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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

Outubro de 2016 - Vol.21 - Nº 10

Psiquiatria na Prática Médica

ASSOCIAÇÃO ENTRE PATOLOGIAS PSIQUIÁTRICAS E DERMATOLÓGICAS - UMA REVISÃO

Gabriela Cerazi Sartori*
Prof Dra. Marcia Gonçalves**


A Dermatologia, a Psiquiatria e a Análise do Comportamento são áreas do conhecimento com interface em comum, uma vez que a ocorrência de doenças de pele pode envolver fatores emocionais associados. Problemas comportamentais podem originar ou agravar doenças dermatológicas, assim como essas podem provocar alterações psíquicas importantes. As doenças dermatológicas que têm interface com transtornos mentais podem ser divididas em quatro grupos, que ocasionalmente, de acordo com a condição do paciente, podem se agregar. O primeiro grupo são as condições dermatológicas que produzem consequências psiquiátricas, como o albinismo, a alopecia aerata, e o vitiligo. Já o segundo grupo, pode ser definido como doenças dermatológicas, como a acne, a dermatite atópica, eczema, psoríase e urticária, que são influenciadas a fatores psicológicos. Diferentemente disso, o terceiro grupo abarca doenças psiquiátricas, como o transtorno obsessivo-compulsivo, o transtorno depressivo, o transtorno factício e a tricotilomania, que produzem consequências dermatológicas. Por fim, o quarto grupo consiste de condições dermatológicas ou lesões resultantes do uso de medicação psiquiátrica.

Os comportamentos autolesivos da pele e de seus anexos (unhas e cabelos) devem ser entendidos dentro dessa interface, uma vez que são comportamentos emitidos pelo próprio indivíduo e que produzem alterações inestéticas na pele, como escoriações e cicatrizes. As condições psiquiátricas e psicológicas envolvendo essas condições não podem ser negligenciadas, independentemente de elas serem primárias ou secundárias aos problemas da pele. Diante disso, a necessidade do psicólogo de compreender as perspectivas da Dermatologia e da Psicologia sobre essas condições se faz necessária para que um trabalho interdisciplinar se torne possível.

Estes comportamentos recebem a denominação de dermatites factícias, que são caracterizadas por lesões produzidas pelo próprio paciente, de forma consciente ou não, que não podem ser explicadas por qualquer condição dermatológica biológica ou genética, a prevalência dessa doença é de 0,05% a 0,4% na população geral e que, apesar de ser encontrada em qualquer especialidade da medicina, a prevalência é maior em pacientes dermatológicos. As dermatites factícias podem ter quatro origens diferentes: (a) lesão provocada por movimentos mecânicos, como comportamentos de apertar, esfregar, tocar, cortar, picar e morder; (b) lesão por dano tóxico, na qual o indivíduo causa lesões por aplicação de ácido ou produz queimaduras em si mesmo; (c) lesões provocadas por infecções produzidas por comportamentos que dificultam a cicatrização e causam inflamação e (d) lesões provocadas por uso de medicações desnecessárias, como injeções de heparina e insulina.

A dermatite artefacta é caracterizada por lesões provocadas de forma inconsciente e pode estar relacionada a transtornos psiquiátricos, como o transtorno de personalidade borderline, narcisista ou histriônico e transtornos psicóticos. O indivíduo produz as lesões em um estado dissociativo de amnésia e, em geral, não é capaz de lembrar o seu comportamento e o estado emocional que acompanhou a auto lesão . A dermatite para artefacta difere disso, pois o individuo é parcialmente consciente do seu comportamento de auto lesão e reconhece o seu comportamento se for questionado. A principal característica dessa dermatite é a ausência de controle no impulso sobre um comportamento, o qual é emitido repetidamente e que produz danos à pessoa ou àqueles que são próximos dela.

A Psiquiatria, atuando no campo das doenças mentais, tem assumido a tarefa de classificar e propor critérios diagnósticos para os distúrbios comportamentais. O Manual de Diagnóstico de Transtornos Mentais (DSM) e o Código Internacional de Doenças 10 (CID-10) são publicações que descrevem os resultados da classificação psiquiátrica de forma que as síndromes categorizadas sejam definidas conforme critérios universais aplicáveis a todos os indivíduos. Os comportamentos auto lesivos da pele foram relacionados aos seguintes transtornos classificados pela Psiquiatria: (a) Transtorno Obsessivo-compulsivo , (b) Tricotilomania; (c) Transtorno do Controle de Impulso sem outra especificação; (d) Transtorno Dismórfico Corporal, (e) Comportamentos repetitivos; e (f) Dependência.

O transtorno obsessivo-compulsivo caracteriza-se pela presença de pensamentos obsessivos e comportamentos compulsivos. As obsessões são ideias repetitivas e intrusivas sob as quais o individuo não tem controle, já as compulsões são comportamentos repetitivos (lavar as mãos, ordenar, verificar) ou atos mentais (orar, contar, repetir palavras em silêncio) cujo objetivo é prevenir ou reduzir a ansiedade ou sofrimento, ao invés de oferecer prazer ou gratificação. Esse transtorno se relaciona aos comportamentos autolesivos, pois os indivíduos podem apresentar obsessões de contaminação e limpeza, que podem se relacionar a comportamentos obsessivos e excessivos de lavagem, limpeza e desinfecção com diferentes produtos químicos. Quando esses comportamentos são realizados em excesso podem produzir lesões na pele do indivíduo.

Alguns autores consideram o transtorno obsessivo-compulsivo como um espectro e por isso, avaliam algumas condições médicas que podem se relacionar a ele.

A tricotilomania tem como característica essencial a ocorrência recorrente do comportamento de arrancar os próprios cabelos e pelos, o que resulta em perda capilar perceptível e isso, pode ser compreendido como uma compulsão e classificada como um distúrbio de controle de impulso. A tricotilomania, assim, seria um único comportamento compulsivo que se mantém ao longo dos anos. A tricotilomania se assemelha ao TOC, pois apesar de não haver obsessões presentes e de as compulsões não terem a função de evitar possíveis perigos e problemas, a ausência de controle sobre o comportamento e os sentimentos de alívios associados a ele são condições remanescentes do TOC. Além disso, condições dermatológicas de escoriação neurótica, dermatite factícia e skin picking, podem fazer parte de um espectro obsessivo-compulsivo. Esses três termos foram utilizados para descrever comportamentos autolesivos na pele emitidos pelo próprio indivíduo na ausência de uma patologia física. Não há uma delimitação de qual é o termo mais adequado para designar essas condições, porém, o artigo utilizará skin picking para descrever essa condição. Há divergências quanto à aproximação do comportamento de skin picking ao do TOC. O comportamento de skin picking é repetitivo e ritualístico e que, como uma compulsão, é um comportamento intrusivo que diminuí a tensão. Os autores afirmam que, apesar dessa similaridade, os pacientes não relatam que o comportamento é emitido com a finalidade de prevenir algum mal. O skin picking, diferentemente do TOC, é mais comum em mulheres e que, apesar das diferenças e similaridades. Outra similaridade entre os transtornos é a que alguns pacientes diagnosticados com TOC relatam necessidade de tirar casquinas e intencionalidade no comportamento compulsivo de automutilação, com a finalidade de evitar que algo ruim aconteça, e que há relatos de coceiras que precedem o comportamento de auto lesão assim como no skin picking.

A onicofagia é uma condição similar ao skin picking, pois são comportamentos de autolesão emitidos pelo próprio indivíduo na área das unhas e cutículas, com a utilização, ou não, de objetos como alicates e tesouras, que podem gerar infecções, problemas dentários e mandibulares, assim como limitação social. A onicofagia pode ser considerada como um quadro do espectro obsessivo-compulsivo pelo fato do indivíduo não conseguir resistir à emissão do comportamento.

O transtorno dismórfico corporal também pode ser considerado a partir do espectro obsessivo-compulsivo. Ele se caracteriza por pensamentos obsessivos de ordem estética que descrevem uma preocupação excessiva com algum defeito na aparência, ou com falhas leves ou imaginadas na face ou na cabeça (cabelos, acne, cicatrizes, rugas, marcas vasculares) e excessos de comportamentos de cuidado com a aparência (pentear o cabelo em excesso, remover os pelos, aplicar maquiagem de forma ritualizada e beliscar a pele). Consultas com cirurgiões plásticos e dermatologistas são comuns nesses casos, e os indivíduos podem passar horas por dia em frente ao espelho, tentando ocultar ou mexer nas lesões e isso pode provocar mais danos à pele, como ocorre com a acne escoriada. O fato da preocupação com a aparência ser caracterizada como uma ideia fixa, a qual os pacientes não conseguem resistir, aproximam o distúrbio dismórfico corporal do espectro obsessivo-compulsivo. Além disso, a compra e o uso excessivo de roupas e acessórios para esconder as falhas imaginadas consomem tempo dos indivíduos, o que aproxima ainda mais esse transtorno ao do espectro obsessivo-compulsivo. Apesar disso, os pacientes com transtorno dismórfico corporal apresentam menor reconhecimento em relação às preocupações exageradas se comparados a pacientes com outros conteúdos obsessivos, mas respondem igualmente a  agentes anti obsessivos. Considerada como um quadro do espectro obsessivo-compulsivo pelo fato do indivíduo não conseguir resistir à emissão do comportamento.

 

 

 

Referências:

 

1-      L. Tomas-Aragones et al. Self-Inflicted Lesions in Dermatology: A Management and Therapeutic Approach – A Position Paper From the European Society for Dermatology and Psychiatry. Acta Dermato-Venereologica. ISSN 0001-5555.

2-      Contreras, Ernesto Landa, and María Pilar Alvites Ahumada. "Aspectos psiquiátricos de la dermatitis facticia: reporte y discusión de un caso."Psiquiatria. com 17 (2013).

3-      López Arroyo, M., Blasco Morente, G., Garrido Colmenero, C., Martínez García, E., & Tercedor Sánchez, J. (2014). Dermatitis artefacta: una patología con difícil diagnóstico.

4-      Ludwig, M. W. B., Muller, M. C., Redivo, L. B., Calvetti, P. U., da Silva, L. M., Hauber, L. S., & Facchin, T. H. J. (2008). Psicodermatologia e as intervenções do psicólogo da saúde. Mudanças-Psicologia da Saúde16(1), 37-42.

5-      Chiriac, A., Foia, L., Birsan, C., Goriuc, A., & Solovan, C. (2014). Cutaneous factitia in elderly patients: alarm signal for psychiatric disorders. Clinical interventions in aging9, 421.

6-      RICHARTZ, Marisa. Comportamentos autolesivos da pele e seus anexos: definição, avaliação comportamental e intervenção. Diss. Dissertação (Mestrado em Análise do Comportamento) Londrina, 2013. Disponível< www. uel. br/comportamentos-autolesivos-da-pele-e-seus-anexos-> Acesso em Maio de 2015 de Maio de, 2015.

7-      Monti, M., N. Sambvani, and F. Sacrini. "Obsessive-compulsive disorders in dermatology." Journal of the European Academy of Dermatology and Venereology 11.2 (1998): 103-108.

8-      Guerra-Tapia, A., Á. Asensio Martínez, and J. García Campayo. "El impacto emocional de la enfermedad dermatológica." Actas Dermo-Sifiliográficas106.9 (2015): 699-702.

 

* Interna - Dep. Medicina Unitau

** Prof. de Psiquiatria Dep. Medicina Unitau.

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