Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Junho de 2017 - Vol.22 - Nº 6 Artigo do mês
TEXTO DO DR MARCOS MEDANHA SOBRE O PARECER 03/2017 E SIGILO MÉDICO
Segue
texto do Dr Marcos Medanha sobre o parecer
03/2017 e sigilo médico e em anexo o parecer do CFM... Aventuro-me
a fazer alguns comentários sobre o polêmico Parecer CFM n.
03/2017,
que afirma em sua ementa: “O
médico do trabalho não está impedido de fundamentar a contestação ao nexo
técnico epidemiológico (NTEP) com critérios científicos e dados do prontuário
do trabalhador especificamente atinente ao caso”. Como
o tema é polêmico por excelência, é natural que contra o respectivo parecer
surjam duras críticas e também sonoros elogios. É nesse terreno que me sinto
também à vontade para resumir minhas atuais convicções. Digo atuais pois não tenho compromisso com a inalterabilidade de minhas
teses. Havendo argumentos que me convençam de algum equívoco, não relutarei em modifica-las. SITUAÇÕES
QUE JUSTIFICAM A QUEBRA DO SIGILO Me
parece
que o ponto nevrálgico dessa discussão é a questão do sigilo profissional. Uns
entendem que o médico não pode usar dados do prontuário para contestar o NTEP
em nome da empresa, uma vez que isso quebraria o sigilo médico. Outros, entendem que, no caso específico da contestação do NTEP,
há um motivo justo para a quebra desse sigilo conforme se aduz do texto de
conclusão do próprio Parecer CFM n.
03/2017. Surge
a primeira pergunta: independente do caso, existe
mesmo motivo justo para quebra do sigilo médico? A resposta é sim, como nos
ensina o art. 73 do próprio Código de Ética
Médica,
que assim coloca: “É
vedado ao médico revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício
de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por
escrito, do paciente.” Pelo
texto, diante de um motivo justo (entendido como razão superior relevante ou
estado de necessidade) ou dever legal (disposição legal expressa nesse
sentido), o sigilo pode, e, por vezes, deve ser quebrado! Isso ocorre, via de regra, toda vez que o interesse coletivo se sobrepõe
ao interesse individual da garantia da intimidade. Um bom exemplo disso, apesar
de não envolver o médico, é o “sopro do bafômetro”. Faz parte da intimidade de
cada um beber ou não beber. Mas a partir do momento que eu bebo e dirijo, a
questão sai da esfera individual e atinge a coletividade. O risco agora não é
só meu, mas de todos. Daí o rigor da lei em permitir e exigir que minha
intimidade seja quebrada em virtude de um bem coletivo maior: a segurança no
trânsito. Já
envolvendo o médico, o Código Penal, em seu art.
269, qualifica como crime o fato do médico não comunicar a autoridade pública
sobre as doenças de notificação compulsória. Percebam: o interesse coletivo
pela notificação de determinadas doenças se sobrepõe a garantia individual do
sigilo médico, daí o mandamento para que este seja quebrado. Assim, nos ensinou
Genival Veloso de França: “Constitui-se
hoje o sigilo médico um instrumento social em favor do bem comum e da ordem
pública. Sendo assim a sua revelação, em situações mais que justificadas, não
pode configurar-se como infração ética ou legal, principalmente quando visa
proteger um interesse contrário superior e mais importante.” Na
mesma esteira, cumpre-me lembrar que as doenças
ocupacionais (ou doenças relacionadas ao trabalho) são consideradas doenças de
notificação compulsória, nos termos do art. 169 da CLT. Tal
notificação deve ser realizada pela CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho). NTEP Com
o intuito, entre outros, de diminuir a sabida subnotificação
de doenças ocupacionais pela via das CATs emitidas
pelas empresas, entrou em vigor em 2007 o chamado NTEP (Nexo Técnico
Epidemiológico). Por ele, há a presunção da natureza acidentária da doença toda
vez que houver correlação epidemiológica entre o CID da respectiva doença e o
CNAE da empresa. Por ser fundada apenas na análise
estatística, várias inconsistências médicas de nexos de (con)causalidade
entre doença e trabalho já foram observadas no NTEP. Justamente por isso, a
empresa pode requerer a sua não aplicação de forma fundamentada, nos termos do
art. 337 do Decreto
3048/1999.
Importante: esse requerimento será analisado pelo serviço de perícias médicas
do INSS, conforme art. 7 da Instrução
Normativa INSS n. 31/2008. PROVOCAÇÕES Com
tudo isto posto, reflitamos: se há o dever legal da
quebra de sigilo para notificar doenças ocupacionais, não é igualmente justo a
quebra de sigilo para desqualificar o NTEP atribuído de forma equivocada nos
termos da literatura médica? Negar isso não seria uma afronta ao “Princípio do
Contraditório”, assegurado também à empresa com fulcro no art. 5, inciso LV, da
Constituição
Federal de 1988? Minhas
respostas (sempre passivas de críticas e discordâncias): sim e sim. O dever
legal do médico em quebrar o sigilo no caso de notificação de doenças
ocupacionais justifica-se pelo bem coletivo de preservação da saúde dos
próprios trabalhadores. Só com essa revelação é que medidas apropriadas pelas autoridades
competentes poderão ser tomadas, e corretamente tomadas. Por
outro lado, a manutenção equivocada de nexos entre doença e trabalho também
gera consequências sociais nada bem-vindas, sobretudo
nos dias atuais. Por exemplo: a majoração injusta do FAP, que repercutirá numa
maior tributação para a empresa. Num país com mais de 12 milhões de
desempregados, qualquer ônus indevido ao setor produtivo não pode ser
desprezado, sob pena de sermos coniventes e contribuirmos ainda mais com o
aumento do número de desempregados. Não é à toa que a própria Justiça do
Trabalho (“muito paternalista”, como dizem) tem se valido, com cada vez mais frequência, do chamado “Princípio da Preservação da
Empresa” em suas decis&ot ilde;es.
Tal princípio visa ofertar segurança jurídica ao empregador, preservando-lhe o
negócio, até como fonte de geração de empregos. Na
mesma linha, usando do consagrado “Princípio do Contraditório”, não me parece
justo, mesmo em um processo administrativo – como é o do INSS, que a mesma
empresa que é obrigada a usar da quebra de sigilo para notificar doenças
ocupacionais não possa usar do mesmo instituto para negar o nexo indevidamente
lhe atribuído entre doença e trabalho. Outro
fato que, no meu entender, corrobora com a tese de que o médico do trabalho não
está impedido de fundamentar a contestação ao NTEP com dados do prontuário do
trabalhador: quem avalia o requerimento de contestação do NTEP? O médico perito
do INSS, que está igualmente sujeito ao sigilo médico. Nunca foi motivo de
polêmica, por exemplo, a Resolução CFM n.
1658/2002,
que assim colocou em seu artigo 3, parágrafo único: “Quando
o atestado for solicitado pelo paciente ou seu representante legal para fins de
perícia médica deverá observar: I
– o diagnóstico; Percebam:
apesar da solicitação ser feita pelo próprio paciente,
o CFM sequer condiciona a quebra de sigilo com a ausência de autorização
escrita do paciente, quando o objetivo é a avaliação pericial. Ao contrário, a
respectiva resolução obriga o médico a não manter sigilo na comunicação com o
serviço médico pericial do INSS. Lembremos: o requerimento de contestação do
NTEP é direcionado ao médico perito. Usando da “mesma régua” da Resolução CFM n.
16 58/2002,
não há justificativa ética para impedir que o médico do trabalho use de dados
sigilosos para confeccionar tal requerimento e se comunicar com o médico perito
do INSS. ANALOGIA
DO PROCESSO ADMINISTRATIVO COM O PROCESSO JUDICIAL Interessante!
Há muito tempo que médicos do trabalho vêm atuando na contestação do NTEP, e
sem nenhuma polêmica. Trata-se de uma função análoga a função de assistente
técnico judicial. Se
no processo judicial, cujo rigor é maior e legalmente previsto pelo Código de
Processo Civil (CPC),
o assistente técnico é de confiança da parte, não estando sujeito a impedimento
ou suspeição, no processo administrativo presume-se que a regra seja similar.
Sendo assim, por uma interpretação análoga, não é antiético e nem ilegal que o
médico do trabalho assista a empresa em casos de contestação do NTEP. Ainda na
trilha da analogia com perícia judicial, vale lembrar que o art. 473 do Erro! A
referência de hiperlink não é válida.
garante acesso a todos os documentos necessários para instrução pericial, tanto
para o perito judicial, quanto para o assistente técnico, o que inclui, no meu
entender, o próprio prontuário. Se a regra vale para o processo judicial,
entendo que valha para o processo administrativo também, uma vez que o
“Princípio do Contraditório” também é imperativos aos
processos administrativos. ILEGAL
NÃO É. ANTIÉTICO NÃO É. MAS É RECOMENDÁVEL? Pelo
exposto, na mesma linha do Parecer CFM n.
03/2017,
não considero ilegal e nem antiético o uso dos dados do prontuário do
trabalhador na contestação do NTEP. Aliás,
senhores, sejamos francos: ainda que de forma indireta e não expressa, é muito improvável que boa parte das contestações de NTEP que vem
sendo feita há anos por médicos do trabalho não estejam usando, em algum grau,
de alguma informação contida no prontuário do trabalhador em análise. Mesmo não
olhando diretamente para o prontuário, não há como o próprio médico do trabalho
deletar de sua memória conhecimentos obtidos em exames
ocupacionais. Mas
a despeito disso, mesmo não considerando ilegal e nem antiético tal prática,
sou enfático em dizer que ela não é recomendável. E nisso, precisamos fazer
justiça com o Parecer CFM n.
03/2017,
até para diminuirmos tanta polêmica: em sua ementa, ele não obrigou e nem
recomendou nenhum médico do trabalho a usar o prontuário como referência na
contestação do NTEP. Apenas desqualificou como antiética tal prática. Na
conclusão do parecer sim, talvez por um deslize de redação, me parece ter
havido um equívoco quando o documento afirma que “se o médico do trabalho
detém os elementos para contestar o nexo estabelecido epidemiologicamente entre
doença e trabalho pela perícia médica do INSS, deverá fazê-lo com
critérios científicos e dados do prontuário“. Acredito que a palavra
“deverá” deveria ser substituída por “poderá”, referindo-se especialmente ao
uso dos dados do prontuário. Por
que não acho a prática do uso dos dados do prontuário na contestação do NTEP
recomendável? Pelo simples fato de poder macular a confiança dos trabalhadores
em relação ao médico do trabalho. Com a mesma compreensão que tenho da
assistência técnica judicial, sugiro: apesar de não ser ilegal e nem antiético,
assim como o ideal é que o médico do trabalho não seja assistente técnico da
própria empresa, o ideal é que também não use dados dos prontuários para
contestar o NTEP. Se houver possibilidade de atingir o objetivo dessa
contestação sem o uso dos dados do prontuário do trabalhador, que seja assim
sempre! Se a
empresa, por sua vez, quiser contratar outro médico – que não realiza exames
ocupacionais – para esse exclusivo ofício (de contestar NTEPs),
que o faça. Mas sugiro com veemência que o médico do trabalho evite contestar o
NTEP usando dados dos prontuários. Se
ainda assim for inevitável, sublinho a necessidade inafastável
de que a contestação do NTEP, que use dados do prontuário, seja entregue, se
possível “em mãos”: do médico do trabalho diretamente para o médico perito do
INSS. Que essas informações transitem apenas entre médicos, que partilham do
mesmo sigilo profissional. Nesse
momento, com todo respeito aos discordantes e pelos fundamentos expostos, é o
que penso. À
vontade para os bons e embasados contraditórios. Autor:
Marcos Henrique Mendanha: Médico do
Trabalho, Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas. Advogado
especialista em Direito e Processo do Trabalho pela UNIDERP. Perito Judicial /
Assistente Técnico junto ao TRT-GO e TRF-GO. Diretor Técnico da ASMETRO – Assesoria em Segurança e Medicina do Trabalho Ltda. Autor
do livro “Medicina do Trabalho e Perícias Médicas – Aspectos Práticos e
Polêmicos” (Editora LTr).
Editor do “Reflexões do Mendanha”,
no site www.saudeocupacional.org. Coordenador do
Congresso Brasileiro de Medicina do Trabalho e Perícias Médicas (realiz ação anual). Coordenador Geral do CENBRAP – Centro
Brasileiro de Pós-Graduações.
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