Março de 2016 - Vol.21 - Nº 03
COLUNA PSIQUIATRIA CONTEMPORÂNEA
Ó TEMPOS… O POEMA DE GIORDANO BRUNO
Fernando Portela Câmara
Ainda jovem adotei a
figura de Bruno como um exemplo sublime da defesa da liberdade de pensamento.
Não somente me identifiquei com seus escritos herméticos, como também com sua
luta solitária e determinada pela liberdade de suas idéias. Essa resistência o
levou à inquisição, traído pelos seus irmãos dominicanos - traição essa que
ainda busca por justiça -, condenado à morte e seus livros censurados. Giordano
Bruno, também conhecido como “o Nolano”, ou Bruno de Nola, em referência à
cidade de seu nascimento, foi queimado vivo na Praça Campo di Fiori, em Roma,
em 17 de fevereiro de 1600, aos 52 anos. Tornou-se um mártir da liberdade de
pensar e de expor suas ideias ao debate. No local onde foi martirizado ergue-se
uma estátua em sua homenagem.
Bruno pregava uma
revolução a partir da liberdade de pensar novas ideias, submetendo-as ao debate
e depurando-as pela razão e experiência, na tradição dos Philosophus per ignem. Isso ameaçava o status quo da Igreja, que censurava e perseguia todos os que
ousassem discordar dos dogmas impostos pela física de Aristóteles e pelo Timeu
de Platão, a “ciência oficial” adotada e controlada pelo alto clero. Não foi um
evento isolado no tempo e espaço, mas um fato atemporal que se manifesta na
História ora explícito, ora oculto.
Abaixo, minha tradução
do poema de Bruno ante o decreto da sua morte.
POEMA DE GIORDANO BRUNO AOS SEUS VERDUGOS
Dizei-me, qual é o meu crime? Suspeitai, sequer?
E me acusais, sabendo que nunca delinqui!
Queima-me, porque amanhã, onde acendeis o fogo,
A História levantará uma estátua para mim.
Eu sei que me condena vossa suma demência,
Por quê? ... Porque busquei da verdade as luzes,
Não em vossa falsa ciência que o pensamento obscurece
Com dogmas e mitos roubados de outra era,
Mas no livro eterno do mundo do universo
que encerra entre suas páginas de imensa duração;
as sementes abençoadas de um futuro frutífero,
baseado na justiça, fundado na razão.
Bem sabeis que o homem, se ele procura em sua consciência,
a causa das causas, o último por que
há de trocar muito em breve, a Bíblia pela ciência,
os templos por escolas, a razão pela fé.
Eu sei que isso vos assusta como vos assusta tudo
tudo grande, e gostarias de poder me desmentir.
Além disso, vossa consciência, submersa na lama
de um servilismo que faz gemer a lástima ...
Mesmo ali, no fundo, bem sabeis que a idéia,
é intangível, eterna, divina, imaterial ...
Que não é ela o Deus e a religião vossas
Senão o que forma com suas mutações, a história do mundo.
Que é ela que extraia vida do ossuário
que torna o homem de pó em criador,
a que escreveu com sangue a cena do Calvário,
depois de escrever com luz, a do Tabor.
Mas sois sempre os mesmos, os velhos fariseus,
Aqueles que rezam e se prostram aonde podem ser vistos,
fingindo fé, sois falsos ao chamar por Deus, ateus
Chacais que a um cadáver buscais para roer! ...
Qual é a vossa doutrina? Trama de mentiras,
vossa ortodoxia, embuste; vosso patriarca, um rei;
lenda é a vossa história, fantástica e estranha.
Vossa razão, a força; e o ouro, vossa lei.
Tendes todos os vícios dos antigos gentios
Tendes a bacanalia, sua pérfida maldade;
como eles sois farsantes, hipócritas e vis.
Quereis, como eles queriam, matar a verdade;
Mas... Vão é o vosso empenho... Se nisto há algum;
sou eu a quem a História, no futuro dirá;
"Eu respeito aqueles que morrem como morreu Bruno"
E quanto aos vossos nomes... Quem os lembrará?
Ah... prefiro mil vezes minha morte à vossa sorte;
Morrer como eu morro... Não é uma morte. Não!
Morrer assim é a vida; e vosso viver, a morte
Então, quem triunfará não será Roma, serei eu!
Informem vosso Papa, vosso senhor e mestre,
Diga a que a morte me entregou como um sonho,
porque é a morte um sonho que nos conduz a Deus...
Mas não a este sinistro Deus, com vícios e paixões
que ao homem dá a vida e, ao mesmo tempo, sua maldição,
Senão ao Deus-ideia, que em mil evoluções
dá forma à matéria, e vida à criação.
Não o Deus das batalhas, mas o Deus do pensamento,
o Deus da consciência, o Deus que vive em mim,
O Deus que anima o fogo, a luz, a terra, o vento,
O Deus das bondades, não o Deus de ira sem fim.
Diga a ele que dez anos, com febre, com delírio,
Com fome, não puderam minha vontade quebrar,
Que negue Pedro ao Mestre Jesus, que a mim ante o martírio
da verdade, sabeis que não me fareis apostatar.
Agora basta! ... Eu vos aguardo! Dê fim à sua obra,
Covardes! O que vos detém? ... Temeis o futuro?
Ah ... Tremeis... É porque vos falta a fé que a mim me sobra...
Olhai para mim... Eu não tremo... E sou eu quem vai morrer! ...
(Rio de Janeiro, 22 de
março de 2016)
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