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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

Novembro de 2016 - Vol.21 - Nº 11

COLUNA PSIQUIATRIA CONTEMPORÂNEA

O MINISTRO, O ABORTO E O DESUMANO

Fernando Portela Câmara, UFRJ

O ilustre ministro Barroso, figura impar do STF e do direito constitucional, decretou que não há ser humano até os três meses de idade, o que torna o embrião uma coisa, portanto lixo descartável. De fato, se declarasse humano o embrião, estaria sancionando um assassinato de vulnerável. O abortista ministro esqueceu que ele não nasceu já pronto, elegante e inteligente, com conhecimentos profundos e retórica impecável. Para chegar ao que é, ele teve de cumprir os três meses iniciais de vida, que é quando o organismo feminino decide se está em condições de ampliar e replicar seu corpo transitoriamente. Ora, se o ministro não era ele aos três meses de idade no útero da mãe, então o que ele era?

Em metade das fecundações o óvulo é abortado sem que a mulher saiba ou sinta, e cerca de um quarto dos embriões são abortados espontaneamente até o terceiro mês; se o embrião prossegue é porque o organismo aceitou desenvolver o seu corpo, estando devidamente preparado. Isto é algo (no sentido Hegeliano) totalmente inconsciente; a mente, que lida com símbolos, linguagem e conceitos, não tem acesso a esse nível de sabedoria. Ao ser fecundado, o óvulo torna-se um ser humano em formação primeiramente como parte de um corpo que o impulsiona, depois por si mesmo. Se aceitarmos a tese do ilustre ministro abortista, uma criança de oito meses pode ser eliminada pelo simples fato de não falar, entender, trabalhar, participar da sociedade; da mesma forma os velhinhos do asilo também não são humanos no padrão narcísico do elegante ministro. Ora, na lógica abortista do ministro permite-se agora que os bebes microcéfalos sejam eliminados legalmente, o que institui desde já a terrível e ameaçador eugenia, tão cara aos nazistas e outras totalitárias. É uma declaração da mais absurda desumanização do ser humano, mas os inimigos da vida são muitos e proliferam por essas plagas.

Caso alguém não saiba, jovens microcéfalos que sobrevivem são pessoas adoráveis, puras, amorosas, humanas na mais alta expressão do ser; como todo ser humano que tem alguma deficiência, expressam pureza e afetividade, pois a maldade só se concretiza naqueles que tem o desenvolvimento completo, o mal exige muitas sinapses. Vejam os que têm síndrome de Down, não são puro amor? E, no entanto, esses belos seres morriam muito jovens por rejeição, discriminação, vítimas do conceito que “tais pessoas não conseguem viver por muito tempo”. Ora, vejam como eles agora vivem tanto, participam, trabalham, produzem, são criativos, tão afetivos, tão verdadeiramente humanos. Eles querem que recordemos o que somos verdadeiramente.

Nosso corpo não é verdadeiramente “nosso”, ele se continua nos outros. Não basta os órgãos funcionarem perfeitamente; se não houver trocas, afetos, solidariedade, amor, ninguém sobreviverá, e essa solidariedade começa no corpo materno. O corpo da mulher não é um conceito, e o que a mente conceitual não alcança, delira. O corpo não é estático, uma coisa; ele, é um processo, uma forma em constante mudança. Nada é estático no universo ou na natureza. O corpo feminino existe em múltiplos estados, ele muda, fecunda-se, replica-se em outros corpos, materializando o amor no reino biológico, sem o qual nenhuma vida existiria na terra. Esse é o que intuímos sobre o corpo, é por ele que a vida se propaga.

Justificar o aborto para eliminar microcéfalos é caminho aberto para eliminar também os doentes mentais de famílias com alto risco de gerar tais pessoas, é a oficialização da antiga liga de higiene mental e da instituição da eugenia. Um psiquiatra consciente jamais adotará tamanha violência e jamais negará a si mesmo adotando a eugenia como norma. Uma das razoes de existir da psiquiatria é a de dar aos que padecem de alguma doença mental a condição necessária para uma existência digna e gozo da liberdade de ser e existir.


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