Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Novembro de 2016 - Vol.21 - Nº 11 História da Psiquiatria PSICOFARMACOTERAPIA NO BRASIL A PARTIR DOS ANOS 60 Walmor João Piccinini Ao estudarmos a história do desenvolvimento de drogas antipsicóticas
chama a atenção o aspecto casuístico das descobertas. 1891, Paul Ehrlich
observou os efeitos antimaláricos de azul de metileno, um derivado da
fenotiazina. Mais tarde, a fenotiazina foi desenvolvida por suas propriedades
anti-histaminergicas. Foi em 1951 que Laborit e Huguenard a utilizaram em busca
dos seus efeitos anestésicos. Alguns autores atribuem a Huguenard seu uso em
pacientes psiquiátricos, mas foram Delay e Deniker que primeiro tornaram
público seus efeitos antipsicóticos. Publicamos na Polbr (A primeira referência do uso de clorpromazina na
literatura médica surgiu num trabalho de Laborit e Huguenard em 13 de fevereiro
de 1952 "Um novo estabilizador neurovegetativo,
o 4560 R.P." Não era uma indicação para
tratamento das psicoses. Esse uso se deve a Deniker que, após conseguir
amostras do 4.560 R.P. (Largactil) decidiu experimentá-lo em pacientes psicóticos.
Preocupado com a possibilidade de acrescentar mais uma moléstia nos seus pacientes
ele evitou o uso do coquetel que tinha derivado da morfina, resolveu empregar o
novo produto isoladamente e em doses mais altas.) Os americanos, repetindo antigos cismas que já existiram entre Franceses e alemães,
resistiram ao uso destas drogas vindas da Europa. Resistência vã pois logo os
psiquiatras aderiram em massa. No período de 1954 a 1975, cerca de 20 drogas
antipsicóticas foram introduzidas nos Estados Unidos e cerca de 40 em todo o
mundo. Ocorreu o acidente lamentável da Talidomida que aflorou em 1961 em 46
países, menos nos Estados Unidos, graças a um farmacologista da FDA que impediu
sua comercialização naquele país. Passaram-se muitos anos até que em 1990 foi
"redescoberta" a clozapina o que abriu a época das drogas
antipsicóticas "atípicas" que mostram um menor potencial para induzir
sintomas extrapiramidais (EPS), uma maior eficácia para os sintomas negativos
da esquizofrenia, nenhuma elevação de prolactina após uso crônico (exceto
risperidone), e, pelo menos para clozapina , eficácia em alguns pacientes
refratários. Quem visitasse as enfermarias de pacientes psicóticos em Clínicas,
Hospitais e Unidades dentro de Hospitais Gerais até o começo dos anos 60 (1960)
iria encontrar ambientes semi-destruídos, vidros quebrados, móveis em estado
precário, camas de ferro presas no chão, roupas rasgadas, má higiene e outros
problemas advindos da destrutividade de pacientes psicóticos. Tudo começou a
mudar depois da introdução dos antipsicóticos. Os pacientes ficaram tratáveis,
pode florescer a praxiterapia e diminuíram os gastos de manutenção física dos
prédios e/ou Unidades de tratamento. Mais médicos se interessaram pela
psiquiatria, houve o desenvolvimento de Cursos, de treinamento, novas
profissões como a Psicologia, assistência social, Terapia Ocupacional e outras
puderam se aproximar e auxiliar no tratamento do doente mental. Toda esta
história poderá ser encontrada nos Arquivos da Psychiatry Online Brasil. Sobre antipsicóticos temos muitos artigos e vários livros. Uma revisão
fantástica foi publicada pelo Professor Leopoldo Hugo Frota (4/10/1948-
28/07/2006) e está disponível em http://www.medicina.ufrj.br/cursos/LH%20FROTA%20-%201%20Ed%20-%2050%20ANOS%20DE%20MEDICAMENTOS%20ANTIPSICOTICOS.pdf (CINQÜENTA ANOS DE
MEDICAMENTOS ANTIPSICÓTICOS EM PSIQUIATRIA). Clássicos ou Típicos Tradicionalmente, os
neurolépticos típicos apresentam um efeito ímpar nos chamados sintomas
positivos da esquizofrenia, como, por exemplo, Alucinações e Ilusões.
Farmacologicamente, são antagonistas do receptor D2 da Dopamina. Exemplos em
ordem decrescente de potência: Atípicos Os neurolépticos atípicos
são caracterizados por um alto efeito nos receptores serotoninérgicos 5-HT-2A.
Por conta disso, apresentam uma melhor atuação nos chamados sintomas negativos
da esquizofrenia (isolamento social, apatia, indiferença emocional e pobreza de
pensamento). Além disso, proporcionam menos efeitos extrapiramidais como, por
exemplo, acatisia e parkinsonismo. Esses efeitos benéficos dão-se pela
atividade desses fármacos nas vias nigroestriatal e mesocortical. ·
Lurazidona (Latuda) No IBBP relacionamos cerca de 2500 artigos tratando de psicotrópicos.
Existem vários livros, mas o mais popular é o do Professor Aristides Volpato Cordioli e colaboradores.
Editado pela Artmed, já teve várias edições. Voltando a história dos antipsicóticos no Brasil a partir dos anos 60
podemos observar a repetição do que ocorreu no resto do mundo. Muitos
lançamentos e muitos trabalhos feitos em cima de experimentos com as drogas já
comercializadas. Por isso vou relatar minhas memórias a respeito destes
medicamentos. O primeiro que vi sendo utilizado foram os derivados da
promazina. O Promazionon e depois o Neozine (levomepromazina). O Promazionon
foi abandonado depois de casos de agranulocitose. O Neozine e o Neuleptil
(Periciazina) duraram mais tempo, mas foram gradativamente substituídos pelos
derivados das Butirofenonas, o Popular Haldol e outros. Uma leva de outros produtos veio, foram
testados e abandonados. Em 1961 a Revista Psiquiatria do Centro de Estudos Luis
Guedes publicou um trabalho de Marcelo Blaya "Uso de Derivados Fenotiazínicos na Psicoterapia
com Esquizofrênicos". Foi um acontecimento raro, pois no Rio Grande do Sul,
dominado pelas ideias psicanalíticas o uso de drogas era visto como fracasso,
da psicanálise ou de quem utilizasse estas drogas. Em 1961 surgiam trabalhos
sobre novas drogas como o Clordizepóxido, a Amitriptilina e a Imipramina que
foi motivo de um grande lançamento no rio de Janeiro em 1960. Em 1963, Isaias
Paim publicou "Bibliografia brasileira de alcoolismo e toxicomanias".
São relacionados 238 artigos publicados em periódicos brasileiros, sobre
alcoolismo e drogas. O uso generalizado de antipsicóticos serviu de estímulo
para que Paulo Fraletti publicasse em 1965 “Usos e abuso de psicotrópicos (leis
e ética)". Os Professores Isaías Paim e João Caruso Madalena
publicaram em 1966 "Bibliografia brasileira de psicofarmacologia" em
que relaciona 152 trabalhos na área. Nesta época surge um trabalho de um Jovem
pesquisador João Romildo Bueno que estudara em Chicago com Himwich "Psychotropic drugs
used in the management of schizophrenia." publicado no Int J Neurol.em
1967. Os
trabalhos se sucediam. Em 1986 um grupo de Minas Gerais liderados por Jorge
Paprocki (Paprocki, Jorge // Rocha,
Fábio Lopes // Villela, G.F.J. // Lima, W.L.)
publica pela Sandoz "Bibliografia Brasileira de
Psicofármacos - 1954/1984 glossário de psicofármacos". A
Psiquiatria Online Brasil (Polbr) publicou muitos artigos tendo os
psicofármacos como mote principal. Carlos Lira Bastos e Paulo Giácomo Del Negro
discorrem sobre aspectos mais filosóficos da prática psiquiátrica e o uso de
psicofármacos, Já o Professor João Romildo Bueno é provocativo com seu artigo
“A Era dos Psicotrópicos ou O começo é sempre difícil e, ao invés de Roma pode
levar ao Irajá... (http://www.polbr.med.br/ano09/far0909.php). Os professores Rodrigo A. Bressan e Itiro
Shirakawa produziram o artigo “Neurolépticos de Ação Prolongada e os Avanços da
Psicofarmacologia da Esquizofrenia (http://www.polbr.med.br/ano09/far0909.php). Tabela
1 - Grupos químicos dos NAP
(fonte:
Bechelli, 1982) O uso
de psicofármacos se generalizou e, nos tempos atuais, é raro encontrarmos
pacientes virgem de tratamento. A própria apresentação da doença e dos doentes
modificou-se. São raros os sintomas agudos de antigamente, o acesso a drogas
como o Crack, Maconha e Cocaína é outro fator de confusão sintomatológica. Se
acrescentarmos a isto os problemas do uso continuado de psicotrópicos como
obesidade, distúrbios metabólicos e diabetes temos grandes desafios pela
frente. Com
todas estas dificuldades temos ainda que enfrentar a ação de ativistas que
consideram a medicação coisas do demo. Felizmente, os pacientes beneficiados,
cada vez mais reconhecem o alívio do seu sofrimento que estas drogas permitem e
são os primeiros a lutar para poder utilizar a medicação. Parece que todos concordaram que a descoberta das
propriedades antipsicóticas da Chlorpromazina nos anos 50, foi fundamental para
a prática da psiquiatria e do desencadear da “revolução psicofarmacológica”.
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