta
incidência no idoso, devido à própria percepção de sua crescente incapacidade
física, do enfraquecimento de seus poderes cognitivos, especialmente o da
memória, e das perdas concretas, como amigos, parentes, condição econômica e
possibilidades de trabalho. A depressão caracteriza-se como um
distúrbio de natureza multifatorial da área afetiva ou do humor, que exerce
forte impacto funcional e envolve inúmeros aspectos de ordem biológica,
psicológica e social, tendo como principais sintomas o humor deprimido e a
perda de interesse ou prazer em quase todas as atividades. Atualmente, é
apontada como o quarto maior agente incapacitante das funções sociais e de
outras atividades da vida cotidiana, sendo responsável por cerca de 850 mil
mortes a cada ano. Também é considerada a enfermidade mental de maior
prevalência em nível mundial e estima-se que em 2020 será a segunda causa
global de incapacidade. Na população idosa, essa é uma doença comum, recorrente
e frequentemente subdiagnosticada e subtratada, principalmente em nível de
cuidados de saúde primários. Epidemiologicamente, estima-se que aproximadamente
15% dos idosos apresentam sintomas de depressão, sendo essa prevalência maior
nas populações institucionalizadas. É também no indivíduo idoso que a
depressão tem pior prognóstico e maior incidência de suicídios, podendo, quando
duradouros, interferir na sua capacidade funcional, de autocuidado e nas suas
relações sociais. A Escala Cornell de Depressão em
Demência, foi desenvolvida por Alexopoulos
em 1988 e avalia alterações de humor, comportamento e distúrbios físicos e de
ideação em pessoas com prejuízo cognitivo a partir de 19 itens aplicados pelo
entrevistador ao paciente e ao cuidador. Estudos longitudinais sugerem que a
depressão pode preceder o desenvolvimento de demência ou mesmo constituir um
fator de risco para o aparecimento da DA. Esses fatores
apontam para a necessidade de se utilizar instrumentos específicos para avaliar
sintomas depressivos em pacientes com demência. A escala Cornell de depressão
em demência (ECDD) é um instrumento para auxiliar em pesquisa farmacológica e
em estudos sobre a evolução de sintomas psiquiátricos em pacientes com
demência. Em idosos, o tempo do episódio
depressivo correlaciona-se com a redução do volume hipocampal, atrofia de
substância cinzenta do córtex pré-frontal e perda de células gliais. Dessa forma, torna-se importante haver no nosso meio escalas que identifiquem e graduem sintomas
depressivos. A maioria das escalas de depressão existentes baseia-se em
informações fornecidas pelos pacientes que, ou completam um questionário, ou
são entrevistados por um profissional de saúde devidamente treinado. Este
método torna difícil a avaliação de pacientes com demência, já que suas falhas
de concentração, memória e julgamento podem prejudicar a interpretação de suas
respostas. A ECDD mostrou-se de fácil e rápida aplicação, levando em média
vinte minutos para a avaliação do cuidador/familiar e dez minutos para
avaliação do paciente. A versão traduzida e adaptada foi avaliada em suas
propriedades de medida, mostrando-se uma escala estável e confiável, em relação
à reprodutibilidade tanto pelo mesmo examinador em dois momentos distintos,
quanto entre diferentes examinadores. Avaliação
Neuropsicológica do Idoso O diagnóstico etiológico da demência é
baseado em exames laboratoriais e de neuroimagem, além da constatação de perfil
neuropsicológico característico. Outro importante fator a ser considerado na
avaliação é a possível interferência de algumas variáveis no critério
diagnóstico, como a idade do paciente, o gênero, a escolaridade, que parece ser
influenciada tanto pela idade com que o indivíduo começou a estudar quanto pela
frequência à escola e número de anos estudados, sendo que o nível educacional
elevado seria fator preventivo no embotamento do estado mental durante o
envelhecimento normal. Também há outros fatores associados, a serem
considerados, ao risco maior ou menor, como os genéticos, traumatismo de crânio
e doença vascular. O diagnóstico de demência exige a
constatação de deterioração ou declínio intelectual em relação à condição
prévia do indivíduo. Sendo assim, a avaliação
neuropsicológica abreviada é constituída dos seguintes testes: * Mini-exame do
estado mental (MMSE): inclui itens variados que, rapidamente, possibilitam
examinar orientação temporal e espacial, memória, atenção e cálculo, linguagem,
praxias e habilidades construtivas, ajudando na
identificação de pacientes que devem ser submetidos à avaliação mais detalhada.
* Teste do Desenho do relógio (Clock Drawing Test - TDR):
Originalmente descrito na avaliação da disfunção do lobo parietal, este instrumento
pode ter seus resultados interpretados qualitativamente, através da escala Clock Drawing Interpretation
Scale, que perfaz 20 pontos, ao avaliar de forma
simples, as funções viso-espaciais, linguagem, capacidade de planejamento, praxia, memória, habilidade visuoconstrucional
e função executiva. Servindo como rastreio para DA, tendo sido validado,
apresentando sensibilidade de 86% e especificidade de 86,7% para a detecção da
citada doença. * Teste de Fluência Verbal: verifica a existência de prejuízo de
memória semântica e nas estratégias de busca, relacionadas à função executiva.
* Questionário de atividades funcionais (Pfeffer), o
instrumento visa detectar algum comprometimento nas tarefas diárias, sendo
feito pela família do paciente. * Escala para Depressão Geriátrica (EDG):
Inicialmente descrita em língua inglesa. É um instrumento que auxilia na
identificação de sintomas depressivos, oferecendo medidas confiáveis. Conclusão A avaliação neuropsicológica é indicada,
principalmente na identificação de declínio cognitivo no idoso, na avaliação
dos prejuízos de áreas cerebrais com alterações neurológicas, no diagnóstico
diferencial de síndrome psicológica/psiquiátrica e
neurológica; norteando uma intervenção reabilitadora. Indicação de acompanhamento
profissional, que em equipe, promovem melhorias de modo interdisciplinar.
Necessidade de procedimentos em saúde mental como a Psicoterapia, orientação
aos familiares, atendimento médico. A senescência traz um conjunto de
mudanças ao indivíduo. São neuropsicológicas, morfológicas, fisiológicas,
bioquímicas, psicológicas/psiquiátricas, sociais e
culturais. O ingresso nessa faixa etária é um processo dinâmico, que pede ao
idoso a prática de sua capacidade de adaptação a este processo e ao meio em que
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* Interna
do Departamento de Medicina da Unitau
**Professora
coordenadora da psiquiatria da UNITAU
[email protected]
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