Psyquiatry online Brazil
polbr
Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

Fevereiro de 2017 - Vol.22 - Nº 2

Psiquiatria na Prática Médica

CORRELAÇÃO ENTRE TRAUMATISMO CRÂNIO-ENCEFÁLICO E TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS

Claudio Toshiyuki Nakansihi*
Prof. Dra. Márcia Gonçalves**


 

1. Introdução

 

De acordo com as diretrizes do Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) o traumatismo crânio-encefálico (TCE) é definido como “lesão do tecido encefálico causado por forças mecânicas externas, evidenciado por: perda de consciência devido ao trauma craniano, amnésia, outras neurológicas ou neuropsicológicas anormalidades, fratura de crânio e lesões intracranianas diagnosticadas ou morte”1.

O TCE é classificado como penetrante ou fechado sendo a prevalência deste mais elevada. Nos traumas fechados há a ação de forças mecânicas que levam o cérebro contra os ossos do crânio (mecanismo de golpe e contragolpe). Respostas fisiológicas a esse dano primário, tais como edema cerebral, aumento da pressão intracraniana, isquemia cerebral, hipotensão e infecção podem também causar lesão neuronal, neste caso, são chamadas de lesões secundárias2. O TCE penetrante, em geral, é mais grave e associado a maiores complicações3.

Há grande ligação entre os transtornos psiquiátricos e TCE dentre eles destacam-se a Depressão Maior e as Alterações de Personalidade, sendo diagnosticados pós TCE. De acordo com o DSM-IV4 há os seguintes critérios para diagnóstico de alteração de personalidade:

A) uma perturbação persistente da personalidade que representa uma alteração a partir de um padrão anterior da personalidade característica do indivíduo.

B) existem Evidências, a partir do histórico, do exame físico ou de achados laboratoriais, de que a perturbação é a consequência direta de uma condição médica geral.

C) a perturbação não é mais bem explicada por outro transtorno mental (inclusive outros transtornos mentais causados por uma condição médica geral).

D) a perturbação não ocorre exclusivamente durante o curso de delirium.

E) a perturbação causa sofrimento ou prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes.

 

Tipos de alterações de personalidade:

Ø Instável: se o aspecto predominante é uma instabilidade afetiva. Desinibido: se o aspecto predominante é um fraco controle dos impulsos, evidenciado por indiscricões sexuais, etc.

Ø Agressivo: se o aspecto predominante é um comportamento agressivo.

Ø Apático: se o aspecto predominante é uma acentuada apatia e indiferença.

Ø Paranóide: se o aspecto predominante é desconfiança ou ideação paranóide.

Ø Outro tipo: se o aspecto predominante não é nenhum dos anteriores.

Ø Combinado: se há predomínio de mais de um aspecto no quadro clínico.

Ø Tipo inespecificado.

 

Em um estudo prospectivo5, utilizando registros de diagnósticos de um banco de dados com 939 pacientes, os autores encontraram uma prevalência de 49% de transtorno psiquiátrico em pacientes que tiveram TCE moderado e grave, um ano após ocorrido o acidente. Hawthorne et al.6 encontraram uma prevalência de Depressão de 23% em uma amostra de pacientes com TCE, usando como critério diagnóstico um ponto de corte de 8 ou mais na Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HADS)7.

Koponen et al.8, num seguimento retrospectivo, avaliaram 60 pacientes sendo que metade com trauma foi classificado como grave ou muito grave, cerca de 30 anos após o TCE. Os autores encontraram uma incidência de pelo menos um transtorno psiquiátrico de eixo I de 48.3%, sendo a incidência de Depressão Maior de 26.7%. A avaliação psiquiátrica foi realizada com base no “Schedules for Clinical Assessment in Neuropsychiatry interview” 9. Alteração de personalidade (clínica ou subclínica) foi diagnosticada em 23.3% da amostra, com base nos critérios diagnósticos do DSM-IV (APA, 1994).

 

2. Objetivo

Correlacionar o traumatismo crânio-encefálico com os distúrbios psiquiátricos decorrentes do processo.

3. Discussão

Acerca do TCE pode-se inferir que lesões secundárias, especialmente relacionadas à hipóxia e hipotensão, estão associadas a prejuízo cognitivo 6 meses após o trauma10. O mesmo raciocínio pode ser estendido às sequelas psiquiátricas, especialmente àquelas mais relacionadas à gravidade do trauma, como as alterações de personalidade.

O TCE tem uma prevalência significativa em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, onde as estatísticas são escassas e as consequências psiquiátricas virtualmente desconhecidas 11, 12. O uso de avaliações retrospectivas acerca do assunto, a utilização de amostras heterogêneas com relação a gravidade do TCE e avaliação de indivíduos provenientes de ambulatórios de referência são limitações de diversos estudos, que devem ser consideradas ao analisarmos a baixa incidência de consequências psiquiátricas nesses pacientes.   

Tate et al.13 relataram que alteração de personalidade também pode ser resultado não só dos efeitos diretos do trauma, mas também de efeitos indiretos como as reações e respostas do indivíduo aos prejuízos causado pelas sequelas do trauma, a fatores ambientais e a traços pré-mórbidos de personalidade. Prigatano et al.14 sugere(m) que os pacientes que falham repetidamente em uma variedade de tarefas podem se tornar deprimidos ou ansiosos.

Entretanto a apresentação clínica da Depressão no paciente pós TCE pode ser diferente do paciente com Depressão na população geral. Seel et al.15 descrevem que, nos pacientes pós TCE, humor depressivo é caracterizado por mais irritabilidade, raiva e agressividade que por tristeza e anedonia.

 

·        *- Interno do curso de Medicina da UNITAU

·        ** - Prof. Coordenadora de psiquiatria da UNITAU

·        [email protected]

 

4. Conclusão

Visto a gravidade e as consequências geradas nesses pacientes deve-se ressaltar a importância da avaliação de transtornos psiquiátricos pós TCE com relação ao avanço da identificação e tratamento desses transtornos mentais, os quais são muitas vezes identificados como reações “normais”, sendo que a evolução no atendimento e intervenção precoce no TCE, desfechos como transtornos psiquiátricos, desempenho cognitivo e qualidade de vida vão se tornando evidentemente importantes. Estudos com maior controle são necessários para investigar fatores prognósticos relacionados a transtornos psiquiátricos e cognição após TCE.

 

5. Referências bibliográficas

1. Thurman D, Guerrero J. Trends in hospitalization associated with traumatic brain injury. Jama. 1999 Sep 8;282(10):954-7.

2. Nolan S. Traumatic brain injury: a review. Crit Care Nurs Q. 2005 Apr-Jun;28(2):188-94.

3. Peek-Asa C, McArthur D, Hovda D, Kraus J. Early predictors of mortality in penetrating compared with closed brain injury. Brain Inj. 2001 Sep;15(9):801-10.

4. American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders 4th edition, text revision. Washington, D. C.: American Psychiatric Association; 2000.

5. Fann JR, Burington B, Leonetti A, Jaffe K, Katon WJ, Thompson RS. Psychiatric illness following traumatic brain injury in an adult health maintenance organization population. Arch Gen Psychiatry. 2004 Jan;61(1):53-61.

6. Hawthorne G, Gruen RL, Kaye AH. Traumatic brain injury and long-term quality of life: findings from an Australian study. J Neurotrauma. 2009 Oct;26(10):1623-33.

7. Zigmond AS, Snaith RP. The hospital anxiety and depression scale. Acta Psychiatr Scand. 1983 Jun;67(6):361-70.

8. Koponen S, Taiminen T, Portin R, Himanen L, Isoniemi H, Heinonen H, et al. Axis I and II psychiatric disorders after traumatic brain injury: a 30-year follow-up study. Am J Psychiatry. 2002 Aug;159(8):1315-21.

9. Max JE, Levin HS, Schachar RJ, Landis J, Saunders AE, Ewing-Cobbs L, et al. Predictors of personality change due to traumatic brain injury in children and adolescents six to twenty-four months after injury. J Neuropsychiatry Clin Neurosci. 2006 Winter;18(1):21-32.

10. Ariza M, Mataro M, Poca MA, Junque C, Garnacho A, Amoros S, et al. Influence of extraneurological insults on ventricular enlargement and neuropsychological functioning after moderate and severe traumatic brain injury. J Neurotrauma. 2004 Jul;21(7):864-76. 63.

11. Martins ET, Linhares MN, Sousa DS, Schroeder HK, Meinerz J, Rigo LA, et al. Mortality in severe traumatic brain injury: a multivariated analysis of 748 Brazilian patients from Florianopolis City. J Trauma. 2009 Jul;67(1):85-90.

12. Perel P, Arango M, Clayton T, Edwards P, Komolafe E, Poccock S, et al. Predicting outcome after traumatic brain injury: practical prognostic models based on large cohort of international patients. Bmj. 2008 Feb 23;336(7641):425-9.

13. Azouvi P, Jokic C, Attal N, Denys P, Markabi S, Bussel B. Carbamazepine in agitation and aggressive behaviour following severe closed-head injury: results of an open trial. Brain Inj. 1999 Oct;13(10):797-804.

14. Prigatano GP. Personality disturbances associated with traumatic brain injury. J Consult Clin Psychol. 1992 Jun;60(3):360-8.

15. Guilfoyle MR, Seeley HM, Corteen E, Harkin C, Richards HK, Menon D, et al. Assessing Quality of Life Following Traumatic Brain Injury: Examination of the Short Form 36 Health Survey. J Neurotrauma. 2010 Oct 12.


TOP